Tribunal Regional do Trabalho condena Magazine Luiza por gordofobia

Considerado uma prática de bullying, apontado como crime, o termo entra em pauta para identificar o preconceito que pessoas gordas sofrem na vida afetiva, social e profissional.

Foto: Reprodução/Internet

A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região condenou a varejista de Luiza Helena Trajano a pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais para uma ex-estoquista que acusou a empresa de gordofobia no período em que trabalhou em uma unidade em Pedro Leopoldo, região metropolitana de Belo Horizonte (MG).

No processo movido por danos morais, Daniela Oliveira, relatou ter sido alvo de constrangimento e desrespeito, relacionados a sua aparência física, por parte de colegas de trabalho, incluindo a sua gerente que disse que daria a ela um uniforme de grávida, já que suas roupas estavam “estourando”. Diante de constantes humilhações, Daniela entrou em depressão e começou a tomar antidepressivos. “Sempre tive problema com a autoestima e a partir daí fui ficando cada vez pior”, disse.

Em sua sentença, o juiz Marcel Luiz Campos Rodrigues considerou que as humilhações não só constrangeram a trabalhadora, mas também trouxeram abalos psicológicos, especialmente por terem sido proferidos na frente de outras pessoas.

“Esses comentários não podem ter como pano de fundo alguma condição fisiológica e/ou a aparência da trabalhadora, ainda mais quando são protagonizados por pessoa que detém parte do poder diretivo em qualquer contexto social e profissional, é capaz, por si só, de ferir a dignidade do trabalhador”, pontuou o juiz, que determinou o pagamento por danos morais.

Inicialmente, o valor da indenização esteve estipulado em R$ 10 mil, porém, após recursos da empresa, foi reduzido para R$ 5.000.

Gordofobia

Considerado uma prática de bullying, o termo entra em pauta para identificar o preconceito que pessoas gordas sofrem na vida afetiva, social e profissional. Segundo Adriano Segal, psiquiatra do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, “gordofobia é um neologismo para o comportamento de pessoas que julgam alguém inferior, desprezível ou repugnante por ser gordo. Funciona como qualquer outro preconceito baseado em uma característica única”, disse. E complementa: “apesar de o nome ser novo, é algo que sempre existiu, a gula é até um pecado capital. Há estudos com universitários em que afirmam preferir se casar com traficantes ou bandidos do que com obesos”, diz o médico.

Já a professora, doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e autora do livro Lute como uma gorda: gordofobia, resistências e ativismos, Malu Jimenez, explica que “nós, pesquisadores do corpo gordo, entendemos a gordofobia como um estigma estrutural e cultural que é transmitido em muitos e diversos espaços e contextos na nossa sociedade contemporânea. O pré-julgamento vai acontecer com a desvalorização, a humilhação, a inferiorização, ofensas e até restrições aos corpos gordos e a pessoas gordas de modo geral”.

A pesquisadora destaca que comportamentos gordofóbicos reforçam o preconceito; estereótipos que acabam culminando em situações constrangedoras, marginalizando uma pessoa gorda e a excluindo socialmente. “Esses comportamentos acontecem na família, na escola, no trabalho, na mídia, nos consultórios, no hospital, na balada, em qualquer lugar da sociedade. Os exemplos são muitos: não haver roupa do nosso tamanho nas lojas, nem maca adequada ou manguito para aferir a pressão nos hospitais. Também, a dificuldade desse corpo para usar o transporte público… Lembrando que somos 57% da população no Brasil”, diz Malu Jimenez.

Bulliyng no ambiente de trabalho

Apesar de muitas vezes ser relacionado ao ambiente escolar, o bullying é prática negativa presente no cotidiano das empresas. O que aconteceu com Daniele é um exemplo clássico de bullying entre colegas de equipe. Normalmente, esse comportamento fica disfarçado como “brincadeira” ou “divertimento”, ocasionando efeitos negativos sobre colaboradores, afetando ânimo, relações entre colegas, motivação para trabalhar e até mesmo a autoestima e autoconfiança de uma pessoa.

Esse tipo de comportamento não deve ser admitido no ambiente laboral. Muitas vezes, as vítimas não têm coragem de denunciar, seja por vergonha ou medo de represália, o que acaba contribuindo para manter comportamentos que discriminam e intimidam. A situação é ainda mais grave caso o bullying venha de colegas com nível hierárquico superior, como chefes ou supervisores – configurado até mesmo casos de assédio.

Em 2015, a ex-presidenta Dilma Roussef, sancionou a lei 13.185/2015, responsável por criar um programa de combate ao bullying. No contexto, é considerado bullying “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.” (§1.º)

Embora tenha sido pensada como uma lei preventiva com tendência educativa, seus conceitos são aplicáveis analogicamente, pelo art. 8º da CLT, às relações de trabalho. Atualmente, os TRTs e o TST também tratam como sinônimos bullying, mobbing e assédio moral.

Implicações legais e prevenção

Ainda sob a ótica da lei, podemos dizer que o bullying se enquadra como abuso passível de punição e até mesmo de indenização por danos morais, de acordo com cada caso.

A discussão chegou ao Congresso Nacional em 2019, com a aprovação do Projeto de Lei 4742/01 que altera o artigo 146 do Código Penal e tipifica como crime o assédio moral no ambiente de trabalho. Hoje, o projeto se encontra em tramitação no Senado Federal.

Porém, não se pode esperar que a situação chegue ao estopim. O simples fato de existir um espaço coletivo que possibilite casos de assédio já é motivo suficiente para que líderes adotem medidas preventivas onde é essencial a aplicação de uma política de intolerância severa, contra todos os tipos de agressão, seja física ou moral.

Segundo Dhyego Pontes, consultor trabalhista e previdenciário, a “conscientização também deve ser geral. Ao demonstrar sensibilidade e preocupação, o profissional de cima estabelece uma linha inquebrável para que os funcionários sigam. Treinamentos são bem-vindos, buscando a elucidação do que é passível de punição em termos de bullying.”

Ele salienta que essa é uma luta de todos. E diz que “ignorar as consequências que um ambiente interno comprometido traz para uma empresa não é só flertar com punições severas e casos judiciais, mas colocar o futuro da organização nas mãos de profissionais psicologicamente doentes. O agressor, por sua vez, poderá utilizar de sua falta de profissionalismo para fomentar um panorama insustentável. Olhar para as vítimas com a responsabilidade de gestores conscientizados é o mínimo que se espera de uma organização séria.”

E finaliza “agora, é hora de enfrentar o problema de frente e oferecer, de forma ética e precisa, os meios adequados para que todos tenham o tratamento que merecem ao exercerem suas funções.”

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Com informações de agências

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