Condenação de ministro por homofobia criou jurisprudência contra Bolsonaro

Para advogada que participou da notícia crime contra Milton Ribeiro, Bolsonaro não está acima da lei e ação por declarações no Maranhão pode levar à mesma reparação civil.

A Parada LGBT foi realizada pela última vez em São Paulo em 2019. Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifeste sobre a possibilidade de abrir inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo crime de homofobia. A advogada e professora de Direito, Patrícia Mannaro, foi uma das signatárias de uma notícia-crime vitoriosa contra o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, e está otimista sobre a defesa das famílias LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexos) neste novo caso.

A notícia-crime contra Bolsonaro foi ajuizada na Corte pela vereadora de São Paulo Erika Hilton (Psol). A petição tem como base discurso proferido por Bolsonaro na Convenção dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus, em 13 de julho, no Maranhão.

“O que nós queremos é que o Joãozinho seja Joãozinho a vida toda. A Mariazinha seja Maria a vida toda, que constituam família, que seu caráter não seja deturpado em sala de aula”, disse o presidente, na ocasião.

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Segundo a vereadora, que é pré-candidata à Câmara dos Deputados, as falas de Bolsonaro “possuem evidente caráter homofóbico e transfóbico”. Ela lembrou que o próprio STF considera a homotransfobia crime equiparável ao racismo.

Em entrevista ao portal Vermelho, Patrícia diz que as declarações de Bolsonaro têm teor semelhante àquelas do ex-ministro, quando em entrevista ao Estadão, atribuiu a homossexualidade de jovens a ‘famílias desajustadas’. A notícia-crime resultou em vitória para o inquérito aberto em nome de várias entidades da sociedade civil. “Abrimos ação civil por danos morais contra o estado e o ministro, recorremos para majorar e dividir o valor entre as entidades autoras”, disse ela, salientando que, por isso, a ação não transitou em julgado.

“O presidente da República não está imune ao cumprimento das leis; suas declarações são criminosas e têm efeitos práticos, atingindo as famílias LGBT+. Elas discriminam uma enorme quantidade de famílias e a Constituição prevê igualdade formal e material”, afirmou a advogada.

Para ela, o mesmo mecanismo usado pela vereadora de recorrer à Delegacia de Crimes Raciais e de Intolerância (Decradi) é correto. Patrícia acredita que, se este inquérito for instaurado, pode vir a gerar uma ação por danos morais e reparação civil, como aquela julgada contra o ex-ministro.

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A notícia-crime foi sorteada à relatoria do ministro Dias Toffoli. Porém, como o Poder Judiciário está em recesso, o pedido foi encaminhado à vice-presidente da Corte, que está de plantão. Por isso, Patrícia ficou otimista sobre a atitude de Rosa Weber, que, poderia deixar essa avaliação para o relator original, considerando não haver urgência que justificasse a sua atuação excepcional durante o recesso de julho. Porém, ela decidiu atuar e enviou a petição ao procurador-geral da República, Augusto Aras.

“A manifestação da ministra Rosa já é bem positiva. Não podemos esquecer que estamos lidando com um chefe de estado. A denúncia vai provocar a manifestação da PGR que já é importante, também”. Independente de demora, lentidão ou eventual acordo, a advogada vê um movimento pró-minoria. “E não apenas LGBT+, mas uma intenção de proteger todas as minorias”.

No inquérito anterior, inicialmente a PGR se manifestou “em cima do muro”, segundo ela, mas acabou abrindo o inquérito. “Já temos condenação semelhante do estado por homofobia, por declarações muito semelhantes a essas do Bolsonaro. Na minha opinião, seria um tiro no pé a PGR ignorar essa jurisprudência formada”, completou.

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A autora da ação, vereadora Érika Hilton, diz que as declarações do presidente “apontam com desdém e desrespeito a existência de pessoas com orientação sexual e identidade de gênero distintas do padrão heteronormativo”, o que caracteriza o crime.

“Ao dialogar com as pessoas presentes no evento, o noticiado (Bolsonaro) atribui à comunidade LGBTQIA+ a alcunha da perversão e da prática de comportamentos negativos e desagradáveis à sociedade”, disse Erika.

Os advogados Flávio Siqueira Junior e Lucas Módolo, que assinam a petição, afirmam que o discurso do presidente é uma conduta ilegal. “A fala ofende um grupo vulnerável, vítima de violências constantes da estrutura social.”

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