Morte de jovem sob custódia policial gera revolta nas ruas do Irã

Manifestantes no Irã estão exigindo uma investigação sobre a morte de Amini e o desmantelamento da polícia de moralidade.

Manifestantes enfrentam repressão policial em cidades curdas e em Teerã.

Os iranianos foram às ruas e incendeiam veículos na capital Teerã para protestar contra a morte de uma jovem que havia sido detida por violar o código conservador de vestimenta do país. As manifestações são silenciadas pela mídia estatal, os acessos a grandes praças estão fechados e a internet foi bloqueada em áreas centrais. Nas redes sociais, as mulheres viralizam vídeos e fotos cortando os cabelos em protesto.

A polícia moral deteve Amini, de 22 anos, na terça-feira passada por não cobrir o cabelo com o lenço islâmico, conhecido como hijab, obrigatório para as mulheres, mesmo estrangeiras e não-muçulmanas. Testemunhas dizem que ela era agredida já na viatura policial. Da delegacia ao hospital, ela já chegou morta. A polícia diz que ela morreu de ataque cardíaco e nega que tenha sido maltratada. Sua família diz que ela não tinha histórico de problemas cardíacos.

A agência de notícias local Fars disse que estudantes de muitas universidades de Teerã se reuniram em protesto na segunda-feira, exigindo uma investigação sobre a morte de Mahsa Amini e o desmantelamento da polícia moral, que a mantinha detida quando ela morreu.

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O caso de Amini atraiu a condenação de celebridades iranianas, atletas e outras figuras públicas. O ex-presidente pró-reforma Mohammad Khatami disse que o comportamento da polícia moralista foi um “desastre”, enquanto o político e ex-legislador Mahmoud Sadeghi pediu a Khamenei que falasse publicamente sobre o caso de Amini. “O que o líder supremo, que denunciou com razão a polícia dos EUA pela morte de George Floyd, diz sobre o tratamento da polícia iraniana a Mahsa Amini?”, disse Sadeghi no Twitter.

O incidente tem servido como catalisador de insatisfações contra o governo por setores de oposição. O caos promovido causa um ambiente de imprevisibilidade com demandas que vão se ampliando. Os iranianos têm ido às ruas, nos últimos anos, em resposta a uma crise econômica exacerbada pelas sanções ocidentais ligadas ao programa nuclear do Irã. Testemunhas disseram que os manifestantes invadiram a Keshavarz Boulevard, uma via central, cantando “Morte ao Ditador”. Eles também gritaram contra a polícia e danificaram um veículo policial. 

Na noite de segunda-feira, repórteres da agência de notícias Associated Press (AP) viram latas de lixo incendiadas e pedras espalhadas por alguns cruzamentos do centro enquanto o cheiro de gás lacrimogêneo pairava no ar. A polícia fechou estradas que levam à praça central Vali-e Asr. Forças de segurança à paisana e grupos de policiais de choque podiam ser vistos em toda a área, e o serviço de internet móvel estava inoperante no centro de Teerã.

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Enquanto isso, vídeos que circulam nas mídias sociais mostram o terceiro dia de manifestações em cidades de maioria curda no oeste do Irã, bem como na cidade de Rasht, no norte, e em uma universidade na cidade central de Isfahan. A AP não pôde verificar de forma independente a autenticidade da filmagem.

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Assembleia da ONU

Amini, que era curda, foi enterrada no sábado em sua cidade natal de Saqez, no oeste do Irã. Os protestos eclodiram lá depois de seu funeral e a polícia disparou gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes no sábado e no domingo. Vários manifestantes foram presos. A vítima estava em uma visita a Teerã com sua família quando foi detida. 

Vários parlamentares disseram que levariam o caso ao parlamento, enquanto o judiciário disse que formaria uma força-tarefa especial para investigar.

O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, que partiu para Nova York na segunda-feira para discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas, ordenou uma investigação e prometeu prosseguir com o caso em um telefonema com a família de Amini. O judiciário lançou uma investigação, e uma comissão parlamentar também está investigando o incidente.

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O hijab é obrigatório para as mulheres no Irã desde a Revolução Islâmica de 1979 e a polícia da moralidade é encarregada de fazer cumprir essa e outras restrições. A força tem sido criticada nos últimos anos, especialmente pelo tratamento dado às mulheres jovens. Dezenas de mulheres retiraram seus véus em protesto em 2017, e desde então contestam a obrigatoriedade, gerando endurecimento da polícia repressiva.

Em julho, se tornou viral nas redes sociais um vídeo de uma mulher parada na frente de uma das vans das forças policiais implorava pela libertação de sua filha. A mulher de véu continuou segurando a van enquanto ela partia, só sendo jogada para longe depois que ela ganhava velocidade.

O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, apoiou uma atitude mais branda em relação às mulheres que não cumprem o código de vestimenta oficial. Mas a linha dura pede punições severas e até chicotadas, argumentando que permitir que as mulheres mostrem seus cabelos leva à decadência moral e à desintegração das famílias. Nos últimos anos, o judiciário pediu às pessoas que informem sobre as mulheres que não usam o hijab.

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Com informações da Aljazira e Agência France Press