Professor da UNB contesta economia “fantástica” de Bolsonaro no JN

José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), explica o populismo econômico de Bolsonaro no Jornal Nacional e porque deflação não chega aos mais pobres.

José Luís Oreiro é professor de economia da UnB. Foto: Agência Câmara

O Jornal Nacional iniciou nesta semana uma séria de entrevistas com os candidatos à presidência da República mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto. O presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) foi entrevistado na segunda-feira (22).

Na ocasião se referiu aos números da economia nacional como “fantásticos”. No entanto, a imprensa nacional e economistas contextualizam esta euforia do presidente, pois a inflação tem corroído a renda dos brasileiros em um cenário de avanço da pobreza que já coloca 33 milhões de brasileiros expostos à fome.

De acordo com o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro, as falas do presidente revelam populismo econômico, pois, entre outros motivos, os mais pobres não se beneficiam da deflação citada por ele. Confira os comentários do professor sobre os pontos econômicos “fantásticos” de Bolsonaro.

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Deflação

A deflação comemorada por Bolsonaro de -0,68% em julho não esconde o acumulado medido em 12 meses pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE) que ficou no mês em 10,07%. Com esse número, o Brasil tem a quarta maior inflação entre os países do G-20, de acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e a Quantzed. Entre os países, o Brasil tem a inflação menor somente que Turquia (79,6%), Argentina (64%) e Rússia (15,9%).

Segundo o professor da UNB, a deflação vista em julho foi decorrente exclusivamente pela redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre os combustíveis e sobre energia. A medida estabeleceu um “teto” de ICMS em 17% e 18% para os estados.

“Os mais pobres não se beneficiaram da deflação porque mais pobre não tem carro e o preço das passagens de ônibus, de trem e de Metro não foram reduzidos então os mais pobres não se beneficiam da deflação de preços dos combustíveis e continuam pagando preços dos alimentos cada vez mais altos. Chegamos a uma situação no Brasil em que um litro de leite custa mais do que um litro de gasolina. É inacreditável. Essa comemoração que o Bolsonaro fez da deflação de julho, na verdade, não afeta os mais pobres”, diz Oreiro.

“É provável que ocorra novamente uma pequena deflação em agosto, inclusive o IPCA-15 está apontando isso, mas trata-se de um fenômeno pontual. A inflação acumulada em 12 meses até junho estava acima de dois dígitos”, completa.

Dívida futura

Como comenta o economista, ainda que a perspectiva seja de que os próximos meses também tenha deflação, isto só acontece por medidas que a equipe econômica do presidente tomou para conter a subida de preços em alguns setores às vésperas das eleições.

Como no caso do “teto” do ICMS, o efeito foi a redução dos preços para algumas áreas, mas a conta foi repassada aos estados. Todavia esta decisão pode se voltar contra a União a longo prazo, sendo que muitos estados já conseguiram liminares do STF para obter compensação financeira com as perdas provocadas pela limitação com o teto.

“O STF já está mandando a União pagar a conta. Essa redução do ICMS vai cair no colo do contribuinte brasileiro. Não agora. Isso que é o populismo econômico. Você faz uma medida que é popular no curto prazo, que aparentemente melhora a situação de vida de muita gente, mas que depois terá uma conta lá na frente que teremos que pagar. O Bolsonaro é um populista latino-americano da pior espécie”, critica.

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Desemprego

Na entrevista ao JN, o presidente apontou que a taxa de desemprego vem caindo. Porém, o economista da UNB observa que no Brasil metade da força produtiva vive “desemprego disfarçado”. 

Dados do IBGE apontam que o Brasil tem 10,1 milhões de desempregados (9,3% abr, mai, jun), e 39,3 milhões de trabalhadores informais. É neste último dado que Oreiro se concentra.

“O Brasil é uma economia dual, tem um setor moderno e um setor de subsistência. No país um em cada dois trabalhadores está no setor informal ou de subsistência. É gente empregada por conta própria, trabalhador informal que não tem carteira de trabalho assinada etc. Então quando um desempregado passa a ganhar a vida por conta própria ou vai ser trabalhador informal. ele sai do desemprego. Mas isso não quer dizer que o desemprego disfarçado tenha diminuído. Precisamos fazer uma distinção entre a estatística real de desemprego e o desemprego disfarçado”, alerta o professor.

“No caso do Brasil e dos demais países latino-americanos o desemprego disfarçado é de duas a três vezes maior do que o desemprego formal. Quando a gente olha para o grau de precariedade do mercado de trabalho brasileiro, um em cada dois brasileiros está autoempregado, está com uma relação de trabalho informal ou está desempregado. Isso é 50% da força de trabalho”, lamenta Oreiro.

Juros alto

Para completar o cenário, Oreiro analisa o aumento dos juros realizado pelo Banco Central (BC) para conter a alta dos preços. Na última reunião do Comitê de Política Monetária a Selic (taxa básica de juros) foi elevada para 13,75% (a.a.) – maior patamar em seis anos. Com os juros altos o crédito para as famílias e para as empresas investirem fica mais caro.

Nesse sentido, o professor explica que as taxas de juros precisam ser olhadas pelo lado real, não pelo nominal. Assim, é preciso observar os juros reais ex-post (inflação acumulada nos últimos 12 meses) e ex-ante (expectativa de inflação para os próximos 12 meses).

“Do ponto de vista ex-post temos uma inflação acumulada pouco abaixo de 10%, então se teria juros real de 4%, que já é alto. Mas a inflação esperada para os próximos 12 meses, ex-ante, é de 6 a 7%. Então a taxa real de juros é de 7% ao ano para investimentos absolutamente livres de risco. Quem é que vai investir no Brasil, abrir novas empresas, novos negócios? Ninguém vai investir! Na verdade estão fazendo uma enorme transferência de renda de toda a sociedade brasileira para os rentistas. As aplicações financeiras vinculadas à Selic estão rendendo mais, mas isto às custas do investimento produtivo e da criação de emprego e renda”, finaliza José Luís Oreiro.