Economistas conservadores trocam Bolsonaro por Lula

No mercado, há resistência em declarar apoio a Bolsonaro

Paulo Guedes não é mais um trunfo para Jair Bolsonaro. Quatro anos após garantir a adesão de economistas conservadores à candidatura do então deputado de extrema-direita à Presidência da República, o “Posto Ipiranga” está cada vez mais isolado. Hoje, por regra, homens e mulheres do mercado têm resistido a declarar apoio ao atual presidente – e alguns economistas já não escondem que trocaram Bolsonaro pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições 2022.

A Abed (Associação Brasileira de Economistas pela Democracia), entidade suprapartidária de viés desenvolvimentista, consultou nomes de referência na área para dissecar o fenômeno. Na opinião de alguns entrevistados, a centralidade da luta em defesa da democracia – e contra o governo de destruição de Bolsonaro – está acima das questão estritamente econômicas.

“Antes de serem economistas, essas pessoas são cidadãos brasileiros que abominam a força bruta de ambientes onde a democracia, mesmo frágil como a nossa, não prevalece”, diz a professora Tânia Bacelar, da Universidade Federal de Pernambuco. “Tendo formação ortodoxa na economia, são pessoas cultas, conhecem o mundo, sabem do potencial do país e, mesmo sendo da elite, não fazem parte daquela porção predadora da nossa natureza e troglodita, que infelizmente ainda temos.”

Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp e da Facamp, lembra que “economistas liberais-conservadores” que apoiam Lula reagem às “voragens do vendaval bolsonarista”. As divergências, segundo Belluzzo, persistirão, mas de modo respeitoso. “Eles me estimulam a prestar o dever republicano de reconhecer em todos um inegociável compromisso com a democracia e com os princípios do liberalismo político. Assim, estaremos prontos a renovar e reiterar nossas civilizadas divergências sob o manto da democracia.”

Para Liana Carleial, da Universidade Federal do Paraná. “quaisquer das formas do liberalismo estão em descrédito no mundo. Os países que, no período pós-pandemia estão se recuperando, apostaram no poder do Estado, das políticas públicas e do investimento, para retomar o emprego e o mercado interno”.

A seu ver, no Brasil, o grupo que lidera o Brasil após o golpe de 2016 “não conseguiu mostrar sequer um êxito” e pôs em xeque a lógica da liberdade econômica. “De reforma em reforma, o resultado foi perda de direitos, empregos, renda, aposentadoria e organização sindical. Agora querem ‘torrar’ mais uma possibilidade de futuro, tentando privatizar os serviços públicos brasileiros.”

Luiz Filgueiras, da Universidade Federal da Bahia, aponta dois fatores: a crise do Brasil sob a gestão bolsonarista e a capacidade de Lula de se apresentar como alternativa. “Bolsonaro, desde o início do seu governo, vem destruindo a democracia, a economia e o Estado de Direito por dentro, além de ameaçar executar um golpe de Estado clássico, tipo 1964, com a implantação de uma ditadura”, afirma. “A frente ampla construída por Lula, para derrotar o fascismo e reconstruir a economia e o Estado, contempla a possibilidade, em um eventual governo, de adoção de uma política econômica que incorpore, parcialmente, alguns pontos da visão ortodoxa”

Na opinião de Esther Dweck, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, há uma linha que separa as candidaturas de Lula e Bolsonaro – “uma linha importante que muitos economistas brasileiros escolheram de forma contundente não atravessar. É a linha da democracia, do respeito ao próximo, da possibilidade de discordar com civilidade e de barrar um processo destruição institucional que marcou o primeiro mandato do atual presidente”. De acordo com Esther, as discordâncias ficam em segundo plano. “Estaremos nesse segundo turno lado a lado contra o obscurantismo e a barbárie.”

“A reeleição de Bolsonaro representaria uma grave ameaça até para o grau limitado de democracia existente no Brasil”, comenta João Machado, da PUC-SP. “Economistas conservadores são liberais na economia, e uma parte deles é também liberal na política e defende a democracia liberal. São muito diferentes de um economista conservador como Paulo Guedes, até hoje admirador da ditadura de Pinochet.”

Esses economistas reivindicam, segundo Machado, “algum pacto civilizatório”, mas sem acreditar que Lula seja um risco para a estabilidade fiscal do País. “As mudanças feitas (nos governos Lula) não foram irresponsáveis do ponto de vista fiscal. De fato, a orientação macroeconômica dos governos Lula foi muito mais responsável, até por critérios conservadores, do que a gestão econômica do governo Bolsonaro.”

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