Constituinte no Peru deve mudar o capítulo econômico, defende dirigente

Carlos Borja, dirigente do Juntos pelo Peru diz que remover a herança deixada por Fujimori é indispensável para o país se desenvolver

Para Carlos Borja, dirigente do partido Juntos pelo Peru, a herança neoliberal dos ‘Contratos de lei’ deixada por Alberto Fujimori (1990-2000) atenta contra os interesses nacionais, pois garante imensos lucros para o grande capital, relegando as necessidades básicas e reais da população. Para ele, a prioridade da Constituinte, que a direita tenta evitar em sua luta contra o governo de Pedro Castillo, deve ser mudar o capítulo econômico.

Borja, que é também diretor do Ministério do Comércio Exterior e Turismo do Peru, “esta é a questão central para desatar os nós para o desenvolvimento do país”.

Um dos compromissos do presidente Pedro Castillo, para o qual foi eleito, é a defesa da Constituinte, e a mudança fundamental é a que diz respeito ao capítulo econômico”, lembra Carlos Borja, em entrevista exclusiva na sede do partido.

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De acordo com ele, alterar as cláusulas pétreas em que foram transformadas as imposições de ordem econômica é a questão central, uma vez que tais contratos são um entrave à soberania, e atentam contra os interesses nacionais, pois garantem imensos lucros para o grande capital, relegando as necessidades básicas e reais da população.

No capítulo econômico, explicou, há uma imposição – feita sob o Consenso de Washington, de dilapidação do Estado e demolição dos direitos sociais e trabalhistas – que determinam que uma vez estabelecido o tal contrato não pode ser modificado por nenhuma razão. “Isso sequer é lógico pois uma vez que a própria dinâmica do mundo está em permanente transformação. Vale lembrar que a correlação de forças do ponto de vista econômico a nível mundial se modificou bastante a partir da guerra Rússia-Ucrânia. Portanto, a prioridade deve ser a revisão desses artigos”, acrescentou.

Esses contratos de lei foram feitos antes dos anos 2000, a grande maioria, no período de Fujimori, “garantindo lucros extraordinários, exagerados, muito superiores aos investimentos eventualmente realizados”, afirmou. Entre outros abusos, elevados à norma constitucional por Fujimori, está estabelecido que tratados com uma empresa não podem ser modificados, a não ser por uma arbitragem internacional, não por uma corte peruana.

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Borja explica que “ninguém está contra as empresas receberem uma contrapartida, mas houve uma enorme desproporção, um lucro mais do que abusivo. Quando os produtos escasseiam e supervalorizam, como foi o caso do ouro, esse lucro a mais deveria ser revertido para a caixa fiscal da nação, para o orçamento público, para o Estado peruano”.

Mas não é o que acontece. “É inaceitável que o Estado fique com apenas 10% e o grande capital embolse 90%. Não pode ser que, por algum motivo, o preço de um produto suba, os ganhos dos investidores aumentem, vão às alturas, se multipliquem, e o povo, que é o dono destas riquezas, não lucre nada com isso”, condenou.

Questionei sobre um encontro entre crianças com câncer e o presidente Castillo, e sua reclamação urgente de que continuavam aguardando uma injeção de recursos públicos, indispensável para o tratamento do qual dependem para sobreviver. “Daí vem o grave problema que não tenhamos orçamento para atender doenças tão tristes como o câncer e tantos outros em saúde, educação e transporte, que reverteriam em melhorias, e nem verbas para o desenvolvimento”, declarou Borja.

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Ele defende um “amparo emergencial” para as crianças com câncer e sustenta que “o capítulo econômico precisa ser modificado para que seja implementado um novo projeto de país”. Amarras grotescas e desumanas vêm sendo impostas pela extrema-direita que controla o Congresso e que, inclusive, impediu recentemente que Castillo comparecesse à cerimônia de posse do presidente da Colômbia, Gustavo Petro.

Fujimorismo sabota a democracia peruana

“Em nosso país ocorreram eleições gerais há pouco mais de um ano, que elegeram o presidente Castillo para um período constitucional de cinco anos e qualquer pessoa ou grupo que tente vulnerabilizar este princípio está indo contra a democracia”, ponderou Borja, frisando que é fato que “o fujimorismo sabota de forma permanente e sistemática o processo democrático”.

Entre os inúmeros atropelos cometidos contra os interesses nacionais está a determinação dos grandes meios de comunicação de ignorarem o fato de Castillo ter assumido a Presidência da Comunidade Andina de Nações (CAN), composta por Bolívia, Colômbia e Equador, através da qual pode ampliar o comércio com seus vizinhos, convertendo-os em parceiros estratégicos. Entre os muitos nós a serem desatados está o fato de que no ano passado os membros da CAN compraram somente 4,5% das exportações peruanas e forneceram apenas 5,5% das importações.

Conforme o dirigente do Juntos pelo Peru, “a democracia não é apenas quando se elege um candidato que atenda a determinados interesses. Mas, na visão desses grupos de direita, só quando o candidato eleito cumpre com o seu programa, com sua cartilha neoliberal, deve permanecer na Presidência. Do contrário, não”, disse.

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É o que temos visto aqui no Peru, recordou, pois “antes mesmo que Pedro Castillo assumisse suas funções de presidente já houve uma sabotagem permanente e sistemática, inicialmente desconhecendo sua eleição, desprezando a vontade popular expressa nas urnas e, depois, desde o primeiro dia em que foi instalado o governo, sabotando a gestão a partir do Congresso. Assim tem atuado a direita desde junho do ano passado”.

De que democracia estamos falando se os partidos de direita não respeitam nem mesmo as regras estabelecidas por eles na Constituição de 1993? Porque esta Constituição atual foi criada por eles, com diferentes nomes, chame-se Alberto Fujimori (1990-2000) ou Alejandro Toledo [2001-2006]. Compreendemos que a democracia deve ser para todos e que todos devem defendê-la”, sustentou o dirigente.

Lamentavelmente, assinalou Carlos Borja, “o empresariado peruano não é nacionalista, como o chileno ou brasileiro, não investe em tecnologia, o que vai nos deixando para trás”.

“Poderíamos investir na industrialização, na fabricação de automóveis e caminhões, mas, infelizmente, exportamos apenas bens primários, com baixo valor agregado”, afirma. Ele ciito como exemplo o cobre, que sai do país em barras. “Imagine se exportássemos o cobre como cabo elétrico, que acabamos importando a um preço muitas vezes superior. Da mesma forma, na indústria farmacêutica, pelo grande conhecimento acumulado. Havia um cientista que queria desenvolver uma vacina contra a Covid-19 [Castillo ainda não estava no governo]. Até chegou a conseguir, porém não teve o apoio necessário. Veja o exemplo de Cuba, sendo um país tão pequeno e que chegou a elaborar três vacinas contra a Covid. Precisamos de compromisso com o país”, concluiu. 

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