Cúpula da Otan evidencia objetivos anti-China no conflito da Ucrânia

Nunca foi apenas um problema regional, mas uma transição para uma aliança ocidental contra a Rússia e a China. Este conceito foi explicitado na nova estratégia definida pela aliança militar

30/06/2022. Madri, Espanha. Primeiro ministro britânico Boris Johnson na Cúpula da Otan. Foto por Andrew Parsons / No 10 Downing Street

Sempre foi contra a China. Embora a narrativa ocidental faça parecer que tudo partiu de uma agressão russa contra um vizinho, o crescente cerco da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) à Rússia tem se revelado bem mais que um problema regional. Nas últimas semanas, houve encontros de cúpula da Otan, do G7 com a Otan e dos BRICS+ (Brasil, Rússia, Índias, China e África do Sul) que discutiram temas correlatos.

Ao reunir 30 países em Madrid para definir seu “novo conceito estratégico”, a Otan demonstrou que vem ampliando uma aliança militar com objetivo de contenção não apenas da Rússia, quanto da China, para citar apenas os dois principais alvos. Ao dobrar a fronteira militar com a Rússia, integrando Suécia e Finlândia, e aumentar a presença militar de 40 mil soldados para 300 mil, desenha-se um acirramento do conflito para uma dimensão global.

Desafio sistêmico

O “novo conceito estratégico” declarou a Rússia como principal ameaça à segurança das nações da Aliança, depois de considerá-la parceira desde 2010, enquanto a China também foi classificada como “desafio sistêmico”. Segundo o documento, Moscou tenta “estabelecer esferas de influência e controle direto por meio de coerção, subversão, agressão e anexação.”

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Se o problema fosse apenas regional e defensivo, como quer fazer parecer a política ocidental, não haveria motivos concretos para ameaçar a China. Vai se reafirmando que a China sempre foi o objetivo principal de toda essa manobra militar. Embora o gigante asiático tenha parcerias estratégicas com a Rússia, outros países também evitam sancionar ou criticar Putin, como Turquia, Índia e países da África.

A Rússia respondeu que essas ambições da OTAN são imperialistas e a aliança está destruindo a estrutura europeia. Já a China respondeu que a aliança deve acabar imediatamente com divulgação de declarações falsas e provocativas contra a China. O presidente dos EUA, Joe Biden, por sua vez, disse que “Putin estava querendo a finlandização [neutralidade] da Europa e vai conseguir a otanização”.

A analista internacional Ana Prestes falou ao portal Vermelho que este documento da Otan apenas reafirma algo que já era claro, em 4 de fevereiro, na declaração conjunta do russo Vladimir Putin e do chinês Xi Jinping. “A otanização da Europa que o Biden falou já acontecia. E a guerra da Ucrânia foi uma demonstração disso.”

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Para Ana, a Otan só faz sentido diante de um conflito ou ameaça, no entanto, ela atua abertamente, ampliando-se rumo a fronteiras de países de fora da aliança. “Sabemos que o imperialismo precisa de guerra até para sobreviver. A Otan sempre foi esse instrumento de ameaça à paz mundial. O próprio conflito armado entre Rússia e Ucrânia é fruto do expansionismo, da operação e da tentativa da Otan de reforçar a máquina de guerra no último período”, disse ela.

Mas ela também acha que essa reafirmação estratégica da Otan demonstra desespero diante das novidades geopolíticas que o conflito na Ucrânia acabou evidenciando. Ela mencionou a dimensão dos BRICS, que representam 40% da população, 25% da economia global, 18% do comércio internacional e 50% da contribuição ao crescimento mundial, sem ter se expandido (Argentina, Nigéria, Irã). Uma influência que deixa de ser meramente comercial para se tornar cada vez mais política.

Teatro imperialista

Por outro lado, a socióloga considera que as afirmações do G7 sobre preocupações com a fome mundial e a solidariedade com a Ucrânia não passa de teatro. “A Ucrânia já está esfacelada, no chão, e o desabastecimento alimentar é, em grande medida, fruto dos bloqueios e sanções contra a Rússia, do que do conflito em si”, explicou. Para ela, esses países que se reuniram na Baviera têm enorme responsabilidade sobre a eclosão do conflito, pelo envolvimento na derrubada de governos em 2014, no descumprimento dos Acordos de Minsk, sabotagem dos processos de diálogo e negociação quando se iniciaram, inclusive assassinato dos negociadores.

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Na opinião de Ana Prestes, o retrato que esses países europeus tentam gravar no imaginário público, de poderio e influência, vai se confirmar cenário de teatro com o passar do tempo. Como tantos outros analistas, ela também observa a reação da Europa e EUA mediante a sua decadência econômica, enquanto o bloco de países euroasiáticos em desenvolvimento se consolida e movimenta a geopolítica internacional.

“Há uma parte do mundo em que se busca um multilateralismo a partir do consenso, do respeito mútuo e do equilíbrio de interesses. E há outra parte do mundo, que é esse multilateralismo decadente do G7 e da aliança pela guerra da Otan, que não trabalha pelo consenso, muito menos pelo respeito e equilíbrio, impondo suas vontades por sanções econômicas e ameaças militares. É muito rico esse momento que estamos vivendo de perceber o novo mundo que está se desenhando”, disse ela.