Morre Arthur Poerner, o grande historiador do movimento estudantil

Autor de O Poder Jovem – História da Participação Política dos Estudantes Brasileiros, escritor tinha 82 anos

O jornalista, escritor e compositor Arthur José Poerner morreu na noite desta quinta-feira (30), no Rio de Janeiro. Autor de O Poder Jovem – História da Participação Política dos Estudantes Brasileiros, Poerner tinha 82 anos e era considerado o grande historiador do movimento estudantil.

“E essa obra sai no momento em que o movimento estudantil explode e adquire força inesperada no Brasil e no Japão, na Argentina e no México, no Uruguai e nos Estados Unidos, na França e na Espanha, na Polônia e na Itália, na Alemanha e na Holanda e assim em diante. A atualidade do assunto – e do livro – é um fato”, assegurou o crítico Otto Maria Carpeaux (1900–1978) logo após o lançamento de O Poder Jovem.

Publicado pela editora Civilização Brasileira, em 1968, “o ano que não acabou”, o livro de Poerner corria o risco de virar aquilo que os ingleses chamam de “instant book” – uma obra escrita às pressas, “no calor da hora”, para tratar de fatos recentes. Mas não foi o caso.

Não foi porque, embora o autor desejasse, sim, contextualizar a rebeldia dos estudantes de 1968, sua pesquisa percorreu mais de um século e meio de lutas. “A primeira manifestação estudantil registrada pela história brasileira ocorre ainda no período colonial”, escreveu Poerner. Ele se referia à mobilização de 500 estudantes cariocas contra a invasão francesa ao Rio de Janeiro, em setembro de 1710.

Outro feito de O Poder Jovem foi cravar a fundação da UNE (União Nacional dos Estudantes), em 11 de agosto de 1937, como o principal divisor de águas na saga do movimento estudantil. Era como se houvesse uma história e uma pré-história – o “antes da UNE” e o “depois da UNE”.

Só que isso foi dito em pleno regime militar (1964-1985), quando se recrudescia a perseguição aos movimentos organizados, como os sindicatos, as ligas camponesas e as entidades estudantis. O livro foi lançado em 26 de julho de 1968, em sessão de autógrafos no Rio de Janeiro. Vinte semanas depois, em 13 de dezembro, a ditadura baixou o Ato Institucional (AI) 5, um golpe dentro do golpe, que endureceu ainda mais o regime.

Com menos de um ano de circulação, O Poder Jovem foi censurado e entrou para a “Relação de Livros Nacionais e Estrangeiros Proibidos por Portaria do Senhor Ministro da Justiça” – documento que a ditadura encaminhava às escolas e bibliotecas públicas. Entre 205 publicações vetadas por supostamente conterem conteúdo “subversivo” ou “pornográfico”, o clássico de Poerner sobre o movimento ocupava a 27ª posição.

Ainda assim, o livro alcançou, de imediato, o status de obra de referência. Exaltava a combatividade dos jovens estudantes, em especial os militantes, mas tinha rigor historiográfico. Virou uma peça de conhecimento, resistência e luta – o mais importante tratado sobre o movimento estudantil brasileiro. “Os estudantes não se conformam em ver a vida passar na janela da sala de aula sem nela interferir”, afirmou Poerner no livro. “É inerente à juventude a rebeldia, a necessidade de contestar, de gritar seu inconformismo com as injustiças.”

Àquela altura, o jovem Poerner, nascido no Rio em 1º de outubro de 1939, aproximava-se dos 30 anos. Na década de 1960, tornara-se jornalista, estudante de Direito e militante. Escrevia para jornais tradicionais da grande mídia – mas também para a imprensa clandestina e alternativa. Ao lado de nomes como Alex Viany, Ferreira Gullar, Leandro Konder e Sérgio Cabral, colaborava para a Folha da Semana, do PCB (Partido Comunista Brasileiro), da qual foi diretor.

Quando os militares lideraram o golpe de 1964, Poerner era aluno da antiga Universidade do Brasil – hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – e participava das atividades do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco). Mirava a profissão de advogado, mas destacava-se mesmo como escritor. Além de O Poder Jovem, já havia lançado três livros abertamente de esquerda: Assim Marcha a Família (1965, em co-autoria), Argélia, o Caminho da Independência (1966) e América, Mito e Violência (1968, também em co-autoria). Pela ousadia, virou, aos 26 anos, o mais jovem brasileiro a ter os direitos políticos suspensos.

Em 1968, já repórter do Correio da Manhã, estava sentado à sua mesa na Redação quando soube da morte do estudante Edson Luís. Após escrever o obituário, correu para a rua e participou dos protestos que tomaram conta do Rio de Janeiro. Para Poerner, “foi o momento de apogeu do movimento estudantil. Os estudantes eram, naquele momento, a vanguarda da resistência à ditadura militar”. O próprio escritor foi um dos jovens que carregaram o caixão de Edson Luís.

Mas, com o lançamento de O Poder Jovem, não teve mais paz. Em 1970, sob perseguição, foi preso em plena Redação, permaneceu por mais de cem dias no DOI-Codi e partiu para um exílio de 14 anos na Alemanha.

Uma vez na Europa, ajudou na resistência à ditadura como correspondente da Tribuna da Imprensa, do Pasquim e da IstoÉ. É distante do Brasil que ele também escreve e lança o ensaio biográfico Memórias do Exílio (1976) e o romance Nas Profundas do Inferno (1978). Com a abertura “lenta, gradual e segura”, O Poder Jovem foi relançado de forma clandestina por estudantes da PUC-SP em 1977 e reeditado pela Civilização Brasileira em 1979.

De volta ao Brasil em 1984, trabalhou para a TV Globo, o Estadão e o Jornal do Brasil. Foi presidente do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro (1987-1990) e do Museu da Imagem e do Som (1991-1994). Após a pós-graduação em Comunicação, foi professo de jornalismo na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Arthur Poerner também teve incursões no teatro e na música. Foi um dos criadores do musical Cartola Convida (1970), ao lado de Jorge Coutinho, Haroldo de Oliveira e Leléu da Mangueira. Letrista, foi parceiro de célebres compositores, como Candeia, Baden Powell e João do Vale. Amigo da cantora Elza Soares, atendeu a um pedido dela para ser uma espécie de tutor do ex-jogador Garrincha.

Poerner foi enterrado na tarde desta sexta (1) no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Sua morte causou comoção em lideranças estudantis e políticas. “Somos gratos por sua trajetória de afeto e resistência lado a lado de gerações de estudantes lutadores do Brasil. Caminhamos de mãos dadas ao longo de sua trajetória”, tuitou a presidenta da UNE, Bruna Brelaz.

A página de Poerner no Facebook recordou seus vínculos com partidos de esquerda: “Fundou o PDT e se filou ao PT de Lula, em meio às acusações da mídia golpista. Foi companheiro do Apolonio de Carvalho e Augusto Boal, e era um admirador do PCdoB e da UNE, participando de todas as bienais realizadas pela entidade”.

“Hoje estou de luto. Perdemos um dos grandes brasileiros que esse país produziu”, afirmou o vereador de Campinas Gustavo Petta (PCdoB). Ex-presidente da UNE (2003-2007), ele postou uma foto em que aparece ao lado de Poerner, em 2004. “Na minha lembrança, ficarão noites longas e agradáveis na Taberna do Leme e no Lamas, seus cantos preferidos no Rio. Suas marcantes passagens pelas Bienais da UNE e sua participação na caravana que fizemos pelo país todo. Suas histórias e seu amor imenso pelo Brasil.”

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