Brasil tem recorde de candidaturas ligadas a candomblé e umbanda

As religiões de matriz africana tiveram como aliado o escritor Jorge Amado, deputado comunista e autor da emenda que garantiu liberdade de culto no país.

Líderes de religiões de matriz africana buscam cargos eletivos | Foto: Eduardo Knapp/folhapress

Um levantamento feito pela Folha de S. Paulo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e divulgado neste domingo (18) mostra que as eleições de 2022 terão um recorde de candidaturas ligadas às religiões de matriz africana.

Somente neste ano, 29 líderes do candomblé e da umbanda concorrem utilizando orixás ou títulos de pai e mãe de santo em seus nomes de urna. Segundo o estudo, isso equivale a 4% do total de religiosos inscritos para a eleição. Mas o número é ainda maior, visto que nem todos adotam explicitamente as funções nos terreiros ou os nomes das divindades.

As candidaturas do candomblé ou da umbanda identificadas a partir dos nomes de urna concorrem a deputado estadual ou federal e estão espalhadas em 14 estados. Pouco mais da metade estão concentradas em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

As religiões de matriz africana tiveram aliados como o escritor Jorge Amado, deputado nos anos 1940 pelo Partido Comunista, ogã no terreiro do Ogunjá e autor da emenda que garantiu liberdade de culto no país. Se existe liberdade religiosa atualmente, esta se deu graças a emenda parlamentar do escritor e seu esforço e fazer com que fosse aprovada.

Pelo fim da intolerância religiosa

Jorge Amado foi deputado federal pelo Partido Comunista do Brasil em São Paulo de 1946 a 1948. No seu breve período enquanto parlamentar, deixou como parte do seu legado a emenda 3.218 que, aprovada, virou o parágrafo 7 do artigo 141 da Constituição Federal de 1946, que tratava dos direitos à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade.

“§ 7º É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil.”

Frequentador de cultos religiosos africanos desde jovem, e acostumado a vê-los tratados sob o açoite da polícia, esse era um tema sensível a Amado. Embora a República já houvesse garantido o Estado laico no país, na época, qualquer culto religioso diferente do católico, ainda que cristão, era assunto de polícia.

Jorge Amado pede a bênção da ialorixá Maria Escolástica da Conceição Nazaré, a Mãe Menininha do Gantois. Ação da bancada comunista na Constituinte revogou a Lei de Jogos e Costumes, usada na República Velha para discriminar e proibir o Candomblé e a Umbanda.

No seu livro de memórias ‘Navegação de Cabotagem’, deixou registrado: “Se de algo me envaideço quando penso nos dois anos que perdi no Parlamento é da emenda que apresentei ao Projeto de Constituição (…) emenda que, vitoriosa, mantida até hoje, veio garantir a liberdade de crença no Brasil”.

A emenda foi negociada com Parlamentares de outras legendas pelo próprio Jorge Amado, que conta em suas memórias ter procurado primeiro Luiz Viana Filho, baiano e escritor, autor de livro sobre ‘O Negro no Brasil’; em seguida, o sociólogo pernambucano Gilberto Freire, a quem teria seduzido com o argumento de que os xangôs do Recife vão poder dançar em paz, para, em seguida, percorrer o plenário, conquistar assinaturas dos parlamentares, Otávio Mangabeira, Milton Campos, Cirilo Júnior, Prado Kelly, de espectros ideológicos completamente distintos dos dele.

“(…) Essa a minha contribuição para a Constituição Democrática de 1946. Transformada em artigo de lei (sic) a emenda funcionou, a perseguição aos protestantes, a violação de seus templos, das tendas espíritas, a violência contra o candomblé e a umbanda tornaram-se coisas do passado. Para algo serviu minha eleição, a pena de cadeia que cumpri no Palácio Tiradentes (…)”

Jorge Amado foi um parlamentar atuante: os anais do Congresso apontam que apresentou 15 emendas ao Projeto de Constituição, dentre as quais se destacam a isenção de tributos para importação de papel para publicação de livros e jornais (emenda 2.850); a não obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas (emenda 3.062); a supressão da censura prévia para a publicação de livros e periódicos (emenda 3.064); a liberdade de culto religioso (emenda 3.218) e a eliminação do dispositivo que facultava apenas a brasileiros natos o exercício das profissões liberais (emenda 3.355).

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Com informações de agências

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