De Olho nos Ruralistas mostra a história nada honesta da família Dallagnol

Com pretensões políticas, mas ainda com chance de ficar inelegível pela Lei da Ficha Limpa, Dallagnol possui histórico familiar de conflitos agrários para arrecadação de fortunas junto ao Incra, conforme apuração do observatório De Olho nos Ruralistas.

Reprodução: De Olho nos Ruralistas

O ex-coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, pediu exoneração do cargo de procurador do Ministério Público Federal em novembro de 2021 para se lançar como político este ano. Junto ao então juiz federal, Sérgio Moro, que viria a se tornar Ministro da Justiça de Bolsonaro fazendo jus a toda a sua parcialidade, Dallagnol protagonizou um dos maiores escândalos judicias da história nacional.

Em um espetáculo de uso jurídico para perseguição política conhecido pelo termo lawfare, a dupla atuou de forma combinada na Operação Lava-Jato para condenar sem provas o ex-presidente Lula e tirá-lo da disputa eleitoral de 2018. O ato de um juiz federal manter contato com um procurador sobre o processo configura conduta imprópria, de acordo com o Código de Processo Penal.

Com isso, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou procedente a suspeição do ex-juiz Sergio Moro para julgar o processo do Guarujá contra Lula, assim como encerrou outros processos da Lava-Jato por entender que a Justiça Federal do Paraná não teria competência para atuar no caso.

Já Dallagnol, que também tem pretensões políticas, pode ficar inelegível pela Lei da Ficha Limpa, pois está envolvido em um processo do Tribunal de Contas da União que averigua irregularidades em diárias, passagens e gratificações no curso da Operação Lava-Jato. Além disso, o paladino da anticorrupção exaltado por bolsonaristas foi condenado a indenizar o ex-presidente Lula em R$ 75 mil por danos morais pela sua apresentação de PowerPoint caluniosa. Recentemente o ex-coordenador da Lava-Jato abriu uma vaquinha virtual para pagar a indenização.

Leia também: Justiça condena Dallagnol a indenizar Lula por dano moral

Mas estas histórias, grande parte dos brasileiros já conhece. Agora o que o site De Olho nos Ruralistas traz mostra uma nova faceta de Dallagnol – nem tão conhecida assim – sobre como a sua família se beneficia de contatos com posseiros, grileiros e de corrupção dentro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para arrecadar fortunas.

Desmatamento, conflitos agrários e fortuna

Desde 2019, o observatório De Olho nos Ruralistas traz uma série de reportagens que detalha como a família do ex-procurador Deltan Dallagnol está envolvida em conflitos envolvendo milhares de hectares no noroeste do Mato Grosso.

Mais precisamente em Nova Bandeirantes (MT), região de floresta na Amazônia Legal, o Conselho Diretor do Incra abriu investigação para apurar irregularidades em uma gigantesca desapropriação na Fazenda Japuranã. Ao menos 14 parentes de Dallagnol, inclusive o seu pai, o ex-procurador Agenor Dallagnol, foram beneficiados, segundo a reportagem. Ao todo foram pagos R$ 36,9 milhões, em 2016, durante o governo Temer, a título de desapropriação de cerca de 37 mil hectares no município (1).  O observatório mostrou, por meio de estudo da Unicamp, que a família obteve 400 mil hectares de terras no Mato Grosso durante a ditadura (2).

Leia também: Gravações revelam que Dallagnol comemorou a vitória da extrema direita

Outras reportagens exclusivas mostram como a família Dallagnol costuma atuar na região, com seu tio Leonar Dallagnol acusado de invadir terras (3) e o tio Xavier Dallagnol sendo gravado em grampo sobre compra de sentenças (4). Para completar a série de reportagens de 2019, os tios ainda figuraram na notícia que os colocam em lista de maiores desmatadores em Nova Bandeirantes (MT) (5).

Propriedades da família Dallagnol em Mato Grosso. Imagem: Eduardo Luiz D. G. Carlini/De Olho nos Ruralistas

Corrupção e sobrepreço

A família do ex-procurador Deltan Dallagnol – que alegou não ter dinheiro para pagar a indenização ao ex-presidente Lula – possui mais de 36 mil hectares divididos em 19 fazendas, chamada de Gleba Japuranã. A propriedade do seu pai Agenor, a Fazenda Guapé, tem 2 mil hectares.

Nos anos 90, por intermédio Xavier Dallagnol, advogado e tio do lavajatista, foram assentadas nas terras 700 famílias por meio de um contrato de comodato. A medida já visava uma futura desapropriação dos posseiros que foram colocados em terras julgadas improdutivas.

Dessa forma, a fim de “garantir a desapropriação da terra para a reforma agrária e o pagamento de indenizações para os proprietários”, Xavier chamou o superintendente do Incra no Mato Grosso como testemunha dos contratos de comodato (6).

Agora, o Incra tenta reverter na Justiça Federal a homologação dos acordos para a desapropriação de terras da Gleba Japuranã, pois calcula que foi pago R$ 147 milhões em sobrepreço na investigação que envolve 17 fazendas (7).

Do montante, R$8 milhões em devolução aos cofres públicos são cobrados do pai de Dallagnol (8), pois “houve divisão da gleba em várias propriedades, algumas com sobreposição em relação a outras e até mesmo a terras já desapropriadas pelo próprio Incra”, indica a reportagem do observatório.

Leia também: Por que as mensagens entre Moro e Dallagnol devem ser reveladas ao público?

A direção do Incra indica que Agenor Dallagnol “é suspeito de se beneficiar de corrupção dentro do órgão” (9), aponta o De Olho nos Ruralistas. Isso porque a homologação do acordo judicial que liberou os pagamentos teve procedimentos ignorados, além de ausência de descontos nos cálculos, irregularidades na tramitação do processo administrativo e de desapropriação, sem contar que muitos procedimentos padrão não foram realizados.

De olho na família Dallagnol

Segundo o repórter do observatório De Olho nos Ruralistas, Leonardo Fuhrmann, a equipe do observatório tenta falar com Deltan Dallagnol desde o início da primeira série de reportagens, mas o ex-procurador se esquiva de falar sobre o caso. Além disso, os leitores que o marcaram quando retuitaram as reportagens foram bloqueados por ele. “A estratégia deles [família] até o momento tem sido de ignorar o assunto”, diz Fuhrmann.

O repórter explica que a série de reportagens iniciada em 2019 “começou por acaso” e que teve grande repercussão na imprensa alternativa, mas foi ignorada pela mídia corporativa.

“Estávamos fazendo uma pesquisa sobre desmatadores da Amazônia e chegamos a algumas pessoas com o sobrenome Dallagnol. A partir daí, fomos construindo, com a ajuda de pesquisadores, os laços de parentesco deles com o ex-procurador e a rede de atividades em que eles estavam envolvidos”, esclarece.

Sobre a retomada das reportagens agora em 2022: “A gente retomou o assunto porque vimos, em uma reportagem do Luís Nassif que nos citava, que a história havia se tornado um processo, em que o Incra pede a devolução dos valores pagos. Fomos atrás do conteúdo desses processos e isso embasou a segunda série de reportagens. Mais uma vez, a repercussão foi grande entre os leitores e nos veículos progressistas, mas a imprensa tradicional segue ignorando o assunto”.

Agora a equipe do observatório aguarda os desdobramentos dos processos do Incra. “Estamos atentos e vamos divulgar novidades sobre o caso assim que forem tomadas decisões judiciais”, completa Fuhrmann.

Com informações De Olho nos Ruralistas

(1) Incra diz que desapropriação de R$ 41 milhões no MT que beneficiou pai, tios e primos de Deltan Dallagnol foi ilegal
(2) Família Dallagnol obteve 400 mil hectares de terras no Mato Grosso durante a ditadura
(3) Conhecido como Tenente, tio de Deltan Dallagnol foi acusado de invadir terras ao lado de ‘Pedro Doido
(4) Tio de Deltan, Xavier Dallagnol foi flagrado em grampo sobre compra de sentenças
(5) Três tios de Deltan Dallagnol figuram entre desmatadores da Amazônia – De Olho nos Ruralistas
(6) Como latifúndio improdutivo de pai de Dallagnol rendeu indenização milionária
(7) Incra diz que pagou R$ 147 milhões a mais ao desapropriar gleba dos Dallagnol
(8) Incra cobra de pai de Dallagnol a devolução de R$ 8 milhões aos cofres públicos
(9) Para Incra, pai de Dallagnol é suspeito de se beneficiar de corrupção dentro do órgão