Esperanza Martinez defende renegociação soberana do Tratado de Itaipu

A candidata à presidência do Paraguai defende a renegociação soberana do Tratado de Itaipu para utilizar ou comercializar 50% da energia que lhe cabe, a preço de mercado.

Seis das 14 comportas do vertedouro da Usina de Itaipu, em Foz do Iguaçu, no Paraná, estão abertas para escoar o excesso de água, causado pelo grande volume de chuvas dos últimos dias na região Sul. No domingo (18), a vazão chegou a 4,5 milhões de litros de água por segundo – quantidade equivalente a três Cataratas do Iguaçu.

O Paraguai terá eleição presidencial em abril de 2023. Em entrevista exclusiva, a candidata à presidência pela Frente Guasú-Ñemongeta, Esperanza Martínez, fala sobre as propostas para desenvolver o país.

Esperanza Martinez é médica, foi ministra da Saúde e do Bem-Estar Social do governo de Fernando Lugo, entre os anos de 2008 e 2012; em 2013 foi eleita senadora da República do Paraguai, presidente da Comissão da Fazenda e Orçamento do Senado em 2020 e 2021.

Nesta parte 3 da entrevista exclusiva realizada com a candidata Esperanza Martinez, ela aborda o problema energético do país e a relação – mal resolvida – com o Brasil na usina binacional de Itaipu.

Ela também avalia os retrocessos no processo de integração da América do Sul e a importância de retomar o bloco sulamericano no mundo multipolar.

O Brasil divide com o Paraguai a Usina de Itaipu. Como pretende tratar esse tema?

Este tema é importante, a renegociação do Tratado de Itaipu, que ocorrerá em 2023. Necessitamos fazê-la de forma soberana para utilizar 50% da nossa energia ou comercializá-la a preço de mercado. Defendemos um preço justo para a energia gerada no Paraguai e também temos o interesse de que possamos utilizar a renda aí produzida para o fortalecimento do nosso próprio sistema elétrico, avançando rumo à construção de um sistema de transporte elétrico público de qualidade, de uma rede interna como valor estratégico para atrair investimentos produtivos, sobretudo de alta empregabilidade.

Enquanto presidente da Comissão de Orçamento do Senado, a senhora alertou sobre os riscos da privatização da Administração Nacional de Eletricidade (ANDE) do Paraguai para a brasileira Eletrobrás e sobre da necessidade do impeachment do presidente Mario Abdo.

Denunciamos e, inclusive, tentamos fazer o impeachment do presidente Mario Abdo [em 2020] após dois anos do início do seu governo porque houve uma negociata, denunciada pelo próprio presidente da ANDE [Administración Nacional de Electricidad], que alertou a população e se negou a assinar o que estava sendo feito de forma completamente oculta e contrária tanto aos interesses do Brasil como do Paraguai.

Como foi esse escândalo?

Um esquema em que estavam envolvidas pessoas muito próximas ao presidente da República. Foi algo tão escandaloso que as ditas “negociações” tiveram de ser paralisadas pelo governo paraguaio. Por outro lado, em Yaciretá [usina hidrelétrica binacional], o presidente Horácio Cartes (2013-2018) assinou um acordo com a Argentina em que os interesses do Paraguai também foram desconhecidos, contrariando uma linha estratégica de compartilhar tanto os custos como os benefícios do projeto. Então, novamente, nesta aliança de Cartes com o presidente Mario Abdo – em que são adversários, mas também companheiros e amigos – se protegeram mutuamente.

Como a senhora vê os retrocessos na integração da América do Sul?

Acredito que a integração seja uma das agendas políticas da Frente Guasú-Ñemongeta. Temos muito claro o que foi o processo deste novo Plano Condor [campanha de repressão política e terrorismo de Estado promovida pelos Estados Unidos entre 1968 a 1989, que incluiu a tortura e o assassinato de dezenas de milhares de democratas da região], como disse o presidente equatoriano Rafael Correa. Um Plano Condor que se instalou nos últimos anos, quando foram aplicados todos esses processos de “golpes suaves”, de instalação de governos ilegítimos, como o que ocorreu no Paraguai, no Equador, no Brasil.

Todos esses processos de instalação de governos de direita apostaram na destruição de ferramentas de integração regional que vinham sendo fortalecidas desde o Mercosul (Mercado Comum do Sul), o Parlasul (Parlamento do Mercosul), a Celac (Comunidade de Estados da América Latina e Caribe) e outros, com essa ideia de que comecemos cada um a negociar de maneira individual e a nos debilitar como bloco regional para enfrentar problemas que são comuns, com as características próprias de cada país, de cada cultura, de cada nação.

Qual a importância dos blocos regionais no mundo de hoje?

Temos uma identidade e um conceito de Pátria Grande, que há tempo estamos trabalhando e construindo, compreendendo a América Latina como articulação que nos permita negociar como bloco diante de estruturas políticas, econômicas e de poder que estão se desenhando.

Temos hoje um mundo multipolar em que a maioria dos grandes países vai se aglutinando em termos de bloco de negociação coletiva e a América Latina tem que adotar sua identidade regional para tratar de forma conjunta.

Teria sido muito diferente o combate à pandemia, o acesso à vacina, e mesmo os preços dos medicamentos se os 20 ou 30 países da região tivéssemos negociado conjuntamente, antes da extorsão feita pela indústria farmacêutica, que impôs cláusulas leoninas nos contratos. É mais do que clara a necessidade de apostarmos na integração regional, tanto a nível econômico, político, social, quanto cultural.

Além disso, de pensarmos de forma complementar e solidária, em que um país pode produzir alimentos, outro entra com energia, outro possui lítio, outro petróleo. Poderíamos trocar entre nós para baratear custos, para poder dinamizar nossas economias nacionais com uma visão de integração e com uma agenda em que possamos dialogar e construir sobre pontos comuns, para negociar com mais força diante de outras esferas, a fim de obter melhores resultados para nossos países e povos.

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