Chile: Nova Constituição vai a voto popular para sepultar Era Pinochet

“Hoje é um dia que ficará marcado na história da nossa Pátria”, declarou o presidente chileno, Gabriel Boric

A Convenção Constitucional do Chile, aberta há um ano, encerrou seus trabalhos nesta segunda-feira (4) com a apresentação da proposta de uma nova Carta Magna para o país. Com 178 páginas, 388 artigos e 57 normas transitórias, a Constituição em debate vai, agora, a voto popular, em plebiscito convocado para 4 de setembro.

“Hoje é um dia que ficará marcado na história da nossa Pátria. O texto que hoje é entregue ao povo marca o tamanho da nossa República”, declarou o presidente chileno, Gabriel Boric, na sessão final da Constituinte. “Será novamente o povo que terá a palavra final sobre o seu destino.”

“Além das legítimas divergências que possam existir sobre o conteúdo do novo texto que será debatido nos próximos meses, há algo que devemos estar orgulhosos”, agregou. “No momento de crise institucional e social mais profunda que atravessou o nosso país em décadas, chilenos e chilenas optamos por mais democracia.”

A maioria dos 155 constituintes trabalhou intensamente para que o texto abolisse os entulhos da ditadura de Augusto Pìnochet (1973-1990), embora os discursos tenham sido mais amenos. Um de seus principais avanços é propor direitos sociais. “Esta proposta que entregamos hoje tem o propósito de ser a base de um país mais justo, com o qual todos e todas sonhamos”, afirmou María Elisa Quinteros, presidente da Convenção Constitucional.

Para a porta-voz da presidência, Camila Vallejo, do Partido Comunista, o momento é de reafirmação da soberania popular. “Que momento histórico e emocionante estamos vivendo. Meu agradecimento à Convenção que cumpriu com seu mandato”, declarou. “A partir de hoje, podemos ler o texto final da Nova Constituição. Agora, o povo tem a palavra e decidirá o futuro do país.”

O processo de elaboração da Carta Magna ecoou os protestos que tomaram conta do Chile a partir de 2019. “A origem desse processo está na revolta, nas barricadas e na legitimidade do fogo”, afirmou a constituinte independente Dayyana González, da Lista do Povo.

Graças ao clamor popular, a eleição para formar a Assembleia Constituinte, em 2021, foi dominada por forças progressistas, contando com representação dos povos originários e paridade de gênero. A direita sequer conseguiu garantir um terço das cadeiras – número necessário para ter poder de veto. Além disso, o pleito ajudou a desgastar ainda mais a gestão neoliberal do ex-presidente direitista Sebastián Piñera.

Apesar dessa mobilização, o humor dos chilenos mudou desde a posse de Boric, no final de 2022. Pesquisa feita pelo instituto Pulso Ciudadano e divulgada em junho aponta que 45% da população é contrária, hoje, à nova Constituição, ao passo que 24% a apoiam. Já o instituto Mori mostra 42% dos chilenos contrários e 38% favoráveis. Se essas intenções se voto prevalecerem no plebiscito, a atual Carta Magna, herdada da Era Pinochet, será mantida.

Ouvido pelo jornal O Globo, o cientista político Gabriel Negretto, da PUC-Chile, crê na aprovação. “As pessoas raramente votam pelos méritos da proposta. Há uma série de questões de conjuntura, como a crise econômica, que podem afetar o voto”, analisa. “Mas o produto final é razoável – e não há nada que vá produzir um descalabro sistêmico. Não há um argumento definitivo para votar no rechaço.”

O desafio de ampliar a adesão do povo chileno não diminui a importância do que está em disputa no Chile. O estabelecimento de direitos sociais, por meio de sistemas públicos, é um dos pontos centrais na nova Constituição. Entre as mudanças previstas no texto que vai a plebiscito, destacam-se:

– Reconhecimento do Chile como um Estado “plurinacional e intercultural”, formado pela “coexistência de várias nações e povos no âmbito da unidade do Estado”

– Autonomias Regionais Indígenas, “de acordo com a Constituição e as leis”

– Criação do Sistema de Previdência Social, 100% público

– Criação do Sistema Nacional de Saúde com “caráter estatal, paritário, solidário, universal, com relevância cultural e perspectiva de gênero e interseccionalidade”

– Direito à educação universalmente acessível, gratuita e laica (do ensino básico ao ensino médio)

– Direito ao trabalho digno e à “remuneração equitativa, justa e suficiente”, com isonomia salarial

– Ampliação da democracia participativa

– Extinção do Senado e estabelecimento de um sistema bicameral assimétrico (Congresso dos Deputadas e Câmara das Regiões)

– Paridade de gênero e representatividade territorial nos parlamentos

– Garantia de liberdades individuais, como o direito ao aborto (a ser regulamentado por lei própria) e à eutanásia

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