A seca histórica no Hemisfério Norte

Situação de estiagem extrema afeta agricultura, indústria e comércio de importantes economias globais como EUA, Europa, China e Índia

Seca na barragem La Vinuela, perto de Málaga, Espanha | Foto: Jon Nazca

China, Estados Unidos, Europa e Índia estão registrando secas históricas. O recorde de altas temperaturas no Hemisfério Norte tem causado mortes, perda da produção agrícola, desabastecimento de energia, desertificação de áreas, rios secos, favorecimento de incêndios florestais e prejuízo econômico: tudo ao mesmo tempo.

“O sistema energético global está quebrado” e, com isso, estamos “cada vez mais próximos de uma catástrofe climática”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, após a divulgação do relatório Estado do Clima, da Organização Meteorológica Mundial (OMM). O documento mostra a “triste repetição do fracasso humano em combater os problemas climáticos”.

Especialistas ouvidos pelo Portal G1, disseram que embora fenômenos climáticos extremos também possam surgir de ciclos naturais no planeta, não é uma surpresa que esses eventos estejam acontecendo com uma maior intensidade, como resultado das mudanças climáticas induzidas pelo homem.

Europa

A Europa tem sua pior seca em 500 anos. O relatório de agosto do Observatório Europeu da Seca (EDO) indica que 47% da Europa está em condições de alerta, com claro déficit de umidade do solo, e 17% em estado de alerta, em que a vegetação é afetada. Nos últimos dois meses, as excepcionais ondas de calor causaram queimadas em 660 mil hectares — um recorde para o período desde que os dados de satélite começaram a ser registrados, em 2006.

Navio de guerra alemão afundado provavelmente em 1944 exposto devido à seca no rio Danúbio, na altura de Prahovo, na Sérvia | Foto: Fedja Grulovic

A seca reduz ainda o nível de alguns dos rios mais importantes do continente, como o rio Danúbio, prejudicando a logística de produtos por via fluvial, que torna o transporte mais caro e aumenta os preços em geral, principalmente das commodities.

Além disso, este é o segundo maior rio da Europa e a seca prolongada já provocou o mais baixo nível de água registado nos últimos 100 anos. A Comissão Europeia já alertou que o calor e a falta de chuva vão manter-se no Mediterrâneo durante pelo menos mais três meses.

Já a água do rio Reno, na Alemanha, caiu para níveis “excepcionalmente baixos” em algumas áreas, interrompendo o transporte na hidrovia interior mais importante do país. Segundo economistas, a interrupção pode reduzir em até 0,5 ponto percentual o PIB da Alemanha no ano.

Barco no leito seco do rio Pó: Itália passa pela pior seca em 70 anos | Foto: Andrea Carrubba/Getty Images

O rio Pó, um dos maiores de Itália e um símbolo da seca que partes do país atravessam, regista o nível mais baixo em mais de 70 anos e partes do seu leito estão completamente expostas. Por causa do baixo nível do rio, a água do salgada do Mar Adriático está adentrando até 30 km antes da foz, salgando seu leito e suas margens.

América do Norte

O oeste dos EUA e o norte do México estão passando pelo período mais seco em 1.200 anos. Um estudo publicado na revista Nature Climate Change mostra que o aquecimento do clima na Terra tornou a seca na região oeste dos EUA cerca de 40% mais severa, fazendo deste o período mais seco na região desde 800 d.C.

A estiagem local deve afetar a agricultura principalmente no estado da Califórnia, elevando ainda mais o preço dos alimentos e causando bilhões em perdas no campo. Isso se contar que o ano passado, segundo estudo da Universidade da Califórnia-Merced,  a seca custou à indústria agrícola californiana mais de US$ 1,1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões) e 14 mil empregos.

Marina danificada pela seca na Área de Recreação nacional do Lago Mead | Foto: Shutterstock

O lago Mead, maior reservatório de água dos EUA após a construção da barragem de Hoover no rio Colorado, registra apenas um quarto de sua capacidade, o que põe em risco o abastecimento de água para 25 milhões de pessoas.

O Lago Powell, segundo maior reservatório dos EUA, formado após a construção da barragem de Glen Canyon, também está com o nível da água baixo, prejudicando o abastecimento de milhões de pessoas.

Ásia

A China vive a onda de calor mais intensa de sua história recente, segundo o monitoramento do Centro Climático de Pequim. O calorão é inédito não só pela temperatura, mas também pela duração: já são mais de 70 dias de temperaturas altas, o mais longo desde 1961, superando o recorde de 61 dias em 2013.

Rio Jialing fica reduzido a poças por causa da seca que atinge a região de Chongqing, na China | Foto: Thomas Peter/Reuters

A incomum onda de calor tem provocado impactos generalizados em grande parte do país com efeitos para a população e a economia. Comércio, agricultura e indústria sofrem com as consequências de um verão extremo no clima chinês. Os baixos níveis de rios e reservatórios forçaram o racionamento de energia para residências, escritórios, shopping centers e o fechamento de fábricas em várias cidades. A Volkswagen interrompeu sua produção, assim como a Foxconn.

Com o peso da China na economia global e a sua superpopulação, as repercussões do calor extremo e da seca severa devem afetar todo o mundo com mais interrupções nas cadeias de suprimentos e piora da crise alimentar global.

Pessoas e animais aproveitam sombra de ponte sobre rio seco em Nova Delhi, Índia: temperaturas recordes destroem lavouras e provocam apagões na Ásia | Foto: Amarjeet Kumar Singh/AFP

Na Índia, a produção de grãos despencou por conta de uma forte onda de calor, que prejudicou a safra de trigo e arroz – encarecendo alimentos básicos da alimentação local. O país responde por 40% do comércio global de arroz, que alimenta metade da humanidade e é vital para a estabilidade política e econômica em toda a Ásia. Interrupções no fornecimento devido a possíveis restrições comerciais da Índia podem criar escassez e aumento de preços em outros lugares.

África

Do sul da Etiópia até o norte do Quênia, passando pela Somália, a região conhecida como Chifre da África sofre com uma enorme seca, algo que não se via há 40 anos, que preocupa as organizações humanitárias e ameaça quase 20 milhões de pessoas.

Um relatório da ONU, entre outubro de 2010 e abril de 2012, cerca de 258 mil pessoas morreram de fome na Somália, metade delas crianças com menos de 5 anos. Agora, uma seca arrasadora atinge o país e deixa, desde o ano passado, 1 milhão de pessoas como deslocadas internas. Só em 2022, mais de 755 mil pessoas foram forçadas a abandonar suas terras e vilas no país em busca das condições mínimas para a sobrevivência.

Mulher ao lado de torneiras que não funcionam no campo para deslocados internos de Farburo 2, onde vivem cerca de 2700 famílias, na vila de Adlale, perto da cidade de Gode, Etiópia, em 6 de abril de 2022 | Foto: Eduardo Soteras/AFP

Mudanças nos padrões climáticos, ligadas diretamente ao aquecimento global, são apontadas como uma das principais responsáveis pela redução dos volumes de chuvas no Leste e no Sul da África. Além de castigar a região do Chifre da África, a seca também está afetando países como Angola, Lesoto, Madagascar, Malauí, Namíbia, Moçambique, Zâmbia, Zimbábue e África do Sul. 

Segundo a ONU, desde 2000 o número e a duração das secas aumentaram 29%. Até 2050, as secas podem afetar mais de 75% da população mundial. Um número cada vez maior de pessoas viverá em áreas com escassez extrema de água, incluindo uma em cada quatro crianças até 2040. Entre 1900 e 2019, as secas impactaram 2,7 bilhões de pessoas no mundo e causaram 11,7 milhões de mortes.

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Com informações de agências

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