Resistência, protestos e “L” de Lula marcam premiação do Festival de Gramado

Encerramento da 50ª edição teve manifestação em defesa da cultura e contra o desmonte promovido pelo governo Bolsonaro. Temas sociais deram o tom dos filmes vencedores

Foto final reuniu vencedores, com "L"de Lula e faixa "Fora Bolsonaro". Foto: Edison-Vara/ Agência Pressphoto/Divulgação do Festival

Ao completar 50 anos, o Festival de Gramado teve, em 2022, uma das edições mais politizadas dos últimos anos. A cerimônia de premiação, ocorrida neste sábado (20), foi marcada por discursos e gestos que explicitaram a resistência de atores e realizadores em defesa do cinema e da cultura. O apoio às leis de incentivo durante os governos de Lula e Dilma Rousseff (PT), que possibilitaram alavancar o setor, e o rechaço à posição oposta adotada por Jair Bolsonaro (PL) pontuaram a maioria dos discursos. 

A 50ª edição marcou, também, a retomada das atividades presenciais depois de dois anos devido à Covid-19 e catalisou, com muita contundência, o desgosto daqueles que fazem a cultura nacional com os rumos tomados desde que o capitão assumiu a presidência. Não à toa, boa parte dos premiados fez questão de mencionar Lula ou de, ao menos, registrar, com os dedos em “L” ou com roupas e acessórios vermelhos, o apoio ao ex-presidente. 

Além de criticarem o desmonte do setor, as falas ressaltaram o caráter de resistência que permeou tanto a escolha dos temas da maioria dos filmes como o próprio processo de produção. Afinal, para viabilizar as obras, seus realizadores tiveram de enfrentar tanto a recente destruição do setor quanto as dificuldades impostas pela pandemia. 

Realizada na Serra Gaúcha, que conta com forte presença do bolsonarismo, a cerimônia também registrou algumas manifestações em favor do presidente especialmente na entrada do evento, por parte de fregueses dos caros restaurantes que ficam na rua coberta, por onde passavam os convidados ao adentrarem o tradicional Palácio dos Festivais. Ao final a foto dos vencedores teve direito a faixa com “Fora Bolsonaro”.

Vencedores

Chico Diaz e Gabriel Knoxx em cena de “Noites Alienígenas”. Foto: divulgação

O grande vencedor da noite foi “Noites Alienígenas”, do Acre, dirigido por Sérgio Carvalho, autor do livro homônimo que deu origem ao filme, o primeiro do estado a ser exibido no festival. A produção conquistou os prêmios de melhor longa, melhor ator (o estreante Gabriel Knoxx), melhor atriz coadjuvante (Joana Gatis), melhor ator coadjuvante (Chico Diaz) e o troféu da crítica. 

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Segundo a sinopse do festival, o filme aborda, a partir do realismo mágico, o impacto da chegada das facções criminosas do sudeste do Brasil na Amazônia e fala de resistência, esperança e juventude. Karla Martins, produtora do filme, destacou: “A gente é fruto da política pública. A gente é fruto de dinheiro descentralizado. A gente é fruto de política que chega lá na ponta, na borda, nas beiras deste país, que durante muito tempo achou que só uma parte dele produzia cultura. Isso não é verdade. Então, a gente também acredita que a escolha de outubro não se trata de uma escolha política. Ela se trata de uma escolha entre a vida e a morte. E nós escolhemos a vida”. 

Marcélia Cartaxo em “A Mãe”. Foto: divulgação

Outro filme com forte recorte social foi “A Mãe”, que levou o Kikito por melhor atriz, para Marcélia Cartaxo — o segundo de sua carreira —, melhor direção, para Cristiano Burlan, e melhor desenho de som, para Ricardo Zollmer. O longa conta a história de Maria, uma mãe que cria seu filho sozinha na periferia de São Paulo. Após o desaparecimento do adolescente — que, segundo traficantes, teria sido morto por policiais — ela começa uma busca vertiginosa pelo paradeiro do rapaz.

A precarização do trabalho foi outro tema social abordado, desta vez pelo vencedor da categoria melhor curta-metragem, “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli, que mistura ficção com depoimentos reais. A produção levou quatro estatuetas: melhor filme, melhor direção, melhor ator (Dennis Pinheiro) e júri da crítica. “Este filme só existe pois recebemos apoio da Lei Aldir Blanc, importantíssima para o Brasil”, disse o diretor. 

Cena do curta “Fantasma Neon”.

Estreante nesta edição, a categoria dedicada a longas documentais teve como vencedor “Um Par pra Chamar de Meu”. A partir de uma visão feminista, a diretora Kelly Cristina Spinelli acompanha a vida de sua mãe e de quatro outras mulheres que saem com os chamados personal dancers para discutir solidão, sexualidade entre as mulheres da terceira idade.

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“Marte Um”, que era uma dos cotados para vencer com melhor filme, também foi premiado com pelo júri popular e o especial do júri, além de melhor roteiro (Gabriel Martins), trilha (Daniel Simitan). O filme narra a trajetória de uma família que vive na periferia de Contagem (MG), e busca seguir seus sonhos num país que acaba de eleger Bolsonaro, um presidente que representa o contrário de tudo que eles são. 

Cena do filme “Marte Um”. Foto: divulgação

Outra produção bastante premiada foi “Tinnitus”, que recebeu três prêmios: melhor fotografia, para Rui Poças, melhor montagem, para Eduardo Serrano e melhor direção de arte, para Carol Ozzi.

Veja a lista completa dos vencedores:

Longa-Metragem Brasileiro
Melhor Filme – “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho
Melhor Direção – Cristiano Burlan, por “A Mãe”
Melhor Ator – Gabriel Knoxx, de “Noites Alienígenas”
Melhor Atriz – Marcélia Cartaxo, de “A Mãe”
Melhor Roteiro – Gabriel Martins, de “Marte Um”
Melhor Fotografia -Rui Poças, de “Tinnitus”
Melhor Montagem – Eduardo Serrano, de “Tinnitus”
Melhor Trilha Musical – Daniel Simitan, de “Marte Um”
Melhor Direção de Arte – Carol Ozzi, de “Tinnitus”
Melhor Atriz Coadjuvante – Joana Gatis, de “Noites Alienígenas”
Melhor Ator Coadjuvante – Chico Diaz, de “Noites Alienígenas”
Melhor Desenho de Som – Ricardo Zollmer, de “A Mãe”
Júri da Crítica – “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho
Júri Popular – “Marte Um”, de Gabriel Martins
Prêmio Especial do Júri – “Marte Um”, de Gabriel Martins, que nos trouxe o afeto para a tela.
Menção Honrosa a Adanilo, por “Noites Alienígenas”, pela excelência da construção da linha do personagem e interpretação.

Longa-Metragem Estrangeiro
Melhor Filme – “9”, de Martín Barrenechea e Nicolás Branca
Melhor Direção – Néstor Mazzini, de “Cuando Oscurece”
Melhor Ator – Enzo Vogrincinc, de “9”
Melhor Atriz – Anajosé Aldrete, de “El Camino de Sol”
Melhor Roteiro – Agustin Toscano, Moisés Sepúlveda e Nicolás Postiglione, de “Inmersión”
Melhor Fotografia -Sergio Asmstrong, de “Inmersión”
Júri da Crítica – “9”, de Martín Barrenechea e Nicolás Branca
Júri Popular – “La Pampa”, de Dorian Fernández Moris
Prêmio Especial do Júri a Direção de Arte de Jeff Calmet, de “La Pampa”

Curta-Metragem Brasileiro
Melhor Filme – “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli
Melhor Direção – Leonardo Martinelli, por “Fantasma Neon”
Melhor Ator – Dennis Pinheiro, de “Fantasma Neon”
Melhor Atriz – Jéssica Ellen, de “Último Domingo”
Melhor Roteiro – Fernando Domingos, de “O Pato”
Melhor Fotografia – Fernando Macedo, de “Último Domingo”
Melhor Montagem – Danilo Arenas e Luiz Maudonnet, de “O Elemento Tinta”
Melhor Trilha Musical – “Nhanderekoa Ka´aguy Porã” Coral Araí Ovy e Conjunto Musical La Digna Rabia, por “Um Tempo pra Mim”
Melhor Direção de Arte – Joana Claude, de “Último Domingo”
Melhor Desenho de Som – Alexandre Rogoski, de “O Fim da Imagem”
Júri da Crítica – “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli
Júri Popular – “O Elemento Tinta”, de Luiz Maudonnet e Iuri Salles.
Menção Honrosa – “Imã de Geladeira”, de Carolen Meneses e Sidjonathas Araújo, por catapultar a urgente discussão sobre o racismo estrutural através do horror cósmico
Prêmio Especial do Júri – “Serrão”, de Marcelo Lin. Pelo frescor da narrativa a partir de um olhar ressignificado, emergente e com o coração no lugar certo
Prêmio Canal Brasil de Curtas – “Fantasma Neon” Leonardo Martinelli

Longa-Metragem Gaúcho
Melhor Filme – “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto
Melhor Direção – Bruno Gularte Barreto, por “5 Casas”
Melhor Ator – Hugo Noguera, de “Casa Vazia”
Melhor Atriz – Anaís Grala Wegner, de “Despedida”
Melhor Roteiro – Giovani Borba, de “Casa Vazia”
Melhor Fotografia – Ivo Lopes Araújo, de “Casa Vazia”
Melhor Direção de Arte – Gabriela Burk, de “Despedida”
Melhor Montagem – Vicente Moreno, de “5 Casas”
Melhor Desenho de Som – Marcos Lopes e Tiago Bello, de “Casa Vazia”
Melhor Trilha Musical – Renan Franzen, de “Casa Vazia”
Júri Popular – “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto
Menção Honrosa – Clemente Vizcaíno, por “Despedida”, pela presença destacada no filme e por sua importância na história do cinema gaúcho
Menção Honrosa – “Campo Grande é o Céu”, de Bruna Giuliatti, Jhonatan Gomes e Sérgio Guidoux, pelo resgate da tradição de cantorias e da importância das comunidades quilombolas daquela região do Rio Grande do Sul

Longa-Metragem Documental
Melhor Filme – “Um Par Pra Chamar de Meu”, de Kelly Cristina Spinelli.
Menção Honrosa – “Elton Medeiros – O Sol Nascerá”, de Pedro Murad, pela valorização do compositor, parceiro dos grandes nomes da música popular brasileira, e também pelo rigor formal e criativo na recriação visual da vida e das grandes composições de Elton Medeiros, que faleceu em 2019. Parabéns ao diretor Pedro Murad e equipe.

Prêmio Melhor Filme Da Mostra Universitária Cgfm
Melhor Filme – “Ícaro”, de Wesllen Machado, da Universidade de Santa Cruz do Sul (RS). Vencedor do concurso interativo do Conexões Gramado Film Market / Prêmio TECNA Tecnopuc, que recebe R$ 3 mil reais em serviços de imagem e som.