EUA tem sindicalização inédita apesar da oposição feroz das empresas

Movimento dos trabalhadores na Amazon e na Starbucks mostram que o sindicalismo cresce, após declínio de 60 anos. Em algumas corporações, os trabalhadores se organizam pela primeira vez.

Trabalhadores da Starbucks americana aproveitam o clima favorável para sindicalizar suas reivindicações trabalhistas. Loja de Buffalo, onde tudo começou.

Após anos de declínio, o movimento trabalhista americano está experimentando um ressurgimento, com um aumento na popularidade dos sindicatos e da organização dos trabalhadores. As experiências vitoriosas apontam para uma realidade trabalhista em que os jovens e famílias se veem num beco sem saída de trabalho intenso e endividamento permanente.

Mas a reação corporativa nos Estados Unidos é feroz com tentativas de quebrar os sindicatos e campanhas brutais para tentar desencorajar os trabalhadores a se organizarem.

Tem sido um enorme desafio sindicalizar uma grande corporação que não quer ser sindicalizada. Os empregadores podem inundar os trabalhadores com mensagens antissindicais, enquanto os sindicatos não têm acesso protegido aos trabalhadores no emprego. Embora seja oficialmente ilegal ameaçar, disciplinar ou demitir trabalhadores que desejem se sindicalizar, as consequências de fazê-lo são geralmente mínimas.

A Starbucks, o maior exemplo recente deste processo, nega que tenha infringido a lei, e um juiz federal recentemente rejeitou um pedido para reintegrar trabalhadores pró-sindicato que o conselho trabalhista disse que a Starbucks havia ilegalmente forçado a sair.

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Apoio popular

Estas atitudes parecem apenas reforçar o apoio dos trabalhadores aos sindicatos. Uma pesquisa de agosto de 2021 realizada pela Gallup encontrou os sindicatos em seu ponto mais alto nos EUA desde 1965, com 68% de apoio nos EUA. Os sindicatos trabalhistas foram a única instituição para a qual a aprovação dos americanos não diminuiu no ano passado, em uma pesquisa de confiança de junho para 16 grandes instituições americanas.

Durante os primeiros três trimestres do ano fiscal, o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB) relatou um aumento de petições eleitorais sindicais em 58%, de 1.197 para 1.892.

O NLRB agora está pressionando por mais financiamento para lidar com o aumento da atividade trabalhista. Mas a reforma da lei trabalhista não conseguiu passar pelo Senado dos EUA, apesar de ter sido aprovada na Câmara.

Esta onda também tem alavancado setores de esquerda na política. O senador Bernie Sanders encabeça a lista de políticos conhecidos por estarem no espectro mais à esquerda do Partido Democrata, que são frequentemente citados pelos sindicalizados. Outros movimentos políticos que seduzem esta juventude são o Black Lives Matter e os Socialistas Democráticos da América.

Algumas das maiores corporações e marcas dos EUA viram os trabalhadores se organizarem pela primeira vez.

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Tudo começou na cafeteria

O marco dessa retomada foi uma loja Starbucks que venceu a eleição sindical em Buffalo em dezembro de 2021, fazendo com que cerca de 234 pontos de venda votassem pela sindicalização, levando ao ressurgimento de petições eleitorais de sindicatos trabalhistas. A onda começou por causa de protestos por demissões indevidas no período da pandemia, que geraram apoio público.

Essas vitórias vieram apesar da oposição agressiva da Starbucks, que negou todas as alegações de retaliação contra trabalhadores envolvidos na organização sindical.

Em abril deste ano, os funcionários do armazém da Amazon em Staten Island, Nova York, venceram a eleição sindical, e as campanhas de organização sindical foram divulgadas em outros armazéns da Amazon na Carolina do Norte, Kentucky e no estado de Nova York. As greves na Amazon e os relatos de exploração do trabalho são velhas conhecidas na empresa por todo o mundo. A empresa teme que o avanço sindical ultrapasse as fronteiras americanas.

Enquanto isso, a primeira loja de varejo da Apple nos EUA venceu sua eleição sindical em junho. Trabalhadores de duas lojas Trader Joe’s , dois locais Chipotle e uma loja de varejo Lululemon recentemente entraram com pedido de eleições sindicais, onde, se bem-sucedidos, seriam os primeiros locais dessas corporações a se sindicalizar.

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Progressismo de fachada

A primeira loja de varejo REI sindicalizada com sucesso na cidade de Nova York em março, e uma segunda loja em Berkeley, Califórnia, está realizando sua eleição sindical em 27 de julho. Com isso, as principais redes de lojas americanas vão sendo varridas pelo trabalhismo, depois de décadas de perdas salariais e de direitos.

No caso da REI, a empresa é uma cooperativa e sempre projetou uma imagem progressista, o que surpreende a falta de sindicalização. A imagem vem sendo abalada pela campanha que a direção da empresa faz ao alegar que um contrato sindical não garante nada e poderia diminuir os salários e benefícios para os trabalhadores.

A REI informa ser neutra, mas é claramente anti-sindical no que se propõe a fazer, em termos de gerar medo, ou incerteza nos trabalhadores. A juventude americana valoriza muito a imagem progressista que esta loja projeta, assim como tantas outras, e começam a desconfiar até que ponto são empresários comprometidos com o bem estar social.

Logo após a loja em Nova York vencer a eleição sindical, a empresa divulgou um novo pagamento e benefícios para toda a empresa, embora a REI tenha negado que tenha sido uma resposta à vitória eleitoral do sindicato.

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Um tipo diferente de organização

O que é tão impressionante quanto as vitórias é a natureza não convencional das campanhas de organização. Os trabalhadores da Amazon e da Trader Joe’s estão estabelecendo sindicatos independentes, enquanto na Starbucks e Chipotle, os funcionários estão se unindo a sindicatos estabelecidos. 

Mas tirando essa diferença, as dinâmicas em jogo são notavelmente semelhantes: as campanhas estão sendo lideradas por jovens trabalhadores determinados. Na maioria das vezes, é uma sindicalização de baixo para cima, em vez de ser conduzida por representantes sindicais oficiais e experientes. Isso tem impedido as empresas de usar o argumento de que os “sindicatos externos” a empresa não entendem a realidade dos trabalhadores e só querem cobrar taxas.

As campanhas envolveram um grau significativo de “auto-organização”, com trabalhadores falando uns com os outros no armazém e nas cafeterias e alcançando colegas em outras lojas na mesma cidade e em todo o país. Isso marca uma mudança radical em relação à maneira como o movimento trabalhista tradicionalmente operava, que tendia a ser mais centralizado e liderado por funcionários sindicais experientes.

Talvez mais importante do que as vitórias é seu potencial para criar uma sensação de otimismo e entusiasmo em torno da organização sindical, especialmente entre os trabalhadores mais jovens. Trata-se de incutir nos trabalhadores a crença de que, se os trabalhadores pró-sindicatos podem vencer na Amazon e na Starbucks, eles podem vencer em qualquer lugar.

Antes da pandemia, essas recentes vitórias trabalhistas provavelmente pareciam inimagináveis. Essas corporações poderosas e ricas pareciam invencíveis na época. A Amazon, que no passado fez propaganda para analistas monitorarem “ameaças de organização trabalhista”, disse que respeita os direitos dos trabalhadores de se filiar ou não a sindicatos.

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Um cenário jurídico desfavorável

Ao longo do último meio século, corporações antissindicais e seus consultores e escritórios de advocacia – auxiliados por NLRBs controlados pelos republicanos e juízes de direita – minaram esse processo de auto-organização dos trabalhadores, permitindo que as eleições sindicais se tornassem dominadas pelos empregadores.

Mas para que o declínio de longo prazo na filiação sindical seja revertido, os trabalhadores pró-sindicatos precisarão de proteções mais fortes. A reforma da lei trabalhista é essencial para que quase 50% dos trabalhadores americanos não sindicalizados que dizem querer representação sindical tenham alguma chance de obtê-la.

Não se sabe aonde esse último movimento trabalhista levará. Pode evaporar ou pode apenas desencadear uma onda de organização em todo o setor de serviços de baixos salários, estimulando um debate nacional sobre os direitos dos trabalhadores no processo.

Com informações do The Conversation