Como funcionam as eleições colombianas e por quê a direita tenta sabotá-las

Nas Eleições Legislativas, houve uma série de circunstâncias que geraram vozes de alerta e reivindicações conflitantes, incluindo a intervenção do presidente Iván Duque — que, se tivesse sido realizada, teria invalidado a eleição em geral.

As próximas eleições presidenciais na Colômbia podem mover peças impensáveis no tabuleiro de xadrez eleitoral da região. O pleito se aproxima, com diversas opiniões levantando o fantasma de fraude, colocando o país e seu sistema eleitoral em uma situação quase inédita.

Para contextualizar o tema, é necessário começar com uma informação recente, fornecida pela Missão de Observação Eleitoral (MOE), um reconhecido órgão da sociedade civil colombiana, segundo o qual “este é o período eleitoral mais violento dos últimos 12 anos”.

A negociação do Acordo de Paz de 2016 implicou na criação das Circunscrições Especiais Transitórias de Paz (CITREP), que envolvem as regiões mais afetadas pelo conflito armado interno e determinaram a atribuição de 16 assentos de paz (cadeiras no Congresso), que deveriam ter entrado em vigor nas eleições presidenciais de 2018.

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No entanto, como outros aspectos do acordo, os assentos acabaram perdendo efeito. Os massacres continuaram e foram precisamente os líderes sociais, líderes comunitários, vozes independentes e, durante o período eleitoral, os próprios candidatos que se tornaram alvo.

Durante o período constitucional correspondente, se chega ao atual estado do cronograma eleitoral de 2022, que estabeleceu o 13 de março para as Eleições Legislativas, com uma série de particularidades que precisam ser destacadas.

Junto à eleição de representantes para ambas as câmaras do Congresso, que envolve duas categorias, a Câmara dos Deputados e o Senado, a eleição dos 16 assentos de paz foi incorporada.

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Desta vez, foi acrescentada a instância opcional de seleção de candidatos presidenciais, dentro das forças políticas que decidiram concorrer como primárias — ou internas — das três principais alianças. Assim, nas Eleições Legislativas foi possível votar, conforme o caso, em cinco categorias diferentes.

O voto na Colômbia

Para comentar o que aconteceu naquela data e nos dias seguintes, é necessário fazer uns parênteses e descrever gráfica e sinteticamente o funcionamento da contagem rápida e o funcionamento do sistema eleitoral colombiano. No encerramento de cada mesa de votação, os votos são contados e, entre outros documentos, são preenchidas três atas chamadas E-14. Elas têm o mesmo conteúdo e destinos diferentes: um é destinado à contagem rápida, outro é enviado à comissão de verificação (que possuem níveis diferentes: local, regional, nacional) e o restante é disponibilizado no site oficial do Registro Nacional, tendo o caráter de um backup digital.

A contagem rápida dá os resultados na mesma noite da eleição, mas NÃO tem validade legal, é apenas informativa.

A transmissão dessas atas (folhas de contagem) é feita por telefone, ou seja, a pessoa encarregada da tarefa em cada mesa de votação lê os resultados de cada folha e, nos centros de totalização (semelhante a um call center), os operadores anotam o que receberam em um documento chamado formulário de transmissão de dados. Ele deve então ser escaneado e passado para o software encarregado de totalizar e disseminar os resultados.

Historicamente, essa contagem tem uma diferença de 3% ou 4% em relação ao cálculo final, devido à precariedade do sistema utilizado.

Deve-se ressaltar que a contagem final é a única legalmente válida e pública. Ela é realizada pelas comissões de verificação, que analisam e consolidam (reúnem e somam) os votos depositados nas folhas recebidas, e depois geram atas gerais que são submetidas à instância seguinte. Esta é uma das principais instâncias para reclamação.

Erro nas eleições legislativas 2022

Nas Eleições Legislativas, houve uma série de circunstâncias que geraram vozes de alerta e reivindicações conflitantes, incluindo a intervenção do presidente Iván Duque — que, se tivesse sido realizada, teria invalidado a eleição em geral.

A partir do monitoramento da documentação dos órgãos oficiais, foi identificado, na contagem rápida (sem valor legal), que 22.255 folhas de contagem (formulários E-14) tinham inconsistências no preenchimento e falhas no design, que dificultavam a transmissão dos dados. Isto afetou principalmente uma das alianças eleitorais, possivelmente devido à sua localização na aliança eleitoral e aos erros na divulgação inicial dos dados eleitorais.

Essas deficiências — que não são as menores — e as reivindicações decorrentes delas, surgiram inicialmente durante a contagem provisória (sem valor legal), sendo a Aliança do Pacto Histórico a principal vítima, visto que a coalizão apareceu com zero votos em mais de 20 mil mesas de votação.

Ao mesmo tempo, e em paralelo, a contagem definitiva (com valor legal) estava sendo realizada, onde os erros eram corrigidos à medida que as comissões de verificação trabalhavam nas atas impressas em cada seção eleitoral com a realocação dos votos correspondentes para cada aliança e partido político.

400 mil votos em xeque

Assim, mais de 400 mil votos foram contados para a aliança do Pacto Histórico. Ela não foi a única força política a se beneficiar, mas a contagem final determinou uma nova configuração na atribuição de assentos no Congresso.

A situação descrita acima (que está estritamente de acordo com a lei), somada ao espectro político representado pela referida aliança, deu origem à suspeita de fraude, uma vez que a contagem rápida — que não tem valor legal — tem sido utilizada como um instrumento para satisfazer a suposta necessidade de imediatismo nos resultados eleitorais exigidos pela sociedade.

Para a eleição presidencial, o Escritório Nacional de Registros acrescentou ao Plano de Garantias Eleitorais ações que modificam o protocolo inicial e que devem ter um forte impacto sobre o resultado. Estes incluem um novo desenho dos formulários que simplifica seu preenchimento e transmissão.

Deixando de lado uma ampla gama de questões técnicas que merecem desenvolvimento, auditorias, simulações e transmissão, impossíveis de cobrir em apenas um artigo, podemos afirmar que no processo das Eleições Legislativas colombianas, os eventuais erros foeam corrigidos e protocolos foram  implementados para evitar sua repetição.

Mas não houve fraude e este cenário não deve ser considerado nas Eleições Presidenciais, desde que todas as instâncias sejam ajustadas às normas eleitorais em vigor e o tempo necessário seja respeitado para que a contagem final seja realizada com a devida supervisão e respeitado seu caráter público.

É neste panorama que as Missões de Observação Internacional credenciadas, e seu chamado para que sejam aguardados os resultados oficiais, desempenham um papel fundamental.