Lula defende instituições democráticas e promete fazer mais e melhor

JN insiste em tema do combate a corrupção e Lula aproveita espaço para desconstruir Lava Jato e Bolsonaro. Ainda mostrou que maturidade política vai favorecer estabilidade econômica.

Com elegância, calma e sem agressões, o candidato a Presidência da República, Luis Inácio Lula da Silva, conseguiu desconstruir anos de distorções contra ele e seus governos, durante entrevista ao Jornal Nacional. “Durante cinco anos fui massacrado e estou tendo hoje primeira oportunidade de falar abertamente ao vivo com o povo brasileiro”.

A insistência dos jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos em falar de corrupção foi a oportunidade que Lula esperava para responder a perguntas que nunca pode, enquanto a imprensa, a política, a polícia e o judiciário cristalizavam uma narrativa que o levou à prisão injustamente.

Lula fez isso sem demonstrar rancor, mas expressando esperança de que o país ainda vai avançar mais em suas instituições democráticas e no fortalecimento do estado democrático de direito. Questionado sobre como impedir que escândalos de corrupção ocorram em seu governo, ele defendeu os mecanismos que criou para investigar, apurar e punir delitos. 

O ex-presidente demonstrou que, em seu governo havia ampla liberdade dos organismos fiscalizatórios para investigar e expor crimes contra o erário público. Por isso, os crimes vinham a tona. Com isso, sutilmente foi expondo o modo como o governo Bolsonaro age para impedir investigações de irregularidades, nos últimos três anos. Ele citou as decretações de sigilo em documentos, as indicações de delegados na Polícia Federal, o orçamento secreto e a falta de transparência do governo.

Lula defendeu que a democracia depende de instituições fortes para que funcione em plenitude. O ex-presidente afirmou que as instituições precisam ser sérias, independentes e atuar pelo bem do povo. “Não quero amigo no MP, na Polícia Federal, no Itamaraty em nenhum lugar”.

Lula lembrou que seus governos fortaleceram as instituições e criaram mecanismos contra a corrupção e condições para que ela fosse investigada. Ele citou Lei da Transparência, Lei de Acesso à Informação, além de fortalecer instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal.

No entanto, ele foi contundente ao lamentar os erros cometidos pela Lava Jato, que colocaram em xeque instituições fundamentais como o Ministério Público e a Polícia Federal. Ele também criticou o mecanismo de delação premiada que favoreceu empresários corruptos, sem benefício à investigação. Para o ex-presidente, o maior erro foi enveredar pelo caminho político de destruir Lula, em vez de punir a corrupção. Ele lembrou quando disse ao juiz Sérgio Moro, que ele estava condenado a condená-lo, pois tinha levado a mentira longe demais para voltar atrás.

Lula demonstrou que os recursos que voltaram ao caixa da Petrobras foram muito menores do que os prejuízos causados à economia do país, enquanto grandes players globais da engenharia brasileira eram destruídas. 

Hoje, o ex-presidente acumula 26 vitórias judiciais, em absolutamente todos os processos que eram movidos contra ele. Como o próprio Bonner disse logo na abertura da entrevista, a inocência de Lula está mais do que atestada.

Ao criticar e prometer acabar com o orçamento secreto, as emendas sem assinatura que Bolsonaro instrumentaliza para garantir apoio parlamentar, Lula disse que isto “afunda o país na corrupção”. O petista considera grave que Bolsonaro não tenha controle sobre o orçamento, deixando-o a cargo do presidente da Câmara. Para ele, isso esvazia o cargo do presidente da República e o transforma em um “bobo da corte”.

“Orçamento Secreto não é moeda de troca. Isso é usurpação do poder. Acabou presidencialismo, Bolsonaro não manda nada, o Bolsonaro é refém do Congresso Nacional. O Bolsonaro sequer cuida do orçamento, o orçamento quem cuida é o Arthur Lira [Presidente da Câmara]. É ele quem libera as verbas, o ministro liga para ele, não liga para o Presidente.”

Para confirmar sua tese, Lula lembrou do Auxílio Brasil que não tem previsão orçamentária e deve acabar em dezembro. Bolsonaro diz no JN que vai manter o valor de R$ 600, mas não coloca na diretriz orçamentária.

Garantir que acreditem 

Ao mostrar que soube tirar o Brasil de uma crise profunda deixada pelo governo FHC, Lula neutralizou o questionamento sobre o que fará com a “bomba fiscal” que Bolsonaro deixará para o próximo governo. Aproveitou ainda para exaltar a importância do ex-governador Geraldo Alckmin em sua chapa para gerar a credibilidade econômica que será preciso para reconstruir a economia do país.

O ex-presidente lembrou que, em seu primeiro governo, também herdou um cenário econômico bastante desafiador. “Em 2003 eu tomei posse com inflação de 10%, desemprego de 12%. O Brasil devia 30 milhões ao FMI. Deixamos uma reserva de US$ 370 bilhões e ainda emprestamos US$ 15 bi ao FMI. Além disso, o Brasil viveu a maior política de inclusão social do país”, afirmou.

Sobre as condições fiscais com que pretende lidar, Lula repetiu que vai insistir nas “três palavras mágicas”: credibilidade, previsibilidade e estabilidade. “Você tem que garantir, quando falar, que eles acreditem. Ninguém pode ser pego de surpresa com uma mudança no governo. E nunca antes na história esse país teve uma chapa como Lula e Alckmin para ganhar credibilidade externa e interna, para fazer as coisas acontecerem nesse país.”

Diante de críticas ao cenário econômico durante o governo de Dilma Rousseff, o ex-presidente elogiou a presidenta, que soube governar diante do agravamento de uma crise internacional e sob constante sabotagem de Aécio Neves, no Senado, e de Eduardo Cunha, na Câmara dos Deputados, impedindo que ela implementasse as mudanças necessárias no governo.

Agronegócio e meio ambiente

Lula lamentou que haja empresários do agronegócio que prefiram Bolsonaro e o desmatamento a seu governo que contribuiu tanto para ajudar o setor. Lula disse ser possível a convivência pacífica com o agronegócio. “Empresários sérios não querem desmatar. Querem preservar nossos rios, nossas fauna”. 

Para ele, é preciso explorar corretamente e cientificamente a biodiversidade da Amazônia e dela retirar produtos para o desenvolvimento econômico sustentável. Ele citou produtos fármacos e cosméticos que são exportados a partir da Amazônia.

Como já demonstrou nos seus governos, Lula defendeu que a agricultura familiar e o agronegócio podem – e devem – conviver de forma complementar. Ele elogiou a capacidade produtiva do Movimento Sem Terra (MST) em orgânicos em terras improdutivas. Enquanto isso, Bolsonaro ganha fazendeiros porque liberou armas. “É extremamente importante a convivência pacífica dessa gente. Nós temos que pacificar esse país.”

Política internacional

Questionado sobre o modo como evita conflitar com outros governos, considerados autoritários, Lula disse que, como um democrata, respeita a autodeterminação dos povos. “Cada país cuida do seu nariz e assim eu quero com o Brasil”, disse ele, destacando a defesa da rotatividade de poder. 

“Se eu ganhar as eleições, você vai ver a enxurrada de amigos que estão desaparecidos que vão vir visitar o Brasil, porque o Brasil vai ser amigo de todo mundo. O Brasil não tem contencioso internacional”, disse Lula, sugerindo o clima de animosidade entre o atual governo e vários países parceiros do Brasil.

Em suas considerações finais, Lula aproveitou para lembrar a juventude do que fez para mais que dobrar o número de universitários no país. Também mencionou as política que pretende implementar para impedir o endividamento das famílias, muitas delas comandadas por mulheres. 

“Eu queria dizer ao povo brasileiro que nós já provamos que é possível cuidar do povo brasileiro. Eu não gosto de utilizar a palavra governar, eu gosto de utilizar a palavra cuidar. Ou seja, tentar colocar o pobre no orçamento do país, tentar fazer com que as pessoas possam chegar na universidade. (…) Esse país é um país do futuro que nós precisamos construir. Não existe nenhuma experiência de país que ficou rico sem investir na educação.”