Leda Paulani critica retrocesso da dependência econômica atual

Durante Seminário do Centenário do PCdoB, a economista discute as etapas de inserção do Brasil na economia global, revelando o retrocesso ao período anterior à industrialização, desde os anos 1990.

Leda Paulani debate as etapas da inserção internacional do Brasil na economia global. Foto de Cezar Xavier

Neste sábado (14), o PCdoB, por meio da Comissão do Centenário, e a Fundação Maurício Grabois promoveram, a terceira mesa do seminário PCdoB centenário e contemporâneo. Realizado de forma híbrida, na sede do partido em São Paulo e pelas redes sociais, o evento faz uma reflexão sobre a trajetória de um século de lutas da legenda comunista.

A mesa realizada no período da tarde teve como tema Reconstrução nacional e a retomada do desenvolvimento soberano. A economista e professora da USP, Leda Paulani, enumerou as cinco fases pelas quais passou a economia brasileira na sua inserção dependente na cadeia produtiva global.

O retrocesso da dependência

 Leda observou que Celso Furtado, desde os anos 1950, nunca se conformou que o Brasil com sua dimensão e riquezas não tivesse um papel maior no destino da humanidade e não se colocasse no rol dos países desenvolvidos. Ele denunciava o marketing de Stephen Zweig, que se consolidou em relação ao Brasil como “o país do futuro”, como o mito do país fadado ao sucesso. Segundo ele, um mito que bloqueava nossa percepção da realidade.

Nos últimos anos o país tem se tornado cada vez mais subalterno e com um grau de liberdade cada vez menor. Leda comentou que o vice-presidente golpista Michel Temer chegou a dizer, em Washington, que Dilma não quis se sujeitar ao programa Ponte para o Futuro, que ela prefere chamar, de modo paradoxal, de Ponte para o Abismo.

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Em sua exposição, ela mostrou que a inserção do Brasil no sistema capitalista mundial foi se alterando conforme as fases do capitalismo foram se sucedendo. Uma inserção em cinco fases: a primeira delas, a de acumulação primitiva (roubo, extorsão, escravidão), o Brasil como reserva patrimonial da colônia e de força de trabalho compulsória, fornecedor de material primas e metais e objeto de espoliação.

Numa segunda fase, do século XVII até XX, como alavanca de acumulação do sistema e papel na consolidação do sistema capitalista. Fornecedor de matérias primas e produtos agrícolas de baixo custo e desenvolvimento determinado pelas variáveis externas.

Na terceira fase, depois da crise dos anos 1930, começa a industrialização do país. Em meados dos anos 1950, o capitalismo começa a sentir o problema de sobreacumulação de capital e busca alternativas para se tornar um grande mercado e criar demanda escassa para o capital do centro do sistema. O capital internacional bate a porta e se oferece para investir no Brasil. Isso acelera a industrialização, contudo os setores mais dinâmicos são movidos a capital estrangeiro.

A partir dos anos 1930, o Brasil passa a ter uma economia determinada endogenamente. Com o aumento da nossa dependência, o desenvolvimento passa a ser determinado desde dentro, com setores mais dinâmicos determinados pelo capital de fora, e a valorização desse capital tem que ser devolvido para fora. “São os 30 anos gloriosos do capitalismo keynesiano”.

Na quarta fase, a situação se agrava nos anos 1970, com inflação de difícil controle. Uma crise causada pelo desacordo de Bretton Woods e Richard Nixon desvinculando o dólar do ouro. O choque do petróleo pega em cheio a economia brasileira, que tinha uma balança comercial equilibrada, até 1973, quando tem o choque de petróleo.

Leda descreve a quarta fase como a inserção passiva do Brasil no processo de financeirização. O Brasil se endivida para fazer frente ao choque do petróleo, sem desacelerar demais o crescimento, – o milagre da ditadura que durou seis anos. Os militares mantiveram a taxa de crescimento ao custo do endividamento externo com aumento da desigualdade.

O Brasil se endividou para o segundo PND (Projeto Nacional de Desenvolvimento), que fora desfigurado pela condução dos militares, mas ainda com alguma soberania. É quando passa a sofrer as consequências do brutal aumento das taxas de juros de Jimmy Carter, que Ronald Reagan aprofunda ainda mais. O crescimento da riqueza financeira passa a ser maior que da riqueza real, com acumulação superior ao setor produtivo. Ainda assim, o Brasil conta com estatais bem reputadas, servindo como excelentes mutuários para endividamento externo.

Esse é um período em que ela considera que ocorre uma financeirização indireta, pois os bancos ainda têm papel de mediação. Mas a crise da dívida acaba num processo inflacionário persistente e moratória em 1987.

É então que começa a quinta fase de inserção ativa no processo de financeirização. Ao invés de sofrer as consequências, o Brasil resolve entrar como um player, uma potência financeira emergente. Se a inserção via dívida foi trágica, – com os 1980 sendo denominados como a década perdida -, Leda considera os 1990 ainda piores.

A partir daí, o Brasil toma providências que sempre favorecem a riqueza financeira: autoriza a securitização de seus títulos; reduz controle de fluxos internacionais de capital; concede isenções tributárias; aumenta garantias dos credores com austeridade fiscal e promove diversas reformas de previdência. A política macroeconômica passa a ser agressiva na elevação de juros, na austeridade e câmbio apreciado.

Investidores têm ganhos em dólares muito elevados e o Brasil é plataforma financeira de valorização internacional com o Plano Real. “Passa a haver um moto perpetuo de políticas econômicas que beneficiam sempre os mesmos personagens”.

O resultados de três décadas de inserção ativa é o país com indústria incipiente, industrialização que cai de 30% no anos 80, mal chega a 10%, agora. “De dez produtos exportados, nove são bens agrícolas ou industria extrativa mineral. A taxa de capital produtivo não se recupera e esfacela a indústria, enquanto o capital financeiro avança. Sem indústria, o salário não cresce, há desemprego estrutural e reversão da redução da desigualdade”, pontua a economista.

Com isso, ela avalia que voltamos à segunda fase, com inserção subordinada, propiciando poupança rentista e pagando cada vez mais por direitos e acessos à tecnologia. Muita renda é enviada para fora para remunerar o capital externo.

Celso Furtado, em 1992, disse que Brasil deveria ser a nação que conta para o devir humano. “Estamos contribuindo para o devir humano, mas negativamente”, concluiu.

Da Fundação Maurício Grabois

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