Plebiscito deve restabelecer direitos na Constituição chilena

Para o porta-voz do movimento Não mais Administradoras de Fundos de Pensão (NO+AFP), Luis Mesina, o plebiscito sobre a nova Constituição chilena, no próximo dia 4 de setembro, deve restituir direitos sociais e trabalhistas retirados pela ditadura de Pinochet (1973-1990) e incorporados no novo país que se quer construir

Nesta entrevista exclusiva, Mesina afirma que a trágica herança destes 40 anos “não apenas demonstrou ser um retumbante fracasso, como um assalto aos direitos de todos”. E exemplificou: “com a aplicação do decreto que privatizou a Previdência Social no Chile nos anos 80, voltamos praticamente à pré-história, sem direitos fundamentais”, condenando 97% da população a aposentadorias miseráveis”.

Por outro lado, explicou que “mais de 65% das pensões e aposentadorias do Chile quem paga é o Estado, aumentando imensamente o gasto público, enquanto o cartel das AFPs se apropria de US$ 90 bilhões, injetados fora do país na especulação. “Das quatro AFPs que capturam o grosso da poupança dos trabalhadores chilenos, três são de capital estadunidense”.

Mobilizando o país de Norte a Sul, Mesina defende que a primeira tarefa é votar no plebiscito para garantir a nova Constituição.

LEONARDO WEXELL SEVERO

No marco da campanha pela nova Constituição há muitas pessoas que levantam cartazes dizendo “Aprovo ou Pinochet”. Quanta verdade há por detrás destas palavras?

Foto: Arquivo Pessoal

Após 200 anos de libertação da colônia espanhola, o Chile é um dos poucos países da região em que pela primeira vez há um processo em que a Constituição foi escrita por delegados eleitos pelo povo. É a primeira vez no mundo, que uma Constituição foi escrita com paridade de gênero, metade de mulheres e metade de homens. Some-se a isso a reserva dedicada a cadeiras de representação aos povos indígenas.

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A nova Carta Magna declara o Estado chileno social de direitos e reconhece sua composição plurinacional, o terceiro da região depois da Bolívia e do Equador. Reconhece as diferentes etnias com direitos como nação. O Estado segue sendo unitário, indivisível, mas reconhece sua plurinacionalidade, o que é também um passo qualitativo.

E mais, se restituem alguns direitos no mundo do trabalho que foram espezinhados durante 40 anos. Uma agressão que permitiu usos e abusos do setor empresarial, que transgrediu direitos fundamentais dos trabalhadores. A consequência disso é que após quatro décadas nosso país esteja entre um dos mais desiguais do planeta.

Mas havia toda uma propaganda dos neoliberais de que o Chile era um modelo a ser seguido.

O modelo econômico exportado e propagandeado para fora das suas fronteiras pelos neoliberais como exitoso foi feito pela apropriação de uma enorme parcela do salário dos trabalhadores, injetado no mercado de capitais pelo assalto dos fundos de pensão. Eu diria que o Chile é o modelo mais claro do que é a privatização, não só de todos os direitos sociais, como da própria vida social do país.

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O Chile tem privatizadas as rodovias que antes eram públicas, espaços construídos por nossos avós há mais de 50, 60 anos; tem privatizadas a saúde e a educação. O caso mais emblemático é o da Previdência, com consequências fatais para a terceira idade e extremamente daninhas para a própria questão de gênero. Esse foi o conjunto de situações que levaram ao estallido [levante popular] de 18 de outubro de 2019.

Na luta pelo Aprovo à nova Constituição, o movimento NO+AFP reivindica a Seguridade Social como um direito constitucional | Foto: Arquivo Pessoal

Na luta pela aprovação da nova Constituição vocês têm colocado a Seguridade Social como um direito constitucional. Qual a dimensão desta luta em um país em que 97% dos chilenos foram condenados a pensões e aposentadorias miseráveis?

A Constituição consagra que deveriam ser administradas por órgãos públicos e hoje em dia são geridos pelas Administradoras de Fundos de Pensão (AFP), privadas; não reconhece os direitos ou princípios como a suficiência e a solidariedade, este é um sistema de capitalização individual.

O que ocorreu no Chile foi que com a aplicação do famoso decreto lei que privatizou a Previdência Social nos anos 80, há 42 anos, voltamos praticamente à pré-história porque ficamos sem direitos fundamentais.

O argumento enganoso e típico da direita que procura se apropriar das nossas gigantescas poupanças é o famoso crescimento demográfico, o envelhecimento da população, um fato objetivo e real. Está caindo a taxa de natalidade e aumentando a expectativa de vida, que é algo importante que ocorra. Mas isso não se resolve com capitalização individual, se resolve com solidariedade, cobrando mais impostos dos que ganham mais.

Me dizias que ao contrário do que propalam os neoliberais e a sua mídia, a capitalização aumenta o gasto público, citando Romênia, Polônia e Hungria como países que privatizaram a Previdência e tiveram de retornar ao sistema público.

Foto: Arquivo Pessoal

Bom, este é o paradoxo, o mais gigantesco dos absurdos. Por que qual foi o argumento utilizado pela direita para privatizar a Previdência Social no Chile em 1980? Diziam que, a partir de então, o Estado já não teria de distribuir recursos públicos para o sistema de Seguridade Social.

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E o que ocorreu? Atualmente, mais de 65% das pensões e aposentadorias quem paga é o Estado. O gasto público segue aumentando em benefício do capital privado como ocorreu nos países do Leste Europeu que privatizaram e tiveram de voltar atrás. Porque isso gera um gasto público gigantesco, que é inconcebível.

Tua denúncia é que grandes grupos econômicos, fundamentalmente estrangeiros, são os que manipulam poupanças e vidas.

No Chile existem sete Administradoras de Fundos de Pensão, sendo que quatro delas capturam o grosso das poupanças dos trabalhadores, três de capital estadunidense: MetLife, companhia de seguro dona da ProVida; Principal Financial, dona de Cuprum; e Prudential, dona de Habitat. Essas três grandes companhias seguradoras impulsionam os fundos de investimento dos Estados Unidos e aplicam no sistema financeiro fora do país quase a metade da economia total, cerca de US$ 90 bilhões. Isso é muito dinheiro e ainda mais para um país pequeno como o Chile.

Enquanto financiamos as grandes companhias dos Estados Unidos e da Europa, em nossos países falta muito e de tudo: moradia, transporte de qualidade, trens para interligar nossas cidades, e que deveriam ser um investimento importantíssimo no caso chileno.

Neste momento, qual o espaço que esta agenda desenvolvimentista, vinculada à aprovação da nova Constituição, tem na mídia?

A verdade é um pouco trágica. Não temos praticamente nenhuma possibilidade de debater estes temas nos meios de comunicação chilenos. Os poderosos compreendem que sem comunicação tuas propostas inexistem. Sendo assim, não existimos, nem campo fértil para novas ideias. Ficam excluídos do debate os grandes temas: a Constituição, a Seguridade Social e o que acontece com a poupança dos trabalhadores, que é o mais determinante do país.

Nesta reta final da campanha pela aprovação da Constituição, como os movimentos sociais têm feito para levar sua palavra às ruas?

Está sendo uma luta muito difícil porque não contamos com os recursos nem com os meios de comunicação. Mas os movimentos sociais contam com algo que eles não têm: a força moral, a capacidade de sensibilizar a potência da solidariedade, ingredientes que são suficientes para gerar uma resistência.

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