3 mil personalidades assinam manifesto pró-democracia e anti-Bolsonaro

Lançamento oficial do manifesto está previsto para 11 de agosto, na Faculdade de Direito da USP

Os novos ataques de Jair Bolsonaro (PL) às urnas eletrônicas e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) provocaram uma reação sem precedentes das elites brasileiras contra o presidente. Em resposta à ofensiva golpista, um manifesto pró-democracia, organizado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), já conta com o apoio de mais de 3 mil personalidades.

O texto-base do manifesto foi divulgado nesta terça-feira (26), com o título “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”. Segundo o documento, “ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”.

O lançamento oficial do manifesto está previsto para 11 de agosto, a cinco dias no início da campanha eleitoral de 2022. Na ocasião, caberá a Celso de Mello, ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), fazer a leitura pública do documento no Largo de São Francisco, que abriga a Faculdade de Direito da USP, no Centro de São Paulo.

Mesmo antes de ser lançado, o manifesto já é considerado um marco na luta contra as “aventuras autoritárias” de Bolsonaro, ainda que o nome do presidente não seja citado diretamente no texto. Voltada inicialmente para advogados, professores e intelectuais, o documento ecoa, agora, a voz de amplos setores da sociedade civil.

“Faremos no dia 11 de agosto uma homenagem aos tribunais superiores, com participação de entidades da sociedade civil e da iniciativa privada”, explica Celso Campilongo, diretor da faculdade. “Convidamos a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e diversos empresários, além de ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral. A carta também será lida ao público.”

Ao todo, 11 ex-ministros do STF apoiam a iniciativa, como Carlos Ayres Britto, Carlos Velloso, Ellen Gracie, Eros Grau, Marco Aurélio Mello e Sepúlveda Pertence. Entre os nomes do meio jurídico, aderiram também o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, os juristas Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato, além dos advogados Alberto Toron, Belisario dos Santos Junior, Lenio Streck, Pedro Serrano, Pierpaolo Bottini, Rubens Naves, Sérgio Renault e Tércio Sampaio Ferraz Júnior. O Grupo Prerrogativas, formado sobretudo por advogados do campo progressista, busca mais apoios representativos do Direito.

Uma das surpresas é a adesão maciça de setores do rentismo e da burguesia nacional que apoiaram não apenas a eleição de Bolsonaro em 2018 – mas também boa parte de seu governo. De forma reservada, eles dizem que a reunião de Bolsonaro com os embaixadores, há oito dias, tornou insustentável situação do presidente. “É muito bom ver que vários movimentos da sociedade estão acontecendo, naturalmente, sempre em defesa da democracia e da credibilidade do processo de votação. Não vamos esmorecer”, declarou ao Estadão Fábio Barbosa, presidente do grupo Natura.

Assinam o manifesto os ex-ministros da Fazenda Celso Lafer e Pedro Malan, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, os banqueiros José Olympio Pereira (ex-Credit Suisse), Candido Bracher, Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal (ligados ao Itaú Unibanco). Empresários como Amarilio Macedo (J.Macedo), Claudio Haddad (Insper), Eduardo Vassimon (Votorantim), Guilherme Leal (Natura), Horácio Lafer Piva (Klabin), Luis Terepins (Even) e Walter Schalka (Suzano) figuram igualmente na lista.

Os economistas aparecem com Affonso Celso Pastore, Edmar Bacha, Elena Landau, Francisco Gaetani, José Roberto Mendonça de Barros, Luiz Gonzaga Belluzzo e Samuel Pessôa. Já o setor financeiro está presente com Demóstenes Madureira de Pinho Neto (BWGI), Fábio Alperowitch (Fama Investimentos), João Paulo Pacifico (Grupo Gaia), Luis Fernando Figueiredo (Mauá), Luis Stuhlberger (Verde), Rodrigo Rocha Azevedo (Ibiúna).

Diversos expoentes da MPB, da literatura e da cultura brasileira em geral concordaram em assinar o manifesto. Segundo o Poder 360, “o 342 Artes, movimento liderado pela produtora, empresária e ex-atriz Paula Lavigne, também está reunindo assinaturas da classe artística”. Os compositores Chico Buarque, Caetano Veloso e Arnaldo Antunes viraram signatários, assim como as atrizes Débora Bloch e Alessandra Negrini, os cineastas Fernando Meirelles e João Moreira Salles, os ex-jogadores Raí e Walter Casagrande, os jornalistas José Trajano e Juca Kfouri, o apresentador Cazé Peçanha, a chef Bel Coelho.

“O Brasil enfrenta uma crise sanitária, social e econômica de grandes proporções. Milhares de brasileiros perderam suas vidas para a pandemia e milhões perderam seus empregos”, lembra a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros”, denunciando a criminosa negligência com que o governo Bolsonaro tratou a pandemia de Covid-19.

“Apesar do momento difícil, acreditamos no Brasil. Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo”, agrega o manifesto. “Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática. O princípio chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos.”

Há, no texto, uma comparação entre os intentos de Bolsonaro e o ataque de apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. O bolsonarismo já agendou, por sinal, a data de sua próxima mobilização golpista: o feriado de 7 de Setembro, data em que a Independência do Brasil completa 200 anos.

“Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana”, diz o manifesto. “Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito. Aqui também não terão.”

Parte dos signatários resiste a declarar apoio à pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas nenhum deles endossa a sanha golpista de Bolsonaro, que tenta pôr permanentemente em xeque a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro.

Nesse sentido, o texto reafirma a irrestrita confiança no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), responsável pela organização das eleições 2022. “A Justiça Eleitoral brasileira é uma das mais modernas e respeitadas do mundo. Confiamos nela e no atual sistema de votação eletrônico”, afirmam os signatários do manifesto. “A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias. O Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados.”

O nome do manifesto é uma referência a outro documento histórico – a “Carta aos Brasileiros” lançada 1977 e lida também no Largo de São Francisco pelo professor Goffredo da Silva Telles Junior. Há 45 anos, a iniciativa denunciava as ilegalidades da ditadura militar (1964-1985). Agora, o manifesto é um amplo clamor coletivo em defesa da democracia, para que os arbítrios do passado não voltem jamais.

“Clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”, conclui o texto. “No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.”

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