Eleições legislativas são esperança de enfrentar a direita na França

A jornalista Rita Freire explicou como os movimentos sociais internacionais receberam a derrota de Marine Le Pen, e sua política racista e excludente.

A jornalista Rita Freire participa da organização do Fórum Social Mundial. Foto de Alisson Barbosa

Só o fato de terem ido ao segundo turno da eleição presidencial na França, dois candidatos de direita, é considerado preocupante para os movimentos sociais de todo o mundo. Esta é a leitura que faz a jornalista Rita Freire, ex-presidenta do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação, e gestora da rede Ciranda.Net de comunicação no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, da eleição encerrada em 24 de abril.

A partir da convivência com movimentos, organizações e cobertura de mídia, ela apontou como a falta de um candidato de esquerda no segundo turno, como Jean-Luc Mélenchon, afetou o ânimo dos movimentos sociais franceses e internacionais, também. Não fosse a fragmentação da esquerda em diversas candidaturas, Mélenchon poderia ter ido ao segundo turno com ainda mais chances de derrotar Le Pen que Emmanuel Macron.

“O fato de terem ido dois candidatos da extrema-direita no segundo turno, na França, já é muito preocupante, porque influencia o ânimo internacional da extrema-direita e preocupa as forças democráticas”, afirmou Rita, em declaração ao portal Vermelho.

Rita menciona o fato da eleição brasileira, em outubro, ter elementos dessa disputa na Europa, conforme o ex-presidente Lula (PT) deva disputar o segundo turno com o candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro (PL), de acordo com os números das pesquisas de intenção de voto. O presidente brasileiro sequer cumprimentou Macron pela reeleição, pois preferia a candidata da Frente Nacional, para não se sentir isolado como liderança desse setor conservador radicalizado.

“Nós, no Brasil, estamos vivendo no processo eleitoral esse mesmo enfrentamento em que o adversário é da extrema direita”, lembrou ela. Cada eleição de candidatos progressistas na América Latina tem sido um fôlego para os movimentos do campo democrático e uma derrota para os neoliberais e governos autoritários de direita no continente.

Poder pela força

“Outro motivo de preocupação, é que a direita e a extrema-direita no poder significa que as alternativas às armas, à guerra e ao autoritarismo como instrumento de legitimar o poder pela força, se sobrepõem às vozes da sociedade civil. Pelo contrário, até usurpam, porque é o império do controle da tecnologia e da invisibilização das forças sociais. A sociedade civil tem muita força mas também está na disputa contra essa invisibilidade”, analisa a jornalista.

Ela aponta que, embora a imprensa saiba dos riscos de governo autoritários para o exercício de sua tarefa, ela não exita em evitar e omitir o debate dos movimentos sociais contra esses governos, na tentativa de eleger seus governo “moderados” de direita.

“Vamos dizer que a França tem tido um governo bastante racista. Macron não só invisibiliza, como insufla, buscando tentar conquistar eleitores de Marine Le Pen, adotando posições cada vez mais excludentes, como racismo e islamofobia”, pontua Rita. Ele faz referência às pautas de extrema-direita que Macron adotou no governo e no discurso eleitoral para agradar setores reacionários da sociedade contra a imigração, da mesma forma que Le Pen adotou pautas trabalhistas para atrair setores revoltados com o governo de austeridade e reformas trabalhistas de Macron.

Brechas para escape

Mas Rita observa por onde podem se dar as saídas e resistências, ao menos no plano institucional. Ela faz referência ao desencanto da população com a eleição e suas opções. Para ela, essa ascensão da extrema-direita com guerra, autoritarismo e desesperança, também é um afastamento das pessoas da política, que se expressa nas abstenções.

“Mas também significa que o governo Macron não teve a legitimidade, com o apoio popular que ele precisaria. Seu governo não começa com tanto apoio popular, porque a abstenção foi muito grande”, salientou ela. Alvo de protestos intensos durante seu governo de reformas, Macron teve seu pior desempenho desde a primeira eleição, do mesmo modo que Le Pen avançou exponencialmente.

Analisando esse movimento pendular entre Le Pen, Macron e o tamanho da esquerda na eleição, Rita ressalta o vislumbre que há pela frente. Como observa ela, no sistema semipresidencial francês, Macron não só precisa de uma base de apoio parlamentar forte, como terá um primeiro-ministro indicado por essa base. Assim, as eleições legislativas que ainda vão acontecer em junho prolongam a luta democrática na Europa.

“O que se vê, agora, é uma mobilização para se tentar no Congresso ter realmente uma representação ampla de forças democráticas, que exercam o controle social e político do governo, na medida que tiver ao seu alcance”, diz ela. A dimensão da esquerda neste primeiro turno pode ser um importante alavancador de parlamentares progressistas.

Rita mencionou, ainda, que o assunto da eleição na França deve ser tratado nas próximas instâncias do Fórum Social Mundial, “não em função da situação interna da França, e da eleição propriamente dita”. Segundo ela, a França tem um papel nos processo de enfrentamento da situação na Ucrânia. “Esse debate deve ocorrer em torno da busca do processo de paz. Um processo que fica mais distante quando a extrema-direita está em ascensão”, resumiu.