Osso e carcaça de frango: Lula critica fome no país que mais exporta carnes

O ex-presidente Lula lamentou que sua iniciativa de acabar com a fome tenha sido revertida por Bolsonaro. Ele se encontrou com autores de cartas que recebeu na prisão, durante o lançamento do livro Querido Lula.

Lula durante lançamento de livro de cartas recebidas na prisão. Foto: Cezar Xavier

A uma plateia de artistas, políticos e admiradores que foram ao teatro Tuca na noite da terça-feira (31), o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva criticou o cenário de fome e miséria que o Brasil expõe ao mundo, mesmo sendo um dos maiores exportadores de produtos agrícolas e proteína animal do mundo.

Durante o lançamento do livro “Querido, Lula”, com cartas destinadas a ele durante o período da prisão, ele ouviu relatos de pobreza extrema de pessoas que relatam ter recebido em seu governo a oportunidade para superar essas mazelas realizar sonhos. Muito emocionado, Lula se disse ainda mais sensível com as questões sociais e afirmou não ser possível as pessoas naturalizarem que haja nas ruas de São Paulo, por exemplo, pessoas dormindo ao relento no frio e outros tantos sem ter o que comer. Seu discurso dialogou com o conteúdo da maioria das cartas recebidas por ele.

“Temos obrigação de ficarmos indignados quando a gente passa nos viadutos de São Paulo e vê mulheres e crianças dormindo ao relento. Pessoas pedindo o que comer. A gente não pode encarar como normal. Eu não estou mais radical, estou mais consciente de que num país que é terceiro produtor de alimento e primeiro produtor de proteína animal, as pessoas ficarem atrás de osso, atrás de carcaça de frango, atrás de pescoço de frango, atrás de pé de frango, as pessoas sem ter o que comer de manhã, de tarde e de noite. Como é possível a gente achar normal que num país que tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados, com milhões e milhões de terras agricultáveis, uma criança ir dormir sem um copo de leite”, indignou-se.

Lula se emociona com leitura das cartas que recebeu na prisão

Ele também falou da pobreza no país, afirmando que as pessoas estão se endividando no cartão de crédito para comprar comida, não para parcelar produtos supérfluos. Ele considera os juros uma “expropriação” da renda do povo. “Eu jamais imaginei que a gente ia voltar a ter a pobreza que nós temos”, completou Lula. “As pessoas estão se endividando para comprar cesta básica, que mundo é esse, gente?” 

Ignorância gera um Bolsonaro

Fot: Cezar Xavier

Seu discurso é considerado um dos mais duros contra o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), desde que despontou como pré-candidato da frente Vamos Juntos Pelo Brasil. Ao defender a educação, Lula chegou a afirmar que o atual presidente é resultado da ignorância, chamou o orçamento secreto de “podridão” e falou em “derrotar o fascismo para recuperar a democracia no país”.

Disse estar mais maduro e consciente sobre os problemas do Brasil e sobre a necessidade de fazer mais do que foi feito nos oitos anos de seus dois mandatos e em todo o período dos governos do PT. Ele afirmou que colocar os jovens para estudar não é uma opção, mas uma necessidade do Brasil porque nenhum país do mundo conseguiu ser independente, rico e soberano sem investir na educação.

Lula defende amar e cuidar do povo em contraponto ao ódio bolsonarista

“Tem uma coisa na minha cabeça mais forte do que eu já vivi em qualquer outro momento. Primeiro estou mais consciente, segundo estou mais maduro, terceiro, tenho consciência de que é possível fazer mais do que eu fiz porque estou mais esperto do que eu era. (…) Colocar mais jovens para estudar não é uma opção, é uma necessidade desse país. Nenhum país do mundo conseguiu ser independente, rico e soberano sem investir na educação. A ignorância não gera um estadista, gera um Bolsonaro”, afirmou.

Ele criticou até o presidente norte-americano, Joe Biden, que segundo o ex-presidente estaria enfrentando uma crise de falta de leite em pó para bebês, em seu próprio país, enquanto destina bilhões de dólares para a guerra na Ucrânia.

Gente muito ruim

Pré-candidato ao Palácio do Planalto, Lula aparece na liderança em todas as principais pesquisas eleitorais, depois de ter sido impedido de disputar em 2018 para favorecer a candidatura de Jair Bolsonaro. Nos mais recentes levantamentos, o petista reúne intenções de voto suficientes para vencer a disputa ainda no primeiro turno.

Movimentos sociais querem Lula para retomar políticas públicas

Apesar disso, Lula fez nova advertência alertando para os perigos da campanha eleitoral. “Estamos enfrentando gente muito ruim. Estamos lutando contra os matadores da Marielle, contra os milicianos, contra pessoas que não têm medo de matar gente inocente.” 

Ele afirmou que as ameaças recentes de golpe feitas por Bolsonaro não devem ser concretizadas na prática porque a baixa adesão ao discurso golpista será mostrada nos resultados das urnas.

“Não adianta o Bolsonaro dizer ‘Ah, eu vou dar o golpe’. ‘Ah, só Deus me tira daqui’. ‘Ah, eu não vou dar a faixa’. Como eu acredito que a voz do povo é a voz de Deus, a voz do povo vai tirar ele de lá’”, disse Lula.

O ex-presidente afirmou ainda que não será derrotado por fake news divulgadas pelo ex-capitão e seus aliados durante a campanha eleitoral. Para ele, portanto, as mentiras que circulam no WhatsApp e no Telegram, uma das principais preocupações do Tribunal Superior Eleitoral neste pleito, terão poucos efeitos práticos no resultado final da eleição.

Lula abraça Janja cercado de artistas e amigos. foto: Cezar Xavier

Genivaldo

No evento, Lula ainda criticou Bolsonaro por não prestar solidariedade a vítimas de tragédias recentes. “Vocês viram o atual presidente chorar por alguma morte de gente com covid? Vocês viram o presidente chorar por alguma pessoa que morreu nesses acidentes todos e na chacina muitas vezes causada pela polícia? A violência na polícia hoje é a ausência do estado no cumprimento das suas funções”, indagou Lula.

Ele mencionou a morte de Genivaldo de Jesus em uma espécie de câmara de gás montada em uma viatura da Polícia Rodoviária Federal, no Sergipe. No início desta semana, Bolsonaro chamou Genivaldo de ‘marginal’, defendeu as ações da PRF e pediu tratamento ‘isonômico’ no caso. 

Durante a pandemia, não foram poucas as vezes que o presidente minimizou as mortes causadas pela doença. Na mais conhecida, ele chegou a afirmar não ser coveiro para ficar comentando os números.

A menção à chacina recente causada por uma operação policial na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, também vem acompanhada de Bolsonaro celebrando a atuação letal dos policiais, alegando que eles só matam bandidos. 

Ainda constam as afirmações de Bolsonaro sobre as fortes chuvas que assolaram diferentes estados desde o início do ano. Em uma ocasião, afirmou faltar ‘visão de futuro’ para quem constrói casas próximas aos rios.

“Estamos lutando contra gente muito ruim, lutando contra os matadores da Marielle, lutando contra os milicianos, lutando contra as pessoas que não têm medo de matar inocente, pessoas que não têm medo de fazer com o Genivaldo o que a Polícia Rodoviária Federal fez em Sergipe”, disse Lula.

“Eu não tenho idade para ter medo. Por isso, nós vamos juntos, para derrotar o fascismo e recuperar a democracia neste país.”

Espetáculo lança “Querido Lula: cartas a um presidente na prisão”

Foto: Cezar Xavier
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