Entenda como a Codevasf é usada para superfaturar verbas de emendas

Com orçamento bilionário, estatal entregue a parlamentares da base de Bolsonaro faz obras superfaturadas, desperdiça recurso público e favorece propaganda eleitoral em prefeituras. CGU fez alertas ignorados pela empresa e Polícia Federal cumpre mandados de prisão.

Sobradinho - obra de captação de água, pela Codevasf que retira recurso em um ponto mais profundo do reservatório de Sobradinho (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), empresa estatal que deveria estar associada apenas a projetos de irrigação no semiárido, está sendo usada para desovar emendas parlamentares, por meio de licitações superfaturadas. A denúncia vem de um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU).

Na semana passada, a Polícia Federal cumpriu 16 mandados de prisão em operação contra fraudes na empresa, com apreensão de cerca de R$ 1,3 milhão em dinheiro, além de itens luxuosos, como relógios importados. Os mandados foram executados em empreiteira parceira da Codevasf, envolvendo sócios laranja.

Sob a justificativa de comprar centenas de milhares de tubos de PVC, a empresa lançou em 2020 uma licitação, sem demonstrar a necessidade das aquisições, sem planejamento e superfaturada. Apesar da controladoria ter feito o alerta, a empresa ignorou e manteve a concorrência pública com gastos de mais de R$ 2 milhões.

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Foi a própria Codevasf que explicou à CGU como circula o dinheiro público nessas licitações.

“Esses recursos [de emendas] são descentralizados à Codevasf a partir de articulações político-institucionais, as quais não estão vinculadas estritamente a um cronograma preestabelecido, o que de fato dificulta e/ou inviabiliza um planejamento preciso do dimensionamento da demanda a ser adquirida.”

“Os parlamentares, por meio de interações com lideranças e seus assessores, efetuam o levantamento de necessidades para balizar as aquisições e/ou contratações”, admite a empresa pública.

Troca de favores

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A Codevasf fez parte do “toma lá, dá cá” entre Bolsonaro e o centrão, para sustentá-lo no Congresso. Desde esta negociação com os parlamentares, a empresa vem sendo turbinada por bilhões de reais em emendas. Por suas características envolvendo gastos milionários em grandes obras, com um orçamento de R$ 2,7 bilhões para este ano, a empresa é cobiçada por políticos.

Hoje, além de sua função original de obras de irrigação, a empresa realiza projetos de pavimentação, construção de pontes, obras de saneamento, e entrega de máquinas, como tratores. Com isso, ela realiza obras que facilmente se tornam propaganda eleitoral em pequenos municípios.

Após pedido de lideranças partidárias, a fatia do orçamento da estatal destinada ao “orçamento secreto” dobrou neste ano, passando de R$ 610 milhões para R$ 1,2 bilhão. O orçamento secreto envolve recursos controlados pela cúpula do Congresso com o aval do governo que não segue os critérios de transparência.

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Segundo denúncias divulgadas pela Folha de S. Paulo, além das obras serem superfaturadas, muitas nem são encaminhadas, fazendo com que os equipamentos comprados se deteriorem aos milhões em depósitos. Segundo a própria empresa, a maioria é comprado sem qualquer planejamento ou estudo sobre como seriam usados.

Em 2020, a CGU recomendou a suspensão de uma aquisição de 458 mil canos de PVC no valor de R$ 26 milhões por meio do pregão eletrônico, uma modalidade simplificada de licitação. Havia o potencial de superfaturamento de R$ 16 milhões. Mesmo diante dos alertas, a empresa voltou a fazer a concorrência e gastou R$ 11 milhões com dois terços do mesmo equipamento, o que pode ter gerado R$ 3,4 milhões em prejuízos aos cofres públicos. A Codevasf afirmou que até agora houve o pagamento de R$ 2,1 milhões.

Questionada pela CGU, a Codevasf atribuiu os valores mais altos às condições causadas pela pandemia, argumento que, para o órgão fiscalizador, é insuficiente para justificar toda a alta.

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Inicialmente, a companhia teria atuação voltada a bacias hidrográficas e era restrita aos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e Goiás, e também o Distrito Federal. De lá, pra cá, passou a abranger também Piauí, Maranhão, Ceará. Em 2020 incluiu Amapá, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Rio Grande do Norte.