Sindicato de Jornalistas tem vitória histórica contra Bolsonaro

O presidente foi condenado a pagar R$ 100 mil por dano moral coletivo à categoria dos jornalistas após decisão judicial inédita.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Thiago Tanji. Foto: Cezar Xavier

No Dia Nacional da Liberdade de Imprensa as(os) jornalistas conquistaram uma vitória histórica contra Jair Bolsonaro. Em decisão disponibilizada nesta terça-feira (7), a juíza Tamara Hochgreb Matos, da 24ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, condenou o atual presidente da República a pagar R$ 100 mil a título de indenização por dano moral coletivo à categoria. Ainda cabe recurso da sentença.

Em 7 de abril do ano passado, Dia do Jornalista, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) ingressou com uma Ação Civil Pública contra Bolsonaro. O Sindicato pleiteava à Justiça que o presidente em exercício se abstivesse de realizar novas manifestações com “ofensa, deslegitimação ou desqualificação à profissão de jornalista ou à pessoa física dos profissionais de imprensa, bem como de vazar/divulgar quaisquer dados pessoais de jornalistas”. Também exigia indenização de R$ 100 mil, em favor do Instituto Vladimir Herzog. 

O coordenador jurídico do Sindicato dos Jornalistas, Raphael Maia, responsável por preparar e peticionar a ação civil pública considerou a decisão judicial uma vitória enorme para os jornalistas e para o movimento sindical brasileiro. “Não conheço algum caso semelhante em que uma entidade sindical conquistou uma condenação por dano moral coletivo de uma categoria a um presidente da República em pleno exercício do mandato”.

Ouça a entrevista completa:

Para Thiago Tanji, presidente do SJSP, a decisão em primeira instância da Justiça deve ser um marco para toda a categoria. “Neste Dia da Liberdade de Imprensa, não temos muito a comemorar. (…) Ao conquistarmos essa decisão judicial favorável, lembramos que a dignidade e a verdade vencerão o ódio e o obscurantismo. Bolsonaro elegeu os jornalistas como inimigos, portanto, esta é uma vitória de todos os jornalistas, e não deixa de ser uma vitória do movimento sindical, também”, disse ele, em entrevista ao portal Vermelho.

Ele destaca na decisão da magistrada a incompatibilidade dos ataques e da linguagem de Bolsonaro com o cargo que ocupa. “Um chefe de estado que faz ataques misóginos e homofóbicos com impacto de ser um presidente da República que influencia seus seguidores”. “Fica bem claro que ele foi condenado por ataques a jornalistas e que isso não se repita, ainda que seja simbólico, já que Bolsonaro não respeita nem o STF. Importante para a gente é mostrar que nossa categoria está unida em torno de seu sindicato e vai continuar junta para responder à altura”, completou.

A decisão judicial

Na decisão (disponibilizada na íntegra neste link), a magistrada relembrou diferentes ataques de Bolsonaro a jornalistas. “Com efeito, tais agressões e ameaças vindas do réu, que é nada menos do que o Chefe do Estado, encontram enorme repercussão em seus apoiadores, e contribuíram para os ataques virtuais e até mesmo físicos que passaram a sofrer jornalistas em todo o Brasil, constrangendo-os no exercício da liberdade de imprensa, que é um dos pilares da democracia”, destaca um dos trechos da decisão.

A juíza Tamara Matos também cita diferentes declarações homofóbicas e misóginas de Bolsonaro contra jornalistas, como insinuação de que mulheres só conseguem furo jornalístico se seduzirem alguém, uso de piadas homofóbicas e comentários xenófobos, expressões vulgares e de baixo calão, além de ameaças e incentivo a seus apoiadores a agredir jornalistas.

O monitoramento realizado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) sobre os ataques políticos a jornalistas mostra que, em 2020, só o presidente proferiu 175 ataques à imprensa. “A vontade é encher tua boca com uma porrada, seu safado”, é uma das frases do presidente citadas contra repórter do jornal O Globo, ao questionar indícios de irregularidades financeiras envolvendo a esposa de Bolsonaro.

A Fenaj também elenca ataque homofóbico, como quando Bolsonaro disse que um jornalista teria “uma cara terrível de homossexual”, ou ataques misóginos, como no episódio com a jornalista Patrícia Campos Mello, insinuando que ela teria oferecido favores sexuais em troca de informações, na ocasião, Bolsonaro disse que ela queria “dar o furo”.

Tanji relata que o sindicato tem uma Comissão contra a Violência ao Jornalistas que apoia estes profissionais que queiram reagir judicialmente, principalmente, porque muitos não têm vínculo empregatício com empresas e ficam expostos. Além disso, ele conta que a entidade lançou um documento que pactua com as pré-candidaturas parlamentares e governamentais o respeito ao trabalho dos jornalistas, para antecipar esse debate.

“O réu manifesta, com violência verbal, seu ódio, desprezo e intolerância contra os profissionais da imprensa, desqualificando-os e desprezando-os, o que configura manifesta prática de discurso de ódio, e evidentemente extrapola todos os limites da liberdade de expressão garantida constitucionalmente.”

Desta maneira, a decisão judicial confirma o assédio moral coletivo contra a categoria de jornalistas, atentando contra a liberdade de imprensa e contra a democracia, prevendo o pagamento de indenização de R$ 100 mil reais a ser revertida para o Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos. 

A defesa do presidente alegou na ação, em argumentos que não foram aceitos pela juíza, que seus comentários não são ilícitos e representam apenas o seu direito de crítica a reportagens que, na sua visão, não representavam a verdade dos fatos, e que eram ofensivas e atentatórias à sua própria reputação.

Para Tanji os termos da defesa foram vagos e frágeis. “Afinal, que liberdade de expressão é essa que ataca, ofende, agride. Na condição de chefe de estado, com um enorme holofote, ele ameaça e despreza jornalistas, comete crimes como homofobia, misogia e ameaça a mulheres. Isso não é liberdade de expressão. Nós, como jornalistas, também não podemos publicar qualquer coisa, pois seremos responsabilizados, porque a liberdade de expressão precede alguns direitos e garantias”.

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