Vender a Eletrobras é parte da ilusão de que setor privado faz melhor

Para Roberto D’Araújo, regulação ruim do modelo energético adotado atrapalha o papel estratégico da estatal para o país.

Mercado privado está de olho no lucrativo setor elétrico brasileiro

O membro do Conselho de Administração de Furnas no início do governo Lula, Roberto D’Araújo, foi o convidado do Seminário “O Desmonte do Setor de Energia – Petrobras e Eletrobras – e os Caminhos para a sua Reconstrução”. O engenheiro eletricista enfatizou uma constatação, ainda do início daquele governo, de que mais que privatizar estatais, o que os neoliberais estavam conseguindo era impor, pela política e pela mídia, uma ideologia de que o mercado é melhor regulador de serviços essenciais. Ele mostrou como isso não passa de um meio de beneficiar o lucro privado em detrimento da nação.

O debate sobre a crise do setor energético no Brasil discutiu os desafios para a sua recuperação, nesta segunda (30), tratando mais especificamente do caso da Eletrobras, em vias de privatização, no próximo dia 13 de junho. Uma entrega de patrimônio público que foi lamentada por todos os palestrantes do debate pelo papel estratégico que a empresa tem para o desenvolvimento nacional.

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A palestra de 24 minutos do estudioso Roberto D’Araújo começa em 1h4m:

É só respeitar o estatuto

O professor fica extremamente incomodado com o debate sobre o preço de venda da Eletrobras, que ele considera “mais um sete a um” contra o Brasil, por admitir vender algo que não deveria ser vendido. Além disso, aponta os disparates entre avaliações de preço do mercado e do governo.

Ele mostrou um relatório de 2003 do Genese (Grupo de Estudo da Nova Estruturação do Setor Elétrico), liderado por Luiz Pinguelli Rosa, em que ele defende que a privatização não era o único processo em curso, mas a ideologia de que o mercado é melhor regulador de serviços essenciais. “Tivemos soluções, mas, infelizmente, não fomos ouvidos. Mas eu não desisto”.

Ele mostrou como o mercado de energia elétrica é lucrativo, por ter baixas taxas de operação. A regulação ruim do modelo adotado permite apropriação de renda indevida por quem está nesse mercado. Outro dado apresentado revela que há um déficit de oferta que poderia ser coberto com investimento em mais uma usina geradora. 

Roberto explicou como o modelo definido por Fernando Henrique determina um custo para energia, mesmo que ela não seja vendida, favorecendo uma lucratividade que torna atrativo para o agente privado e as termelétricas entrarem. Não fosse o alto custo, mesmo com farta geração, as termelétricas não aceitariam entrar, porque não poderiam esperar o custo da energia chegar a seu patamar. “Nenhum mercado do mundo tem variação de 2.200%, mas a gente vai naturalizando e se acostumando com isso”.

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Ele demonstra também como o setor privado não tem investido nada em geração de energia, preferindo incorporar as termelétricas. Com isso, se questiona que sentido fará entregar a estatal para privados. Ele ainda revela o atraso do Brasil em energias eólica e solar (12%), enquanto a Dinamarca já tem 70% de eólica em sua matriz.

A partir de 2012, há uma dependência tripla pelas usinas térmicas, devido a falta de interesse em investimento em outras fontes mais baratas. Ele criticou o desrespeito ao estatuto da Eletrobras pelos governos, que em vez de compensar as diferenças entre mercado e operação, prejudicou ainda mais a empresa. 

FHC obrigou a Eletrobras a comprar as distribuidores desprezadas pelo setor privado. Para isso, teve que se endividar com um fundo de Reserva Global de Regulação (RGR) e ainda teve que gerar energia gratuita para o mercado livre (grandes consumidores empresariais), o que encarece a energia para o mercado cativo, formado pelo consumidor residencial. “Depois disso, veio a termificação com ampla contratação pelo setor privado, a preços ruins, de usinas movidas a diesel, em pleno século XXI”, diz D’Araújo.

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Para ele, mais que discutir a privatização, é preciso entender a Eletrobras como uma empresas desmontada. Ele lembrou que a argumentação de que a empresa era cabide de emprego, é falaciosa por provar que ela sempre teve menos funcionários que as empresas privadas. O Brasil, segundo ele, é o único país que exige que as usinas amortizem tarifas para as empresas. Isso derruba o preço da Eletrobras, também.

O engenheiro eletricista Roberto D’Araújo é diretor do Instituto Ilumina. Com mestrado em Engenharia de Sistemas e Controles pela PUC/RJ, fez pós-graduação em Power Systems Operation & Planning (Waterloo University – Canadá) e estágio técnico na Bonneville Power Administration (Oregon – EUA). Foi chefe da Assessoria de Métodos e chefe de Departamento de Estudos Energéticos e de Mercado de Furnas Centrais Elétricas, além de membro do Conselho de Administração de Furnas, de 2003 a 2005. 

Eletrobras precisa retomar capacidade de gerar excedente

Com esta mesa de debates, a Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Claudio Campos, encerrou o Seminário “O Desmonte do Setor de Energia – Petrobras e Eletrobras – e os Caminhos para a sua Reconstrução”. 

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