“Carinhas pretas e indígenas” não bastam, é preciso projeto antirracista

Seminário antirracista revela a ambição de mulheres, negros, indígenas e LGBT+ na disputa por representatividade nas instituições democráticas para a luta de classes que leve em consideração questões de gênero, raça, etnia e orientação sexual.

A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB-BA) durante sessão plenária na Assembleia Legislativa.

A deputada federal Jandira Feghali (RJ), vice presidente nacional do PCdoB, saudou o Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional promovido pelo PCdoB, Fundação Maurício Grabois e Instituto Castro Alves, realizado de forma online nos dias 3 e 4 de junho.

Ela ressaltou, especificamente, a importância para o debate partidário do quinto painel “A luta por maior representatividade de pessoas negras e indígenas no sistema de representação política brasileiro”, com participação de Rosane Borges, professora, doutora e pesquisadora USP, o cacique Aruan Pataxó, Jô Oliveira, mestra em Serviço Social e vereadora do PCdoB, em Campina Grande (PB) e a moderação de Walkiria Nichteroy, vereadora de Niterói (RJ).

A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB-BA), organizadora do seminário, destacou a conquista na última reforma da lei eleitoral aprovada, em que os partidos políticos incentivem a eleição de mais mulheres e negros. Ficou determinado que os votos dados para mulheres e negros, para a Câmara dos Deputados, nestas eleições de 2022 até 2030, serão contados em dobro para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e o fundo de financiamento de campanhas. 

Eleger bancadas negras é tarefa nacional contra o racismo estrutural

Walkiria Nichteroy, vereadora de Niterói (RJ), diz que a questão da representatividade negra no Congresso Nacional não é meramente estética como parece em algumas argumentações rasas. “Afinal, vemos pessoas pretas no parlamento que não defendem a luta antirracista. Queremos representatividade porque construimos o Partido, nos somamos e porque nossa experiência como negros, indígenas e mulheres na sociedade nos faz olhar o mundo de um modo diferente, e é muito importante que o Partido Comunista seja capaz de absorver esses olhares”, disse.

Disputar a agenda política

Jô Oliveira, vereadora de Campina Grande (PB), disse como é difícil convencer lideranças sociais a entrar para a política, esse “não-lugar” comum da corrupção e dos interesses pessoais que não levam em conta a coletividade.

Ela também considera que representatividade não é “só estar lá”, o corpo e a estética, mas representar o compromisso político de quem defendem. “Se dizemos que a classe trabalhadora tem gênero e raça demarcados, é porque sentimos isso, todo dia. É uma luta pela sobrevivência de negros e negras e de povos originários”, disse a parlamentar.

Mesmo com dificuldades, ela diz que é importante qualificar o debate e a prática política pela construção de respostas. “Precisamos assumir o compromisso de disputar as agendas políticas do próximo governo, perpassadas por questões de raça, gênero e classe. Não se trata de identitarismo”, salientou ela.

Para ela, a questão da representatividade vai além de, no processo eleitoral assegurar reserva de vagas, falar do repasse de recursos para campanha e do tempo de TV. “Que esse debate antirracista não seja uma discussão pontual em momentos estratégicos, mas que seja parte da estratégia de superação dessa conjuntura que vivenciamos”.

Luta antirracista deve estar em todas as esferas do novo projeto

O enfrentamento indígena ao coronelismo

O cacique Aruan Pataxó é presidente da Federação das Nações Pataxó e Tupinambá do extremo sul da Bahia, da Mupoiba, Movimento Unidos Povos e Nações Indígenas da Bahia e Miba, Movimento Indígena da Bahia, além de presidente do PCdoB de Santa Cruz Cabrália. Ele mencionou a diversidade de povos com 305 etnias e 254 línguas faladas no Brasil.

O cacique lembrou como a representação indígena deixou um marco histórico com o deputado xavante do PDT, Mário Juruna, entre 1983 e 1987. Desde então, os indígenas vão voltar a ter representação relevante com Joênia Wapichana (Rede-RR), com seu “papel belíssimo” na Câmara, que fortalece a defesa dos povos indígenas por direitos.

Mas ele admite que a sub-representação indígena está relacionada com o ceticismo desta população com a política. Foi em 2012, no entanto, que houve um despertar, na Bahia, em assembleia que decidiu pela participação na política partidária. Ele relatou que, este ano, deve sair em todo o Brasil um quantitativo alto de candidaturas indígenas, mostrando força para a disputa eleitoral. 

A luta contra o racismo é parte fundamental da luta de classes

São candidaturas que enfrentam dificuldades com os “coronéis” que não querem deixar haver a participação indígena em eleições, para não chegar aos espaços de poder de decisão. “Tentam dividir nossos povos para não conseguirmos eleger. Além disso, há a abertura de territórios para igrejas evangélicas, que influenciam que muitos indígenas votem em Bolsonaro”, lamentou.

Quando os direitos sociais de povos indígenas estão sendo atacados no campo da política, Aruan lembra que eles têm atuado de forma contundente contra o governo Bolsonaro, dizendo que são contra essa política destruidora dos direitos. Ele mencionou a luta de repercussão internacional contra o PL 149, que estabelece o marco temporal, que tira a garantia de direitos após o período estabelecido (a Constituição de 1988), e o PL 191, que permite a mineração em terras indígenas.

Ele citou a oportunidade de ter mais de 300 indígenas nas universidades UFBA e mais de 400 na UNEB, com bolsa permanência, em 2013, com Dilma. Ele considera este um recorte de políticas públicas com uma inclusão muito importante.

Eleição para indígenas é mais difícil que para outros segmentos, avalia ele, considerando a localização e a especificidade da língua, entre outros fatores. “Além disso, existe o clientelismo do troca-troca de cimento, cesta básica, R$ 50 ou cem reais no período eleitoral, e depois tem a preocupação de quem vai para o espaço de poder tirar o couro das costas de quem não teve a consciência política de colocar os seus representantes por um projeto”, concluiu.

Não há democracia sem a inclusão da população negra

O avanço em meio ao reacionarismo

Rosane Borges, professora de Ciência da Comunicação, especialista da representação negra nos espaços de poder, contextualizou como a eleição de 2018 mostrou a ascensão da extrema-direita pelo voto, mas também o aumento da representatividade de mulheres negras nos pleitos para deputadas. Ao mesmo tempo, igrejas evangélicas pentecostais, com presença ostensiva nas periferias, jogaram papel protagonista na presença de representações em espaços de poder.

Segundo o Congresso em Foco, naquele momento, foram eleitas 1.237 mulheres negras aptas a disputar cargos eletivos. Segundo Rosane, a morte de Marielle Franco gerou e acelerou um movimento de representatividade de mulheres negras, especialmente no Rio de Janeiro. Foi também o ano em que surgiram coletivos feministas, agrupamentos de jovens negros, reposicionamento das discussão relativas a gênero e renovação das pautas dos movimentos de moradia, entre outros. “As mandatas coletivas, discutidas desde 2014, elegem mulheres negras, pessoas trans e pessoas LGBT+ como um sopro de esperança para o figurino democrático”.

Rosane considera fundamental, em 2022, haver uma avaliação da contribuição que as mulheres negras aportam após este avanço eleitoral. “A luta das mulheres negras não é identitária. Identitário é Bolsonaro, que diz que a minoria tem que se curvar à maioria, de maneira bem beligerante. Ele não está falando da minoria do voto, mas de pretos, ‘feministas que não se depilam’, quilombolas, indígenas, gays, que ele diz que sequer existem no seu governo”, enfatiza.

“Quando disputamos vaga nos partidos, não estamos querendo apenas que nossas carinhas pretas estejam nesses espaços, mas sinalizamos para uma deformação democrática que existe desde os gregos”, ponderou. 

Autor