Conferência pelo Direito à Cidade pauta luta contra os despejos

Evento será realizado nos dias 3, 4 e 5 de junho com movimentos sociais, organizações e entidades de Arquitetura e Urbanismo. Lideranças falaram ao Vermelho sobre as expectativas, durante a Marcha de abertura.

Conferência Popular pelo Direito a Cidade começa com marcha dos movimentos sociais pelo centro de São Paulo.foto: Cezar Xavier

Uma marcha de movimentos e entidades sociais ocupou as ruas do centro histórico de São Paulo, passando por várias ocupações de prédios abandonados. Uma das paradas foi em frente ao edifício Wilson Paes de Almeida, que incendiou-se e desabou deixando sete mortos, dois desaparecidos e dezenas de famílias desabrigadas no Largo do Paissandú. Um dos líderes da ocupação, Benedito Barbosa, o Dito, da CMP (Central de Movimentos Populares), falou da situação precária que as famílias estão, desde o dia 1º de maio de 2018.

A marcha marcou a abertura da Conferência Popular pelo Direito à Cidade, que começa na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, nesta sexta-feira (3) e vai até domingo (5). Movimentos sociais, organizações e entidades de Arquitetura e Urbanismo estarão reunidos no evento, que conta com o apoio de aproximadamente 300 entidades, de todo o país. Haverá seminários, reuniões e demais atividades, sempre abordando a Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS) nas gestões municipais, estaduais e nacional.

Lideranças de movimentos e entidades falaram ao portal Vermelho sobre o objetivo do encontro de construir, democraticamente, uma plataforma de lutas urbanas voltada para o combate à desigualdade social e à predação ambiental, por meio de uma articulação nacional de agentes, atores e entidades vinculados à vida urbana e produção das cidades, tendo em vista as eleições de 2022, e a importância de pautar os temas do movimento no pleito presidencial.

Getúlio Vargas Junior, da Conam

Getulio Vargas Junior, o presidente da Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores), que faz parte da comissão organizadora da conferência tem a expectativa de “incendiar o país e colocar a pauta urbana na ordem do dia”. Este sentimento se deve ao fato desta conferência ter sido construída a partir de mais de 600 organizações envolvidas, mais de 230 eventos preparatórios, articulação e mobilização de diversos movimentos novos, organizações tradicionais da luta pela moradia e pelo o direito a cidade de todo Brasil.

Getúlio quer que a conferência construa propostas que vão além de uma plataforma eleitoral progressista, mas que aponte para a necessidade de um fórum de espaços permanentes de construção dessa política urbana. “Para nós, essa conferência cumpriu seu papel com seus mais de 600 delegados, a maioria de mulheres, representando regiões de todo o país, com grande e expressiva delegação da população preta desse país”, diz o dirigente da Conam.

Algo que vem de todo os debates preparatórios, de acordo com Getúlio, é a compreensão de que é fundamental derrotar Bolsonaro e o atraso que ele representa. Desde a 2a. até a 5a. Conferência Nacional das Cidades, a principal deliberação é a construção do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, que ficou inviabilizada neste governo.

“A gente chega aqui com muita energia e vontade de construir uma plataforma mudancista e transformadora, que sirva para que a gente siga debatendo com nossas bases, derrotemos em outubro o bolsonarismo e, a partir de 2023, colocar como uma pauta fundamental do próximo governo uma agenda para superar essa visão da cidade como mercadoria e garantir moradia como direito”.

Getúlio apontou o aprofundamento de crises durante a pandemia, que tornam a conferência ainda mais urgente. A pandemia propiciou a necessidade e organização, em nível nacional, da campanha Despejo Zero. No entanto, a luta dos movimentos é para prorrogar a ADPF 828 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), que suspende os despejos até 30 de junho.

“A gente precisa fazer medidas e ações que sensibilizem o STF, para que essa ADPF seja prorrogada e para que a gente não seja vítima, a partir de 30 de junho, com o arrefecimento da pandemia de covid-19, de uma imersão numa pandemia de despejos.”

Ivaniza, da UNMP, em frente à Bovespa, onde foi feito um protesto contra a especulação imobiliária

Ivaniza Rodrigues, militante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), explica que a conferência quer trazer para a um fórum coletivo diversas lutas e atores sociais que acontecem nos territórios. Ela cita a luta por moradia, pelo saneamento, transporte, por comida, por uma vida mais digna, por segurança pública e por cultura. E menciona os atores que atuam nas cidades, como os movimentos populares, as mulheres, os negros, os indígenas. “A conferência é um grande caldeirão para construir coletivamente, de baixo para cima, uma agenda urbana da urgência que nossas cidades vivem hoje”.

Ivaniza lamenta o fim do Ministério das Cidades, uma instância governamental que servia de interlocução com os movimentos, que reunia todos os agentes sociais para a construção de políticas públicas. Mas ela também revela que os movimentos foram proativos em ignorar o atual governo e buscar suas iniciativas de mobilização e pressão social.

“Desde o inicio do governo Bolsonaro, todas as instâncias de diálogo e participação social foram extintas. Nós resolvemos não esperar a convocação desse governo fascista, porque ela não aconteceria. Nossa conferencia é popular, é feita a partir do povo. Reivindicamos que num novo governo se abra espaço de diálogo, discussão e coordenação, e que a gente possa construir políticas públicas com a participação das pessoas”, disse.

Representando a coordenação do Movimento de Luta de Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Cleber Santos, destacou como nos últimos anos foi promovida uma política de destruição dos programas habitacionais do país. “Além do desemprego, da fome e da miséria, o déficit habitacional só aumenta e o governo ainda destrói o pouco de programa habitacional que tem”, critica ele.

Ele observa que a Conferência das Cidades também foi uma política destruída por esse governo. “A participação popular é importante para fortalecer o povo pobre, trabalhador e sem teto”, disse.

Cleber contou que, no período da pandemia, a situação dos sem-tetos piorou com o desemprego, sem condições de pagar aluguel. Com isso, essas pessoas começaram a se organizar de forma espontânea para fazer ocupações, porque não tinha mais condições de ter moradia digna. “A opção foi ir à luta. Nós mesmos, do MLB, fizemos mais de 20 ocupações a nível nacional. Piorou a vida do povo pobre, trabalhador e sem teto, mas por outro lado, uma parcela desses sem teto se organizaram e aumentarm sua luta”, ponderou.

Ronaldo Coelho, assessor jurídico da Habitat Brasil

O assessor da Associação Habitat para a Humanidade – Brasil, Ronaldo Coelho, que faz parte da coordenação do Fórum Nacional para Reforma Urbana, veio de Recife, onde a região metropolitana tem sido atingida por chuvas intensas, causando uma tragédia humanitária. Já são 123 mortes e sete mil desabrigados, “numa demonstração da ineficácia de políticas públicas e ausência de política habitacional”.

Ele tem a expectativa de que esta conferência popular ajude a formular um documento que apresente propostas para uma cidade mais justa e solidária no contexto brasileiro. “Que essas propostas sejam a voz de uma parcela da população, que sempre foi deixada à margem da sociedade. Quando tem chuva demais, no país todo é assim. A população tem que ser ouvida e a sociedade precisa se mobilizar”, disse ele.

fotos: Cezar Xavier

Autor