Eleição de Gustavo Petro é uma vitória histórica

A vitória do Pacto Histórico na Colômbia reafirmou o desejo de mudança que se sente cada vez mais forte neste continente mais desigual do planeta.

Gustavo Petro e Francia Márquez festejam a vitória eleitoral l Foto: Télam

A eleição de Gustavo Petro, candidato do Pacto Histórico, foi confirmada no segundo turno das eleições presidenciais colombianas. Petro obteve 50,44% dos votos contra 47,31% de seu rival. É uma vitória extraordinária, com projeções não só nacionais, mas também continentais. A primeira, porque se passa em um país submetido por longas décadas ao arbítrio de uma das direitas mais brutais e sanguinárias da América Latina. O crepúsculo de sua dominação na Colômbia foi vislumbrado no primeiro turno eleitoral quando o Uribismo, como a personificação daquelas forças políticas nefastas, não podia sequer garantir que um de seus vários candidatos pudesse chegar às urnas. Por isso tiveram que recorrer a um personagem de opereta como Rodolfo Hernández, em quem deram todo o seu apoio e tentaram apresentá-lo como se fosse um estadista quando na verdade era um bufão, e falharam em seus esforços. Os candidatos do Pacto Histórico tiveram que lutar contra um establishment que controla todas as alavancas do poder na Colômbia e conseguir derrotá-lo. Um mérito que, sem dúvida, deve ser saudado por todas as forças democráticas da América Latina e do Caribe.

Dissemos também que é uma vitória para as projeções continentais porque reafirma os ventos de mudança que ganharam força na região, após um breve interregno da direita, com a eleição de Andrés Manuel López Obrador no México, em julho de 2018, seguida de no ano seguinte pelas vitórias de Alberto Fernández na Argentina e Evo Morales na Bolívia, este último frustrado pela conspiração urdida pela OEA, a Casa Branca e a direita fascista boliviana. No entanto, com a vitória de Luis Arce em 2020, retomou-se o rumo provisoriamente abandonado devido ao golpe e, posteriormente, as vitórias de Daniel Ortega na Nicarágua, Pedro Castillo no Peru, Xiomara Castro em Honduras e Gabriel Boric no Chile, a quem acrescenta que o Pacto Histórico na Colômbia reafirmou o desejo de mudança que se sente cada vez mais forte neste continente mais desigual do planeta. Trata-se de um cenário promissor contra o qual será travada a grande batalha das eleições presidenciais no Brasil em outubro próximo, onde tudo parece indicar que Luiz Inácio Lula de Silva deve sair vitorioso. Nesse caso, teríamos mais uma vez uma América Latina majoritariamente tingida de vermelho – um vermelho pálido, sem dúvida – mas vermelho mesmo assim, e que abre as portas para novas ondas de transformação.

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Obviamente, a trágica história colombiana obriga-nos a ser cautelosos. Petro deve assumir a presidência em 7 de agosto, quando se comemora um novo aniversário da batalha de Boyacá. É, portanto, necessário superar uma inclinação de quase dois meses antes que o candidato do Pacto Histórico se instale no Palácio de Nariño. A história latino-americana é rica em exemplos de eleições roubadas, assassinatos e todo tipo de estratagema para burlar a vontade da maioria da população. Não podemos esquecer o que aconteceu no Chile, quando após a vitória de Salvador Allende em 4 de setembro de 1970, a direita se lançou com todas as suas forças – com o apoio enfático de Nixon da Casa Branca – para impedir que o Plenário do Congresso ratificasse a vitória do candidato da Unidade Popular. E nesse esforço não hesitaram em assassinar René Schneider Chereau,

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Em um país como a Colômbia, oprimido por uma sucessão de “narcogovernos” que forjaram uma sólida aliança entre paramilitares, narcotraficantes e o aparato de segurança do Estado, não seria surpreendente a existência de setores de extrema direita dispostos a tudo para impedir a posse de Gustavo Petro e Francia Márquez e, se isso não for possível, criar dificuldades para que não possam governar. Não esqueçamos que em termos sócio-políticos nos últimos anos a Colômbia se tornou um protetorado norte-americano, com pelo menos sete bases militares daquele país instaladas em seu território e seria ingênuo pensar que esta noite os oficiais americanos estarão brindando ao “Petro’s triunfo”. Portanto,o Pacto Histórico tem de redobrar a sua atitude de vigilância permanente para evitar que sua vitória seja roubada pela poderosa direita colombiana – que controla a riqueza, o judiciário e a grande mídia – e seus apoiadores baseados em Washington. E para isso será fundamental ter “o outro poder” alternativo ao do establishment: o povo consciente, organizado e mobilizado. A pior coisa que poderia acontecer às pessoas boas e nobres reunidas na Aliança seria pensar que a tarefa foi cumprida e que é hora de voltar para casa. É por isso que é animador saber que Petro escreveu em um tweet que “hoje é o dia das ruas e praças”. Eu acrescentaria, porém, que a partir de agora todos os dias devem ser nas ruas e praças porque é a única, exclusiva, garantia que um governo popular tem. Não é um conselho desse modesto analista, mas a tese central de Nicolau Maquiavel ao indagar sobre os fundamentos da estabilidade política dos governos populares. Esperemos que Petro, Francia e todo o seu povo levem em conta o que o pai da ciência política moderna escreveu.

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