Senadores pedem uso das Forças Armadas no Vale do Javari no Amazonas

Na região, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips estiveram em excursão antes de serem mortos, os parlamentares apuraram que há uma sobreposição de crimes

Suspeito levando os policiais para a localização dos corpos (Foto: Reprodução do YouTube)

A comissão externa do Senado, que apurou a violência na região Norte e o assassinato do indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, aprovou nesta terça-feira (16) o seu relatório final. Nele, os parlamentares solicitaram a imediata presença das Forças Armadas no Vale do Javari e na Terra Indígena (TI) Ianomâmi.

De acordo com o colegiado, as duas regiões, sendo a primeira no Amazonas e, a segunda, localizada uma parte naquele estado e outra em Roraima, precisam da presença urgente do estado para garantir a segurança.

No caso do Javari, onde Bruno e Dom estiveram em excursão antes de serem mortos já próximo a Atalaia do Norte (AM), o colegiado apurou que há uma sobreposição de crimes ambientais com modalidades criminosas violentas mais comuns, incluindo a atuação de organizações.

“A Terra Indígena tem mais de 8,5 milhões de hectares de extensão, abriga pelo menos 26 povos isolados e faz fronteira com regiões produtoras de cocaína. Essas circunstâncias fazem a região ser visada pelo narcotráfico, por madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais, entre outros”, diz um trecho do relatório de 37 páginas.

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Para chegar a essa conclusão, a comissão realizou quatro reuniões semipresenciais, que incluem duas audiências públicas interativas, além de uma diligência externa aos municípios de Tabatinga e Atalaia do Norte.

No caso da TI Ianomâmi, os senadores alegam que a Comissão de Direitos Humanos (CDH) já constatou a invasão na região por garimpeiros. Calcula-se que mais de 20 mil deles já estejam na área.

Com fundamento no artigo 142 da Constituição, eles querem que o pedido do emprego das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem, nas duas áreas, seja feito pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao presidente Jair Bolsonaro (PL).

“As Forças Armadas dispõem de meios e capilaridade muito superiores aos dos órgãos de segurança pública na região amazônica, incluindo sofisticados sistemas de vigilância. Há décadas, os nossos militares acolhem, nas suas fileiras, indígenas, caboclos e ribeirinhos, o que ajuda a consolidar o sentimento de nacionalidade”, disse o relator Nelsinho Trad (PSD-MS)

Bruno Ferreira e Dom Phillips na região (Foto: Arquivo pessoal)

Crime anunciado

Sobre a morte de Bruno e Dom, os senadores a trataram como uma tragédia anunciada. Antes, a diretoria da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) formalizou diversas denúncias, mas recebia como resposta pedidos para que não mandassem mais ofícios sem informações qualificadas.

“A Univaja passou a qualificar as denúncias, elaborando relatórios que incluíam imagens de câmeras termossensíveis e de drones, georreferenciadas, produzidas pelas equipes de vigilância que Bruno ajudou a treinar”, diz o documento.

Além disso, criaram um fluxograma para o envio de informações ao Ministério Público e à Polícia Federal, subsidiando a atuação desses órgãos.

Lembraram que houve disparos contra as bases da Funai em 2018 e 2019, e a morte, até hoje não elucidada, do funcionário do órgão Maxciel Pereira dos Santos, em 2019.

Também era constantes denúncias contra pescadores ilegais na terra indígena, incluindo os mesmos que viriam a matar Dom e Bruno.

O documento apontou ainda que os povos indígenas locais, de modo geral, relatam ameaças de pescadores, caçadores, garimpeiros e madeireiros, além do ingresso de missionários fundamentalistas em regiões onde há grupos isolados.

“Entre todos os que se manifestaram, foi unânime o clamor por maior presença do Estado, particularmente dos órgãos de segurança pública, das Forças Armadas, dos órgãos ambientais e da Funai, em parceria com os indígenas”, dizem os senadores.

Ausência da Funai

Durante as audiências e a diligência externa realizadas pela comissão também foram recorrentes as críticas à direção da Funai, considerada, por muitos depoentes, omissa e avessa ao cumprimento de seu dever de proteção aos indígenas e a seus próprios funcionários.

“Mal equipada e carente de pessoal capacitado, a Funai deixa um déficit de diálogo com os povos indígenas e não fiscaliza atividades clandestinas nas suas terras. Além disso, o Ibama está ausente do Vale do Javari e a atuação das forças de segurança é considerada insuficiente”, diz o texto.

Os funcionários da Funai, também ouvidos pelos senadores, relatam ameaças e pedem porte de arma de fogo, além de reforço de pessoal e equipamentos, para que possam fazer seu trabalho com alguma segurança.

O presidente da comissão, Randolfe Rodrigues, e o relator, Nelsinho Trad, na análise do relatório (Foto: Geraldo Magerla/Agência Senado)

Voto de repúdio 

Depois da apresentação do relatório, os parlamentares aprovaram um voto de repúdio, a pedido do senador Fabiano Contarato (PT-ES), contra declarações do presidente Bolsonaro; do vice-presidente, Hamilton Mourão; e do presidente da Funai, Marcelo Xavier, sobre as mortes do indigenista e do jornalista britânico.

Segundo o senador, os representantes do Executivo transferiram de forma inaceitável a responsabilidade pelo crime às vítimas. 

Contarato pediu respeito e reverência à memória dos dois e disse que “três pessoas revestidas de autoridade pública não contiveram a própria torpeza e investiram contra quem não mais poderia se defender”. 

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