Cinco respostas que explicam a importância da vitória de Petro na Colômbia

Como a trajetória de Petro e Francia contribuem para a esperança dos colombianos. Qual o cenário que favoreceu a mudança inédita? Por que a esquerda da América Latina está em festa?

Sociedade colombiana resolveu apostar na esquerda pela primeira vez.

É a primeira vez que a esquerda vai governar o país sul-americano, mas este não é o principal motivo para comemorar. Sua eleição, neste domingo (19), com cerca de 50% dos votos representa uma mudança importante para a Colômbia, além de representar um fator de integração para a América Latina.

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1. Quem é Gustavo Petro?

Gustavo Francisco Petro Urrego tem 62 anos e nasceu na pequena Ciénaga de Oro (Pântano Dourado), Córdoba, no norte do país, em 19 de abril de 1960. Sua família logo mudou-se para Zipaquirá, próxima a Bogotá, onde se envolveu com atividades sindicais, como a elaboração do jornal Carta Al Pueblo e o centro cultural Gabriel Garcia Márquez, além de ter se integrado, com 17 anos (1977), ao grupo guerrilheiro Movimento 19 de Abril (M19). Com 21 anos já ocupava cargos políticos na cidade, tendo sido preso e torturado em 1985 por posse de arma.

Têm sólida formação em Economia e Administração Pública com cursos na Europa.

Após exercer o cargo de diplomata no governo de Ernesto Samper, Petro entra de vez na política nacional, se elegendo deputado em 1991, senador em 2006, a primeira tentativa de chegar à Presidência colombiana em 2010, quando chegou em quarto. Em 2018, disputou novamente a presidência e chegou ao segundo turno contra Ivan Duque. 

Em 2012 tornou-se prefeito de Bogotá, quando deixou marcas na cidade reconhecidas internacionalmente. Promoveu avanços importantes na área de direitos humanos, reduzindo a violência, e disputou com o governo federal a construção do metrô, que foi impedida por seu opositor. Foi perseguido judicialmente pelos adversários e afastado do cargo, com revolta da população e de organismos internacionais, que forçaram seu retorno à Prefeitura por medida judicial.

No Senado, Petro compôs o grupo de oposição ao governo do ex-presidente Álvaro Uribe, apontando o vínculo do então mandatário com o paramilitarismo e o narcotráfico no país. Ele ficou conhecido internacionalmente por protagonizar as acusações que se tornaram o “escândalo da Parapolítica”. Uribe era financiado por paramilitares que foram presos. Petro provou que membros do Exército, em seu governo, eram ligados a narcotraficantes e paramilitares.Em 2007, foram presos supostos agentes de inteligência que vigiavam e ameaçavam Petro e sua família.

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2. Quem é Francia Márquez, a vice-presidenta? 

21 anos mais jovem que Petro, Francia Elena Márquez Mina tem uma história tão grandiosa quanto Petro. Ela é ativista e advogada de direitos humanos e meio ambiente. Com pais mineiros e agricultores, formou-se técnica agrícola e depois em Direito. Ela é a primeira afro-colombiana e a segunda mulher a ser eleita vice-presidente depois de Marta Lucía Ramírez.

Ela nasceu em Yolombó, uma aldeia no departamento de Cauca e se tornou militante social aos 13 anos, quando a construção de uma barragem ameaçou sua comunidade. O rio Ovejas passou por tentativas de desvio e por mineração por multinacionais. Francia conseguiu mobilizar a comunidade e impedir esses projetos.

Com Uribe e Santos, os rios foram entregues para exploração internacional. Muitos garimpeiros artesanais foram mortos e Francia e seu grupo perseguidos por paramilitares. As populações negras da região foram ameaçadas de expulsão das terras. Francia venceu a todos na Justiça.

Ela foi obrigada a fugir com a família para Cali, em 2014, devida a ameaças de garimpeiros ilegais que contaminavam o rio Ovejas com mercúrio. Neste ano, ela ainda participou das negociações de paz entre o governo e as Farcs, em Cuba. Foi com a marcha das 80 mulheres negras a Bogotá (560 quilômetros) que ela liderou e conseguiu chamar a atenção para a mineração ilegal, expulsando as máquinas do rio.

Em 2018, ela recebeu o Prêmio Ambiental Goldman por seu trabalho para impedir a mineração ilegal de ouro em sua comunidade de La Toma e por sua organização comunitária. Em 2019, a BBC listou Francia Márquez entre as 100 mulheres daquele ano. 

Francia disputou a primária em seu partido com Petro e obteve votação histórica, sendo convidada para ser sua vice na chapa.

Sua presença no governo vem carregada de vários simbolismos. Um deles é a voz negra, antes invisível na política e em todos os âmbitos da vida colombiana.

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3. Por que os colombianos escolheram a esquerda pela primeira vez?

As próprias trajetórias de Petro e Francia são reveladoras dos motivos que levaram metade dos colombianos a apostar na esquerda representada por eles. 

A Colômbia vive um longo processo de guerra civil, com efeitos trágicos não apenas sobre a população mais vulnerável, mas também sobre a classe média e os ricos que são sequestrados e envolvidos na violência de paramilitares e guerrilheiros.

Este conflito sem fim revelou que a elite conservadora e seus partidos não têm sido capaz de garantir a paz. Ivan Duque é mais um desses que prometeu respeitar os acordos de paz firmados com as Farcs desmobilizadas, e acabou perseguindo seus antigos guerrilheiros. Enquanto isso, grupos paramilitares de direita continuam agindo, assassinando sindicalistas, lideranças sociais e ambientais.

A Colômbia sempre teve uma relação muito próxima com os EUA, através de sua política antidrogas e acordos de livre comércio. A militarização da Colômbia pelos EUA causa cada vez mais desconfianças, assim como os benefícios comerciais. A fortes relacões dos colombianos com a Venezuela também são prejudicadas pela parceria americana. Petro prometeu retomar as boas relações com o país vizinho.

O entreguismo das riquezas colombianas a multinacionais tem efeitos nefastos sobre as populações negras e indígenas das aldeias. Por isso, o tema ambiental tem muita força entre as populações tradicionais e na trajetória de Petros e Francia.

Isso, aliado ao neoliberalismo brutal implantado sem escrúpulos no país, leva a população continuamente à precarização do trabalho e da renda, gerando insatisfações que se convertem em protestos como os que levaram a morte de estudantes pela polícia. Petro promete aos pais garantir apuração e justiça contra o governo de Duque. 

A ênfase de Petro e Francia em fazer um governo para “os invisíveis”, como chamam os indígenas, negros e mais pobres, também soa sincero, pela primeira vez, para o eleitorado.

Tudo isso converge para um momento pós-pandemia de inflação, desemprego e recessão sem perspectiva de enfrentamento pela ultradireita de Rodolfo Hernández. A campanha do empresário foi movida a medo e ameaças de fantasmas de esquerda. A violência que ameaçou os candidatos também gerou reação popular. Em oposição, a campanha de Petro foi marcada pelo convite ao diálogo e ao acordo pelo bem do país.

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4. Por que é tão importante essa vitória da esquerda? 

Não há precedentes de um governo de esquerda na Colômbia. Por isso, tudo que Petro trouxer como parâmetro de governabilidade será referência contra ou a favor dos governos anteriores. As apostas e expectativas são enormes, embora o novo governo esteja herdando um cenário caótico deixado pelo governo de pandemia e neoliberalismo. Será um governo de reconstrução nacional, em grande medida, com muitos limites.

Será a oportunidade, no entanto, de mostrar para comunidades abandonadas pelo país o que é possível fazer e mudar na relação com um governo mais plural e determinado a favorecer estas populações ignoradas pelos governos de direita. O tema da reforma agrária foi muito enfatizado e pode ter muito impacto para as populações periféricas e tradicionais que preferiram Petro.

Também será a oportunidade de mostrar como garantir a pacificação nacional sem a visão hipócrita dos governos que desmobilizaram a guerrilha de esquerda, mas favoreceram a atuação dos paramilitares de direita.

Além da reforma agrária, Petro e Francia falam em pautas polêmicas, com apelo na sociedade colombiana, como a descriminalização do aborto, a legalização das drogas e a cobrança de impostos dos mais ricos. Medidas para reduzir a violência policial também está no alvo, embora todas essas dependam de muito acordo com a oposição.

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5. Qual a importância da Colômbia no continente? 

A Colômbia é a terceira economia sul-americana, apresentando-se inferior somente a do Brasil e da Argentina, embora a desigualdade de renda seja prevalente e a riqueza seja mal distribuída. 

Sua economia está dividida em 13,9% para agricultura, 55,8% para serviços e 30,3% para indústria. Os principais produtos de exportação nacional são café e petróleo. O narcotráfico é outra atividade marcante no país. Atualmente, a Colômbia é a maior produtora mundial de cocaína (estima-se que esse país seja responsável por 80% da produção mundial dessa droga).

O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é considerado alto para os padrões do continente (0,689), com expectativa de vida em 72,5 anos e alfabetização da população em 92,8%. Os números oficiais de 2014 indicam que cerca de 28,5% dos colombianos viviam abaixo da linha da pobreza e cerca de 8,1% em “extrema pobreza”.

O país possui a segunda maior população da América do Sul, que é constituída a partir da mistura entre índios, africanos e europeus, sobretudo, espanhóis. Essa diversidade representa um rico patrimônio cultural. A diversidade ecológica também torna a Colômbia um dos países mais ricos biologicamente, com maioria de florestas tropicais.

Desde 1960, as forças do governo, os rebeldes de esquerda e paramilitares de direita têm estado envolvidos nos conflitos armados mais duradouros do continente. Alimentado pelo tráfico de cocaína, o conflito cresceu dramaticamente nos anos 1980. No entanto, na década de 2000, a violência diminuiu significativamente. Muitos grupos paramilitares se desmobilizaram como parte de um controvertido processo de paz com o governo, e os guerrilheiros perderam o controle em muitas áreas onde outrora dominavam. 

A Colômbia, durante muitos anos, teve uma das maiores taxas de homicídio do mundo, sendo reduzida quase pela metade entre 1993 e 2005. Assassinatos de sindicalistas também foram significativamente reduzidos desde a década de 1990, mas continuam a ser ameaçados e assassinados. 

As boas relações da Colômbia com a Venezuela favorecem uma reaproximação, que reduz a influência americana sobre o continente. Os governos de direita sempre garantiram uma presença militar e comercial americana influente naquele país, tornando-se uma base ameaçadora para outros países não alinhados a Washington. Depois do Chile, a Colômbia é o país do continente que mais investe em suas forças armadas.

A reaproximação com outros governos de esquerda, como a Venezuela e Cuba, países vizinhos afastados pela relação subordinada com os EUA, pode favorecer a todas as partes. Assim como um olhar mais atento para os vizinhos sul-americanos, que também estarão, em sua maioria, sendo governados pela esquerda. A Colômbia, frequentemente, dificultava acordos entre os colegas de bloco, por estar alinhada com os EUA. 

Uma prova dessa mudança é o desespero dos Bolsonaros com as dificuldades que virão, agora, na relação com o governo de esquerda. Com a eventual derrota de Bolsonaro para Lula, restarão apenas Equador (Guillermo Lasso), Paraguai (Mario Abdo Benítez) e Uruguai (Luis Alberto Lacalle Pou) governados pela direita. Sendo que estes também enfrentam crises e instabilidades. A solidez dos governos conservadores e elitistas na Colômbia tornavam-na um pilar inquestionável da direita no continente.

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