Mesmo com bilhões em ajuda ocidental, africanos resistem a se opor à Rússia

Ocidente disputa com a Rússia e China influência sobre a África, que mantém cautela diante de ofertas bilionárias contra parceria histórica com russos.

Umaro Sissoco Embaló, Presidente da Guiné-Bissau, e Emmanuel Macron, Presidente da França

Entre 25 e 28 de julho, o presidente francês Emmanuel Macron esteve numa via sacra pela África Subsaariana para tentar ampliar a influência europeia (e americana) sobre o continente. Suas primeiras manifestações foram críticas diretas a governos africanos que se posicionam com neutralidade em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia, que nem caracterizam como uma guerra, mas uma operação militar especial.

“Tenho visto muita hipocrisia, principalmente no continente africano”, anunciou Macron ao iniciar sua turnê por três países. “E – estou dizendo isso com muita calma – com alguns não chamando de guerra quando é uma e dizendo que não sabem quem começou porque têm pressões diplomáticas.”

O apoio africano à Rússia foi ilustrado em março na Assembleia Geral da ONU, quando 17 das 54 nações africanas se abstiveram de votar contra a Rússia na guerra na Ucrânia. O contingente africano representou metade de todas as abstenções registradas na votação.

A turnê de Macron de 25 a 28 de julho começou com uma visita aos Camarões, antes de seguir para o Benin e depois para a Guiné-Bissau. A relação violenta e repressiva da França contra suas colônias africanas é uma cicatriz viva e recente, em que essas nações puderam contar com o apoio dos russos soviéticos para se libertarem.

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Decadência francesa

Agora, o recém-reeleito presidente francês visita os países com o novo discurso europeu de abrir Comissões da Verdade para investigar as responsabilidades coloniais sobre a repressão aos nacionalistas. Macron disse que os arquivos sobre o domínio colonial francês em Camarões serão abertos “na íntegra” e pediu aos historiadores que esclareçam os “momentos dolorosos” do período e estabeleçam “responsabilidades”. Parte da agenda de visitas são exposições da herança cultural com tesouros roubados pela França e, recentemente, devolvidos.

A Alemanha fez o mesmo com países como a Namíbia, pagando compensações polêmicas pela violência contra as demandas por independência do país. 

Ao mesmo tempo, o sentimento anti-francês está aumentando nas ex-colônias, onde preocupações com segurança após uma série de golpes estão balançando a opinião pública em favor da Rússia. Recente decisão de duas ex-colônias francesas, Gabão e Togo, de se juntarem à Commonwealth, clube britânico de ex-colônias, foi mais uma evidência da decadência francesa no continente. No Chade e no Senegal, durante recentes protestos, foram as empresas francesas as atacadas pela ira popular.

Na década de 1990, as empresas francesas representavam 40% da economia camaronesa, enquanto em 2021 esse número caiu para 10%. Turquia, Rússia e China ocupam cada vez mais espaço no país.

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Insegurança alimentar e inflação

Lideranças locais culpam a Europa (e a Otan) pelo conflito e as sanções contra a Rússia, portanto, pela crise de abastecimento e a inflação. Macron diz que Vladimir Putin é quem usa alimentos e combustíveis como arma de guerra. 

O Ocidente culpa a Rússia pela crise alimentar, acusando Moscou de deliberadamente “exportar a fome”. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, por sua vez, culpa a interrupção do fornecimento de alimentos pela sanção da Rússia e pela “reação absolutamente inadequada do Ocidente”.

Na mesma semana da visita francesa, Uganda havia estendido o tapete vermelho para Lavrov, que estava em uma turnê por quatro países para conquistar o apoio do continente para a guerra de Moscou contra a Ucrânia. Enquanto Macron fez reprimendas e pregação doutrinária sobre democracia ocidental, Lavrov distribuiu abraços.

“Agradecemos a posição africana considerada em relação à situação dentro e ao redor da Ucrânia”, escreveu Lavrov em uma coluna de jornal publicada no Egito, República Democrática do Congo (RDC), Uganda e Etiópia, os quatro países que visitou. “Embora sem precedentes em sua escala, a pressão de fora não levou nossos amigos a aderir às sanções anti-russas. Um caminho tão independente merece profundo respeito”, acrescentou.

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Quando Lavrov terminou sua reunião com o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, o líder africano elogiou a Rússia, descrevendo Moscou como uma “parceira” na luta contra o colonialismo que remonta a um século.

Museveni não é o único líder africano que os russos parecem ter conquistado. Mesmo países que Lavrov não incluiu em sua recente visita estão torcendo por Moscou. O Zimbábue, que tem relações diplomáticas gélidas com o Ocidente, está  com a Rússia na questão da Ucrânia, conforme se lê na mídia estatal.

A África do Sul, a potência econômica do continente, também parece estar do lado do Kremlin. O Congresso Nacional Africano (ANC) no poder tem uma relação de longa data com a Rússia que remonta à luta do país contra o apartheid. A Rússia forneceu apoio militar e treinamento a várias forças nacionalistas no continente durante o período de descolonização.

Guerra fria de bilhões

A ameaça do colonialismo russo também está sendo explorada por Macron em um continente que por décadas lutou sob o jugo e brutalidade da colonização europeia. Para essa disputa de narrativa, Macron compara a agressão russa à Ucrânia ao colonialismo na África. “A Rússia é uma das últimas potências coloniais imperiais”, declarou Macron.

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Analistas internacionais observam a movimentação de Macron pelo modo como uma nova Guerra Fria entre Ocidente e Orienta se conforma. Todas as movimentações giram em torno de fechar acordos geopolíticos para criar uma barreira contra Rússia e China. O Ocidente agora percebe que o apoio africano será útil em algum momento.

Até os Estados Unidos, que durante anos pareciam desinteressados pela África subsaariana, entraram na briga diplomática. Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, visitou a África do Sul, a República Democrática do Congo e Ruanda na semana passada. Ele apelou aos “governos, comunidades e povos” de todo o continente para abraçar a visão de democracia, abertura e parceria econômica de Washington. O Reino Unido, pós-Brexit, também está de olho nas economias promissoras e crescentes da África. Oportunidade que os líderes africanos tentam aproveitar com cautela e habilidade, evitando alinhamentos ideológicos.

Enquanto os americanos sempre condicionam sua parceria econômica a um alinhamento direto, Pequim, por sua vez, oferece assistência sem críticas ou pedidos de reformas. Washington prometeu um total de US$ 1,3 bilhão para amenizar os efeitos da fome no continente. A França também prometeu ajudar com sua iniciativa da Missão de Resiliência Alimentar e Agrícola (FARM) liderada pela França para ajudar a agricultura africana.

Uma cúpula Rússia-África está marcada para outubro na Etiópia e resta saber o que trará em termos de ajuda.

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Com informações da AlJazira