JN faz a Lula perguntas que queríamos para Bolsonaro

Bolsonaro precisa responder sobre corrupção, orçamento secreto, lista tríplice, ódio eleitoral, agronegócio, colapso econômico e diplomacia

Os jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos pegaram o questionário errado nesta quinta-feira (25), para entrevistar o candidato presidencial Luis Inácio Lula da Silva. O deslocamento das questões fazia parecer que era Lula quem governa, não Bolsonaro.

Havia muito que Lula poderia esclarecer sobre como reconstruir o que foi desmontado por Bolsonaro. Havia muito a ser dito sobre economia num cenário global tão diferente de seus governos. Muito a ser antecipado para recuperar a saúde econômica do país, após tantas contrarreformas, teto de gastos, juros, pedaladas fiscais e privatizações.

No entanto, Lula precisou dar respostas que o brasileiro queria ouvir da boca de Bolsonaro. Afinal, se Lula foi plenamente absolvido e a Operação Lava Jato desqualificada, como disse Bonner, logo na primeira pergunta, porque teria contas a prestar sobre corrupção? Se escândalos de corrupção só aparecem em governos que se prestam a ser fiscalizados, não seria o caso de Bolsonaro dizer porque os escândalos são abafados em seu governo de sigilos, engavetamentos e interferências no comando da polícia? É no governo de Bolsonaro que o orçamento secreto é movimentado intensamente entre parlamentares do Centrão. É Bolsonaro e seus asseclas que xingam e ameaçam ministros do Supremo que fiscalizam seus mal-feitos. 

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Se a imprensa já tem como consenso que Bolsonaro vai deixar uma “bomba fiscal” para o próximo governo, não seria o caso dele responder por isso? Mas foi Lula, aquele que pagou a dívida externa, emprestou ao FMI e deixou reservas bilionárias, que teve que provar que vai dar credibilidade à economia brasileira e garantir investimento externo. Lula teve que explicar quem é Geraldo Alckmin no governo, enquanto Bolsonaro nada precisa dizer sobre seus milhares de cargos entregues a militares, ou entorno de generais que ameaçam as cortes superiores.

O governo Dilma foi colocado no banco dos réus por resultados econômicos declinantes, mesmo diante do caos criado pela oposição para sabotar seu governo e levá-lo ao impeachment. Já Bolsonaro, nada precisou dizer sobre as cenas grotescas de brasileiras procurando comida no lixo para dar aos filhos, em seu governo. A lógica negacionista que levou à morte de quase 700 mil brasileiros na pandemia ficou por isso mesmo. Responsabilidade do acaso.

Apesar de um ministro bolsonarista dizer que ia aproveitar a pandemia para passar a boiada na Amazônia, foi Lula que teve que se explicar sobre os apoios do agronegócio ao candidato que mais desmata as florestas brasileiras. Desta vez foi Renata que posou de negacionista, insistindo que os fazendeiros de soja e gado são respeitadores do meio ambiente e da sustentabilidade. Enquanto as cooperativas agrícolas do MST são um perigo para a tradição, para a família e para a propriedade. 

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Bolsonaro distribui armas de fogo num dos países mais violentos do mundo. Seus discursos diários estimulam ódio e violência contra a esquerda, contra jornalistas, contra professores e estudantes. Sua política ambiental causa mortes, incêndios, invasões de terras indígenas e garimpagem ilegal Brasil adentro. Mas é a militância de esquerda que é criminalizada por Bonner, poucas semanas depois do assassinato de um dirigente petista por um policial bolsonarista.

Finalmente, ao falar do tema que mais orgulha Lula em seus governos, a política externa, o Jornal Nacional inverte os termos do debate e tenta colocar o petista na defensiva. A pergunta é auto-explicativa: porque Lula não agride governos de outros países? Porque não! Mais uma vez, quem deveria responder porque ataca gratuitamente governos vizinhos e parceiros comerciais importantes é Bolsonaro. Isso, sim!

Bolsonaro precisa explicar porque os amigos do Brasil sumiram. Precisa explicar porque lideranças internacionais e diplomatas estrangeiros só vêm ao Brasil para passar vergonha e constrangimento. Como ficaria um eventual governo Bolsonaro cercado de governos de esquerda no continente?

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Nas considerações finais, Lula deu a pista do que realmente gostaria de ter discutido. Queria falar do retrocesso da educação pós-bolsonaro e pós-pandemia. Falar do endividamento das famílias, mesmo com ajuda de programas sociais. Queria explicar como vai voltar a colocar o povo no orçamento. Também sinalizou da importância do investimento em educação, pois queria falar de ciência, tecnologia e inovação. 

Certamente, Lula tinha muito a dizer que sequer foi tocado pelos jornalistas. Em vez disso, a pauta do jornalismo brasileiro para o Brasil gira em torno de fantasmagorias e falsas polêmicas. Mas Lula aproveitou muito bem as perguntas mal direcionadas. Sutil e implicitamente, mostrou quem é o verdadeiro responsável pela destruição da família brasileira, quem não respeita a vida e quem instiga o ódio político no Brasil. 

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