História do voto: vontade ou controle do povo?

É necessária uma mudança de verdade, na forma das pessoas pensarem em quem votar e não apenas na maneira de votar

Uma campanha estimulando os jovens a tirar o título de eleitor foi promovida de forma mais ou menos espontânea nas redes sociais, personalidades de diversos partidos defenderam a ação, posto que nenhum partido vai ser contra um jovem tirar o título de eleitor. Mesmo assim, questiono porque não há a mesma preocupação em discutir o que fazer com esse documento, o papel de um eleitor em uma democracia ou que deveria ser realmente uma democracia, além de pensarmos sobre o modelo ideal de debates políticos e campanhas eleitorais, livres de brigas de egos e desmoralização da figura alheia, mas uma disputa de propostas e projetos de país.

Em 1532, o Brasil tem o primeiro registro de votação, mesmo sendo uma legislação orientada de Portugal. O voto era indireto e as autoridades do reino de Portugal eram proibidas de comparecer aos locais onde estava havendo a votação para não intimidar os eleitores. As eleições tinham o objetivo de eleger conselhos municipais, algo que se estendeu até 1821, quando foi ampliada a votação do povo, eles poderiam votar não apenas no âmbito local, mas também no regional. Nesse período, não existiam partidos e os analfabetos podiam votar, os eleitores só poderiam ser homens livres.

Possivelmente, uma motivação para isso foi a ida da família real ao Brasil em 1808, o que fez com que nosso país tivesse uma elite portuguesa e um imperador.

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Com o Brasil independente, foi criada a primeira legislação eleitoral por D. Pedro I em 1822, para eleger deputados por distritos eleitorais. Tem-se início formas de votação e consequentemente as fraudes e descasos com o povo. O voto era aberto e oral, as pessoas eram controladas e obrigadas a votar em quem prometeu ou as consequências viriam. Os analfabetos poderiam votar, na época, entre 70% a 80% da população brasileira era analfabeta, mas existiam algumas regras como: só os homens acima de 25 anos de idade e com salário anual de 100 mil reis, negros apenas os libertos, mas quais se encaixavam nesse critério financeiro? As pessoas que faziam parte da mesa (jurados) eram da elite, ou seja, havia uma falsa impressão de que o povo participava do processo eleitoral numa realidade na qual a elite revezava cargos para governar uma massa pobre que não podia escolher nada, pois diziam abertamente serem essas pessoas incapazes de escolher melhorias para o Brasil, coisa que a elite que se achava capacitada não fez. Curiosamente, há pobres defendendo a volta do Brasil Império, inclusive um descendente da família real foi eleito recentemente, Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), apoiador de Bolsonaro. Será se seus eleitores sabem como essa família, da qual eles se orgulham tanto, dava à massa pobre a falsa impressão de participar do processo eleitoral? Talvez o mesmo tenha ocorrido com seus eleitores ao ver o partido dele divulgar Fake News e dar ao povo a falsa impressão de mudança na política.

Já em 1881, a repressão eleitoral com o povo só aumentava, foi criada a Lei Saraiva ou Censitária, com isso, houve mudanças, foi nessa época que surgiu o título de eleitor para evitar as fraudes, porém não resolveu pois não tinha foto do eleitor, o voto era secreto, mas o requisito para os homens votarem tinham que ter uma renda anual de 200 mil reis, renda que tornava o voto permitido para imigrantes e não católicos. A lei supracitada é melhor compreendida pelo fato da abolição da escravatura gerar um medo na elite para a população negra poder votar, isso explica a proibição não disfarçada dos analfabetos não terem direito ao voto. A elite não queria popularizar o voto, tonar universal, para ter um controle maior sobre quem eleger. Alegavam que as pessoas pobres não tinham nenhum interesse em fazer boas escolhas para o Brasil, pois eram desinteressadas e desinteressantes, as mulheres, pobres, mendigos, menores de idade, soldados, indígenas, entre outros. Essas eleições eram diretas e serviam para todos os cargos eletivos do império: deputados, senadores, Assembleia Geral e Legislativas Provinciais, vereadores e juízes de paz. Percebam que a restrição das escolhas dos governantes por parte da elite fica cada vez mais evidente.

Na república velha, de 1889 a 1930, ocorrem novas mudanças, a renda não era mais um requisito para votar, o analfabeto perdeu o direito de votar, as mulheres, mendigos e os soldados continuavam sem direito de votar. Para obter tal direito, os eleitores deveriam ser maiores de 21 anos. A exclusão das mulheres e analfabetos era justificada por que, para a elite eram pessoas influenciáveis, por patrões, pais e maridos, na verdade era apenas uma desculpa para excluir os mais necessitados, a família pode e deve debater política e chegar a um acordo e votar em bom governante.

Na Revolução 1930, Getúlio Vargas dá um golpe para Júlio Prestes não assumir o poder e, com isso, ocorrem novas mudanças no sistema eleitoral. Em 1932, a constituição permitiu o voto das mulheres, mas não a todas, eram apenas as que trabalhavam e com carteira assinada, as donas de casa que tivessem autorização dos maridos para isso e as viúvas. Nessa época, também houve a instituição do voto secreto, criação da Justiça Eleitoral, Tribunal Superior Eleitoral e Tribunais Regionais Eleitorais. Com isso, os mendigos e os negros eram proibidos de votar e a idade foi reduzida para maiores de 18 anos. De 1937 a 1945, Vargas exclui todos os direitos de votos do povo, alegando que o brasileiro não tinha capacidade de votar, de escolher, e essa escolha foi dada para a elite. Mais uma vez, a elite é tratada como capaz de solucionar os problemas da nação e o povo é visto como incapaz disso, apesar da elite continuar sem resolver esses problemas. Cabe lembrar que nessa época milhares de pessoas morreram no Nordeste durante a seca e sem nenhum amparo de fato do estado. Em 1946, o voto foi estendido a todas as mulheres e passou a ser direto, mas os analfabetos e estrangeiros que não dominavam a língua portuguesa continuavam sem o direito ao voto.

Veio da ditadura, em 1964, e com ela novamente o direito ao voto foi excluído, pois a forma deles se manterem no governo era com a violência. Em 1985, período denominado de Nova República, trouxe a forma atual eleitoral, eleições diretas, homens e mulheres votam independentemente de classe, ou grau escolar, voto obrigatório aos 18 anos e facultativo aos 16. Hoje, há uma preocupação partidária em quem os megaempresários irão apoiar, mais uma vez é a nata financeira que parece ter poder de escolha, algo aparentemente contraditório, posto que todos têm liberdade para votar secretamente, mas compreensível a partir do poder de persuasão através de bolhas de fake news e controle de opinião pública pelos mais diversos meios.

No decorrer da história do Brasil, percebe-se o quanto o povo foi excluído de exercer seu direito ao voto, mudaram as técnicas de votação, passamos pelo o voto oral, pela a caixa de papel com nomes dos candidatos, veio o título, nosso velho amigo que agora está nos deixando e estamos vivendo a era da biometria, o que seria interessante é que a população brasileira soubesse escolher bem os seus representantes, e quando estes não cumprissem os seus deveres, que elas saibam tirá-los do poder, assim como os colocou, sem cair nas velhas tentativas de controle de opinião exercidas pelas mídias privilegiadas em alcance das massas.

A biometria não vai resolver a corrupção e os maus governantes, tenho o pressentimento que, em alguns anos, alguém vai estar atualizando novamente a história do voto e com certeza virá uma nova técnica para o voto, as urnas serão outras, porém, a corrupção será a mesma? É necessária uma mudança de verdade, na forma das pessoas pensarem em quem votar e não apenas na maneira de votar, e para isso precisamos de uma sociedade que não naturalize a desigualdade e a corrupção, seja legalizada ou não.

Nas eleições presidenciais de 2014, o PT saiu vitorioso, mas foi o partido que mais recebeu doações de empresas, só da JBS foram 94 milhões, empresa que depois apareceu envolvida em escândalos. Em 2018, apesar de acharem que Bolsonaro não gastou na campanha, uma agência de marketing da Espanha foi contratada por empresários apoiadores do então candidato Jair Bolsonaro, os gastos foram com disparos de Fake News contra outros partidos, houve contratações de até 12 milhões de reais. Esses exemplos mostram que a elite econômica continua por trás dos resultados das eleições, o que explica o perdão de dívidas e uma política de reformas que só privilegia uma classe já privilegiada.

Devemos valorizar as conquistas do voto, para a população pobre votar foram séculos sem a participação dos mesmos e quando têm essa função na mão não sabem usar bem, pois não foi educada para isso, já passou do momento da população reagir, o mundo das informações permite que o povo saiba do seu dever como eleitores, mas o comodismo também é patente, não vamos resolver esse problema tratando o povo como uma massa coitadinha que não pensa, já temos uma elite fazendo isso há quase 200 anos, precisamos mesmo é deixar de ser passivos e deixar achar que política não problema nosso, não aceite ser mandado pelo o seu patrão sobre em quem vai votar porque, no mínimo, o governante que ele apoia é aquele que vai fazer reformas tirando suas garantias trabalhistas. Lembre-se do hospital que um dia você, sua esposa ou marido, pai ou filho vão precisar, a qualidade da educação, segurança, alimentação e cultura esporte e lazer dependem da qualidade do nosso voto, que lutemos por um Brasil melhor.

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