Colômbia: Mídia sabota a paz e também precisa abandonar as armas

Valentina Beltrán, representante legal do Comunes, o partido político que nasceu do Acordo de Paz na Colômbia, denuncia que os meios de comunicação agem para beneficiar os setores que não querem o fim da guerra, pois dela se beneficiam.

Valentina Beltrán, representante legal do Comunes

A denúncia é de Valentina Beltrán, representante legal do Comunes, o partido político que nasceu do Acordo de Paz e que diz respeito à reintegração de ex-combatentes na política, por via democrática e institucional. “O Acordo de Paz não é sobre entregar as armas e desmobilizar a luta política da guerrilha, mas sim de optar pela paz cuidando da reintegração social, econômica e também política dos que o assinaram”, explica.

A guerrilha cumpriu sua parte. A entrega das armas foi transmitida em cadeia nacional, ao vivo, diante de todo o país. Mas a eleição do candidato da ultradireita, Iván Duque, em 2018, foi um balde de água fria para os que se empenharam, durante quatro anos, na construção do Acordo de Paz.

Foto: ELN

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“Cada vez mais nos damos conta do quão difícil é esse trabalho de reconciliação se não há apoio de todos os entes envolvidos no Acordo”, relata Beltrán. “Seria muito mais fácil se a pedagogia de paz acordada nas negociações fosse cumprida pelos colégios, pelo Ministério da Educação, pelos órgãos criados a partir das negociações e por todas as partes que se comprometeram a fazê-lo, mas não o fazem”.

E aonde entra a mídia nessa história? Beltrán responde: “Para os meios de comunicação mais poderosos da Colômbia, é como se nunca tivesse existido o Acordo de Paz. Eles continuam agindo como se nada tivesse ocorrido, beneficiando os setores que não querem o fim da guerra, pois vivem dela”.

“Esses meios de comunicação usam qualquer coisa como cortina de fumaça, interditando o debate sobre o processo de paz”, diz. “São obstinados pela ideia de um inimigo interno. Mesmo após a deposição das armas, continuam nos colocando no mesmo balaio da dissidência, dos que ainda seguem na selva. Não há nenhum debate sobre o que é a dissidência. A dissidência não é as Farc, não é o Comunes, não somos nós. Mas os meios jamais vão dizer isso”.

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De acordo com Beltrán, a aposta total em sustentar a doutrina do inimigo interno serve somente para justificar a continuidade do conflito que já dura mais de cinco décadas. “É assim que defendem a doutrina de segurança na Colômbia. Os meios de comunicação seguem tendo uma responsabilidade muito grande na construção da guerra, o que deixa claro a quais interesses eles respondem”, argumenta.

“Enquanto os meios alternativas cumprem um papel fundamental para promover a agenda da reconciliação em nosso país, a mídia hegemônica segue empenhada em agudizar o conflito. Por isso, creio que são eles que deveriam entregar as armas e se desmobilizarem”, ironiza, explicando que “suas armas são a forma como desinformam sobre o Acordo de Paz”.

Conforme relembra, algumas manchetes publicadas por esses veículos, quando assinado o acordo, estampavam em letras garrafais que “o governo havia entregado o país aos guerrilheiros”. “Ou mentiras como quando falaram que vivíamos em mansões. Coisas absurdas”, protesta.

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O assassinato de ex-combatentes que estão reintegrados na sociedade não é notícia para essa mídia, é a normalidade, critica Beltrán. “Essa postura ajuda a manter o estigma que existe contra nós. O desafio do Comunes enquanto força política passa por superar esta barreira e defender o processo de paz, que pode ter uma conjuntura totalmente diferente dependendo do resultado das eleições de 29 de maio”, sublinha.

O povo colombiano vai às urnas neste domingo (29), com a possibilidade de eleger, pela primeira vez, um candidato progressista. Com passado ligado à guerrilha, mais especificamente ao grupo M-19, o economista Gustavo Petro lidera todas as pesquisas de intenção de voto e representa a alternativa que poderia, enfim, implementar o Acordo de Paz.

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