Lula tem preferência entre espíritas, que lançam manifesto contra reeleição de Bolsonaro

Candidato da coligação Brasil da Esperança tem o dobro de votos entre religiosos kardecistas. Manifesto já reúne 1.630 signatários.

II Encontro Nacional da Esquerda Espírita, em São Paulo, no dia 10 de julho de 2022

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o candidato a presidente preferido pela maioria dos eleitores que se declaram católicos (54%) e espíritas (51%), de acordo com levantamentos de institutos de pesquisa de intenção de voto, como Ipec. Jair Bolsonaro (PL) lidera entre evangélicos, com 48% da preferência desse grupo, contra 31% de Lula, que vem aumentando gradualmente, conforme a campanha se aproxima mais desse eleitorado.

Noutro levantamento PoderData recente, o panorama é parecido entre os espíritas/kardecistas: Lula tem 54% e Bolsonaro, 24%. Do total de entrevistados, 53% disseram ser católicos, enquanto 25% se declararam evangélicos e menos de 3%, espíritas.

Espiritismo progressista

Agora, setores dessa comunidade religiosa, com predominância nas classes médias urbanas, lançaram um manifesto contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). O documento traz uma lista de motivos pelos quais Bolsonaro não deveria ser reeleito, por não estar alinhado com os princípios cristãos que norteiam a doutrina kardecista.

O Coletivo Espiritas à Esquerda Espíritas à Esquerda, a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e a Ágora Espírita divulgaram o abaixo-assinado. Até a conclusão desta matéria, 1.630 pessoas haviam assinado o manifesto. O movimento – presente virtualmente em 17 estados brasileiros e em Portugal – tem posições críticas ao meio espírita conservador, liderado no Brasil por Divaldo Franco.

Médium de direita

O presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou, no início de julho, a Mansão do Caminho acompanhado de Divaldo Franco, líder espírita que fundou a instituição em 1952, e que recebeu uma Insígnia da Ordem do Rio Branco em reconhecimento pelo trabalho social que tem desenvolvido.

Em diferentes ocasiões, Divaldo Franco já havia demonstrado apoio a Jair Bolsonaro, chegando a receber o apelido de “médium de direita”. “O atual presidente representava uma esperança, apesar de eu não aprovar seus discursos a favor da tortura”, afirmou ele, em 2019, em entrevista à revista Veja.

Na época, Dora Incontri, coordenadora da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, chegou a se pronunciar sobre o posicionamento político de Divaldo, negando suposições de que ele representaria a doutrina. “Ele influencia muita gente e, como se porta como líder, parece que toda a nossa comunidade segue o seu pensamento, o que não é verdade”, criticou ela.

Édney Mesquita, professor de história e psicanalista espírita, criticou Divaldo, por tirar foto ao lado de um candidato que ele considera “representante das trevas”, porque a influência do médium angaria votos para ele.

O escritor espírita Marcelo Teixeira foi um dos que se manifestaram espantados ao ver um de seus líderes mais populares de braços dados com Bolsonaro. “Eu e muitos outros companheiros de doutrina espírita jamais aceitaríamos algo semelhante vindo de um presidente que desrespeita a vida com declarações escancaradamente machistas, homofóbicas, racistas e misóginas”, afirmou.

Segundo Teixeira, no espiritismo existe a consciência de que as pessoas são espíritos imortais presos temporariamente a um corpo material que reencarnam quantas vezes forem necessárias para encerrar determinadas pendências e auxiliar no progresso da humanidade e do planeta. “Isso significa que devemos lutar para sermos pessoas melhores, bem como participativos no que tange à construção de uma sociedade na qual haja trabalho, saúde, educação, moradia e salários dignos para todos”, explica ele.

Teixeira afirma que Divaldo Franco seria fruto de uma construção social que contribui para que a classe média que compõe o movimento espírita continue “inculta, reacionária, ranzinza, hipócrita, moralista, temerosa do comunismo e avessa ao progresso social, já que este implica na ascensão das classes que adoramos manter subalternas para limpar nosso chão, recolher nosso lixo, fazer nossa comida e lavar nosso banheiro”.

“A meu ver, de nada adianta ficarmos maravilhados com as minudências do além-túmulo que os livros espíritas evidenciam se, na vida civil, repetimos, com o nosso voto e a nossa mentalidade, comportamentos sociais escravagistas, opressores e injustos”, completa.

Religião define voto

Estudo de pesquisadores do Insper, feito em maio, mostrava que religião explica mais de 1/3 dos votos em Lula e Bolsonaro. Outros fatores como gênero, raça, renda e escolaridade eram menos determinantes, podendo se dividir entre as candidaturas. Já um não-evangélico tinha 16,9 pontos percentuais a mais de possibilidade de votar em Lula do que um evangélico. 

Neste caso, ser evangélico era determinante para votar em Bolsonaro, naquele período de pré-campanha. Sozinha, a religião explicava até 40% da intenção de voto em Lula e um terço do voto em Bolsonaro. Conforme a campanha avançou, com investimento bolsonarista de pânico moral entre os evangélicos, e aproximação e diálogo maior da campanha de Lula entre este segmento, os números passaram a oscilar. A agressividade de Bolsonaro ao pedir voto em igrejas gerou rejeição em alguns segmentos, favorecendo a entrada de Lula.

Leia os motivos que o manifesto aponta para que espíritas não devam votar em Bolsonaro:

a) o espiritismo possui caráter essencialmente progressista, conforme textos de Kardec, como se lê, por exemplo, em “A gênese”, nos itens 10, cap. IV; 56, cap. XVII; e 24, 25, 28 e 30, cap. XVIII. E esse caráter progressista, colocado como lei no cap. VIII da parte III de “O livro dos espíritos” (LE), está ligado ao respeito e ao fomento das ciências, incluindo as ciências sociais, a à educação como base de nossas relações;

b) que “numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome”, como afirma a resposta à questão 930 de “O livro dos espíritos”, mostrando-nos que a justiça social é parte indissociável das propostas espíritas, pois “Deus fez o homem para viver em sociedade” (LE766) e que “todos devem concorrer para o progresso, ajudando-se mutuamente” (LE767).

c) que o primeiro de todos os direitos naturais é o de viver, como nos diz a resposta à questão 880 de “O livro dos espíritos”, e que tal direito é oposto à disseminação de armas e à falta de cuidados com a saúde da população;

d) que o compromisso com a vida se estende necessariamente aos seres que compartilham conosco o planeta que nos acolhe, sendo, portanto, essenciais o cuidado e a manutenção de todos os biomas naturais para a preservação da fauna e da flora;

e) que o espírito imortal não tem sexo, gênero, etnia ou nacionalidade e que, portanto, torna-se premente a superação da discriminação social que aflige grande parte da população, como o racismo, a LGBTfobia, o machismo, o capacitismo e todas as demais formas de discriminação e preconceito;

f) que a “justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais” (LE875) e que “o forte deve trabalhar para o fraco. […] É a lei de caridade” (LE685), não sendo possível, portanto, pactuar com a contínua e opressiva cassação de direitos básicos de trabalhadoras e trabalhadores; e

g) que, como a laicidade do estado é um pilar das sociedades contemporâneas, as pautas sociais discutidas nos parlamentos e na própria sociedade devem-se pautar exclusivamente pela ciência e pelo interesse social, excluindo-se quaisquer interferências de credo nesse debate.

Diante dessas premissas fundamentais do espiritismo e do fato de o atual presidente não se alinhar a NENHUM desses princípios, entendemos que o avanço da sociedade brasileira só será possível mediante a superação desse trágico momento social em que vivemos no Brasil e que isso passa necessariamente pela NÃO reeleição desse grupo ora no poder, pois o amor ao próximo e a justiça social estão justamente no seu lado oposto.”