Declaração de guerra, há 80 anos, impulsiona indústria no Brasil

O modo como Getúlio Vargas manipulou os dois lados da guerra favoreceu o surgimento da siderurgia nacional, da exportação de borracha e emparedou a ditadura do Estado Novo.

Roosevelt e Getúlio após o acordo de guerra que beneficiou o Brasil financeiramente

Em 22 de agosto de 1942, após ter seus navios mercantes torpedeados, o Brasil declarou guerra à Alemanha nazista e à Itália fascista, quando o presidente Getúlio Vargas disse que estava em “estado de beligerância” com a Alemanha e a Itália. Apesar desta declaração, o decreto que oficializou o Estado de Guerra só foi publicado no dia 31 de agosto.

Entre os impactos no País, surgiu a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e a imagem fascista e ditatorial do Estado Novo foi emparedada. Vargas optou por seguir as orientações do seu ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, que era pró-americano.

A declaração de guerra foi uma resposta do presidente Getúlio Vargas à pressão da população. De fevereiro a agosto de 1942, 19 navios brasileiros foram torpedeados pelas forças alemãs, o que causou a morte de 742 pessoas. O incidente teve o mesmo efeito do ataque japonês a Pearl Harbour sobre os americanos.

O Partido Comunista

Antes disso, a Alemanha havia sido um importante parceiro comercial para o Brasil, e muitos militares e membros do governo, incluindo o próprio Getúlio Vargas, eram simpáticos à Alemanha nazista e à ideologia fascista. Foi nessa época que o governo enviou a comunista Olga Benário para campos de concentração nazistas.

Desde 1941, em plena repressão patrocinada pelo Estado Novo, o Partido Comunista do Brasil defendeu a entrada do país na Segunda Guerra Mundial ao lado das forças aliadas – entre elas a União Soviética – contra as potências do eixo nazifascista. 

Quando, após longo período de pressão popular, Vargas declarou guerra, o PC do Brasil defendeu a formação da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Muitos comunistas foram à Itália, e os que não eram comunistas acabaram tendo forte influência ideológica. Essa dominância de esquerda nas tropas levou o governo brasileiro de Eurico Gaspar Dutra a ignorar os pracinhas na volta da Europa, enquanto na Itália eles eram celebrados como heróis.

Apesar da declaração de guerra, apenas em julho de 1944 os 25 mil soldados brasileiros foram enviados para os campos de batalha na Itália, onde a Força Expedicionária Brasileira serviria.

O Brasil já havia se alinhado com os EUA em janeiro de 1942, após a Conferência do Rio de Janeiro, quando decidiu romper relações com o Eixo – formado por Itália, Alemanha e Japão –, que já estava em guerra com os americanos. Desde então, o governo Getúlio Vargas havia concedido a permissão para que os Aliados usassem portos e bases aéreas no Brasil. 

Apesar do entusiasmo do governo americano de Franklin Delano Roosevelt, a Alemanha foi praticamente indiferente, considerando que o Brasil já estava alinhado com os EUA antes do episódio.

O papel do Brasil

Até enviar as tropas, dois anos depois, o papel do país no esforço aliado foi abrir espaço para uma base aérea americana em Natal (RN) e arregimentar voluntários para colher borracha na Amazônia, os “soldados da borracha”. Cinquenta mil deles – em sua maioria nordestinos – foram colher borracha em seringais na Amazônia para compensar as perdas de borracha no Sudeste Asiático. Isso levou a colonização de partes da Amazônia com esta população.

Os americanos financiaram o transporte dos voluntários para a Amazônia e concederam outros cinco milhões de dólares para construir a infraestrutura necessária para acomodá-los. Ao todo, 26 mil deles acabaram morrendo de doenças na selva. 

Em outro acordo firmado dois meses depois de agosto, os EUA forneceram ao Brasil 200 milhões de dólares em armas e munição de guerra destinadas à Marinha e ao Exército, além de linhas de crédito para ajudar na industrialização do país.

O Estado brasileiro se voltou contra os imigrantes de países do Eixo. Desde 1937, a ditadura do Estado Novo já havia praticamente abolido o sistema de escolas e publicações em língua estrangeira no país antes mesmo da guerra. Falar alemão e italiano já havia sido proibido em vários estados em janeiro de 1942, quando o Brasil rompeu relações com os países do Eixo.

Depois da comoção com os ataques aos navios, ocorreram vários episódios de violência contra imigrantes alemães e italianos. Em Petrópolis, no estado do Rio, lojas e restaurantes com nomes alemães tiveram suas placas trocadas por outras, com os nomes dos navios afundados. No Rio Grande do Sul, estabelecimentos de alemães e italianos foram depredados por multidões que gritaram “Viva Getúlio Vargas!”.

O Brasil tinha uma divisão pequena na guerra, com 25 mil pracinhas, pouco em comparação com outros países. Mas foi muito importante, por ter sido a primeira vez que o Brasil esteve envolvido em uma guerra fora do seu território. Isso mudou sua posição no mundo e também entre os Aliados. 

Três anos depois, a guerra chegou ao fim na Europa e na Ásia. Cerca de dois mil brasileiros haviam morrido no conflito, entre eles 443 pracinhas. 

Pracinhas brasileiros são lembrados pelos italianos, em muitas cidades, até hoje.

Impulso a industrialização

Após a obtenção de um financiamento de US$ 20 milhões dos Estados Unidos, o Brasil pode viabilizar a construção de uma grande siderúrgica nacional para suprir o país do aço necessário para o parque nacional, as obras públicas e as forças armadas.

Isso rompeu com a dependência da exportação do café nos anos 30, e importação de produtos industrializados, com preços diretamente impactados pela crise de 1929. O Brasil era obrigado a exportar minérios em lugar de empregá-los nas dispersas e pequenas empresas siderúrgicas. Assim, não tinha aço nem para os trilhos de suas ferrovias.

Os Estados Unidos não tinham interesse no projeto de siderúrgica nacional brasileira por dividirem com a Europa o monopólio da produção do aço e porque necessitava da matéria prima, o minério de ferro produzido no Brasil, para os países aliados. O projeto significaria também impulsionar a industrialização do Brasil e reduzir sua dependência de importações.

Getúlio jogou com os dois lados da guerra para impulsionar a siderurgia, chegando, em 1940, a sinalizar uma adesão ao eixo nazifascista. Foi o suficiente para os americanos entrarem com o empréstimo. Com a entrada do recurso, a CSN foi constituída em 9 abril de 1941, como empresa de capital misto, na assembleia que aprovou sua primeira diretoria. O presidente da empresa, Guilherme Guinle, foi nomeado diretamente por Getúlio Vargas.

A CSN foi inaugurada em 1946,  já na administração Gaspar Dutra.  A esta altura, Getúlio Vargas havia sido deposto e não participou da inauguração.

Foi criada uma verdadeira cidade para abrigar quase dez mil homens para as obras. A usina de Volta Redonda ganhou status de instalação militar de “segurança nacional”, sob novas formas de vigilância política dos trabalhadores, sendo parte da história de resistência do movimento sindical no Brasil.

Antes disso tudo, o país era essencialmente rural — apenas 10% do Produto Interno Bruto (PIB) era industrial. Quando Vargas deixou o Catete, após seu suicídio em 1954, o Brasil estava longe daquela fazenda de café defendida pelas oligarquias paulista e mineira. Em 1955, a produção industrial já representava 30% do PIB.

Na década de 80, nos extertores da ditadura militar, a CSN passou a enfrentar grave crise financeira. Em 2 de abril de 1993, após um intenso processo de sucateamento da empresa, cortes em nome do saneamento financeiro e demissões, a CSN foi arrematada por US$ 1,05 bilhão, pelo consórcio de grupos empresariais privados Vicunha e Bamerindus e pela então estatal Vale do Rio Doce, dando início a uma série de privatizações no Brasil.

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