Bolsonaro nega, mas criou sim o orçamento secreto

Presidente vem tentando se descolar de iniciativa que, em três anos, destinou R$ 65 bi para esse tipo de verba de uso sigiloso, beneficiando majoritariamente o Centrão

Charge: Nando Motta

A tática de investir em fake news e manipular os fatos a seu favor tem sido marca registrada do comportamento do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus apoiadores. Com o orçamento secreto não foi diferente. No debate promovido no domingo (28), o candidato à reeleição disse ter vetado a iniciativa, declarando “não tem nada a ver com isso”. A verdade, porém, é que orçamento secreto nasceu de projeto assinado por Bolsonaro, que permitiu o pagamento de R$ 65 bilhões, mas diante dos escândalos envolvendo a liberação dessa verba, o presidente tenta se eximir de suas responsabilidades. 

“O pessoal culpa a mim pelo orçamento secreto. Eu não tenho nada a ver com isso. Quem define a lei na ponta da linha não sou eu. Se aprova um negócio lá no Congresso e eu veto, se derrubar o veto, não tem mais conversa. O parlamento é quem é o grande soberano nessa questão”, disse Bolsonaro em entrevista à Jovem Pan no dia 26. 

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O fato, no entanto, é que a criação do orçamento secreto foi uma manobra do Palácio do Planalto para beneficiar partidos do Centrão, de maneira a garantir o apoio desse bloco a projetos do interesse do governo, blindar Bolsonaro contra pedidos de impeachment e impedir iniciativas da oposição. 

“Logo no primeiro ano, Bolsonaro sancionou R$ 30 bilhões em emendas do orçamento secreto. Ele poderia vetar os recursos, mas optou por autorizar o pagamento de 100% das verbas indicadas pelo Congresso. Em três anos, Bolsonaro entregou para o Centrão uma decisão que deveria ser dos seus ministros sobre o que fazer com R$ 65 bilhões”, diz reportagem publicada por O Estado de S.Paulo nesta quarta-feira (31). 

Ainda que a primeira tentativa de emplacar o orçamento secreto tenha partido do Congresso e tenha sido inicialmente vetada pelo presidente, Bolsonaro logo recuou e encaminhou para o crivo parlamentar o texto — assinado por ele mesmo — que criou o orçamento. Com a iniciativa, políticos do Centrão tiveram de cara, ao seu dispor, pela primeira vez na história, cerca de R$ 300 milhões cujo destino seria determinado por eles mesmos, sem nenhum controle. 

Esse tipo de emenda abre enormes brechas para desvios e direcionamentos  de toda ordem, como mostraram reportagens sobre suspeitas de superfaturamento na compra de tratores, caminhões de lixo e ônibus escolares, entre outros. 

A festa das verbas sigilosas levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a determinar a suspensão do pagamento e a adoção de medidas de transparência para as indicações, o que foi apenas parcialmente cumprido. A estimativa é de que os nomes de quem indicou 70% das verbas sejam ainda desconhecidos. 

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E apesar do discurso, se depender do atual presidente, a farra continuará. Conforme lembrou o economista Márcio Pochmann, pelas redes sociais, “o projeto de lei orçamentaria de Bolsonaro ao Congresso não garante recursos para a permanência do Auxílio Brasil em 2023, porém assegura que parte do orçamento manejado por parlamentares siga secreto ao contribuinte. Clientelismo, mandonismo e coronelismo estão de volta”.

O ex-presidente Lula, por sua vez, demonstrou contrariedade quanto à manutenção das verbas sigilosas. Durante entrevista ao Jornal Nacional, Lula declarou: “Bolsonaro parece um bobo da corte. Ele não coordena o Orçamento. Os ministros ligam para o (Arthur) Lira (presidente da Câmara), não para o presidente da República”. Disse, ainda, que “o orçamento secreto é uma excrescência, uma usurpação do poder. Acabou o presidencialismo, Bolsonaro não manda nada, sequer cuida do Orçamento”.