1º de Maio: a classe operária longe do paraíso

O reflexo imediato da queda do emprego industrial é o avanço da informalidade e da precarização nas relações de trabalho

Greve dos metalúrgicos da Sae Towers, em 2021

Reformas trabalhistas ultraliberais, 4ª Revolução Industrial, trabalho por plataformas digitais, pandemia de Covid-19… Nos últimos anos, vários fenômenos alteraram profundamente o mundo do trabalho em todo o Planeta, inclusive o Brasil. Mas há um fator, a desindustrialização, que distingue – para pior – a situação do País, afetando particularmente a classe operária brasileira.

Com Jair Bolsonaro na Presidência da República, a economia vive o auge de um prolongado processo de desindustrialização, iniciado na década de 1980. Principal motor do crescimento econômico e do impulso desenvolvimentista do Brasil no século 20, a indústria nacional está relegada, cada vez mais, a segundo plano na visão ultraliberal e entreguista do governo.

Não é mera coincidência que o ocaso do setor coincide com a longeva instabilidade da economia. Entre 1930 e 1980, nenhum país do Ocidente cresceu mais do que o Brasil. A taxa média de expansão anual, ao longo daquele período de 50 anos, foi de 6%. Já as décadas subsequentes foram de dramática regressão industrial.

A participação da indústria de transformação no PIB nacional – que chegou a 27,3% em 1986 – despencou para 11,3% em 2020, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No mesmo ano de 1986, de cada cem empregos formais no País, 27 estavam na indústria. Agora, são somente 15%.

Segundo o economista Marcio Pochmann, a “ruína da antiga sociedade industrial” foi acompanhada de um “processo de desmodernização sistêmica” do País. “Com o ingresso passivo e subordinado do Brasil na globalização, o projeto de modernização capitalista iniciado pela Revolução de 1930 foi interrompido”.

O golpe de 2016 fechou de vez as portas para o setor. Nos últimos anos, a indústria nacional entrou na mira da Operação Lava Jato. Sob a bandeira do combate à corrupção, a força-tarefa liderada por Sergio Moro acelerou a desindustrialização da nossa economia e a entrega de setores estratégicos para o capital estrangeiro. Segundo o Dieese, a Lava Jato levou o País a perder cerca de R$ 172,2 bilhões em investimentos, inviabilizando a criação de 4,4 milhões de empregos.

A ascensão ao poder do bolsonarismo e a pandemia de Covid-19 agravaram a crise. Políticas industriais são interrompidas, e centenas de fábricas fecham as portas. Multinacionais como Ford, Mercedes-Benz, Audi, Sony e LG deixam o Brasil, total ou parcialmente. Segundo o IBGE, a indústria perdeu cerca de 28 mil empresas entre 2013 e 2019 – o que levou a uma redução de 15,6% no número de empregos (de 9 milhões de para 7,6 milhões). O PIB industrial caiu, em média, 1,5% ao ano na década de 2011-2020.

O reflexo imediato da queda do emprego industrial é o avanço da informalidade e da precarização nas relações de trabalho. De acordo com o Dieese, a crise subtraiu 590 mil postos de trabalho só na categoria metalúrgica, que passou de 2,446 de trabalhadores formais em 2013 para 1,856 em 2017. Os números têm melhorado desde então, mas continuamos distante do auge de 2013.

As implicações são inúmeras, já que a indústria é referência internacional no chamado “trabalho decente”, por pagar melhores salários, proporcionar mais benefícios e garantir maior proteção aos trabalhadores. No Brasil, como o regime CLT – a carteira assinada – predomina nas grandes fábricas, direitos como férias, INSS, FGTS e seguro-desemprego continuam assegurados aos trabalhadores operários formais. Além disso, por estimular outros setores, a indústria gera mais postos de trabalho em cadeia. No segmento metalúrgico, por exemplo, cada emprego direto pode gerar mais dois ou três empregos indiretos.

Com a desindustrialização, o setor secundário (indústria) perde trabalhadores sobretudo para o setor terciário (comércio e serviços). “Temos a transfiguração da classe trabalhadora da manufatura”, afirma o economista Marcio Pochmann. “Enquanto parcela crescente, o trabalhador perdeu o vínculo de assalariado, embora tenha conseguido se manter ocupado como empreendedor de si próprio (pejotização, microempreendedor, contaproprista). Outra parcela teve que buscar sobreviver de bicos, aposentadorias e pensão, entre outras alternativas, diante do esvaziamento do emprego industrial no País.”

Pochmann acrescenta que hoje, no Brasil, as principais ocupações do setor terciário “se configuram pelo exercício do trabalho doméstico, segurança privada e entregadores em plataforma digital”. São, em geral, “postos de trabalho precários e instáveis, à margem dos direitos sociais e trabalhistas”. É a “uberização” – uma nova modalidade de precarização.

Embora ainda seja incipiente no Brasil, a 4ª Revolução Industrial (também chamada de Indústria 4.0 ou Revolução 4.0) vai acelerar as mudanças. É um fenômeno sem precedentes na humanidade, em que tecnologias digitais, físicas e biológicas se convergem e dão origem a uma indústria altamente inteligente. “O futuro do emprego será feito por vagas que não existem, em indústrias que usam tecnologias novas, em condições planetárias que nenhum ser humano já experimentou”, resume David Ritter, CEO do Greenpeace Austrália/Pacífico.

As fábricas tendem a ficar mais automatizadas, e algumas delas poderão ter até a automação total dos processos manuais – ou seja, serão fábricas sem trabalhadores operários. Em vez de mão de obra humana, a produção envolverá recursos como nanotecnologias, Big Data, internet das coisas, robótica, inteligência artificial, biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, drones e impressoras 3D. Klaus Schwab, diretor-executivo do Fórum Econômico Mundial e autor do livro A Quarta Revolução Industrial (2016), estima que 5 milhões de empregos podem ser fechados apenas nos 15 países mais industrializados do mundo, entre os quais o Brasil.

“A classe operária vai ao paraíso”, enunciava um dos grandes clássicos do cinema, lançado em 1971 e dirigido pelo italiano Elio Petri. O título era uma ironia, mas virou uma das mais célebres metáforas sobre a plena emancipação do operariado. No Brasil, o futuro dos operários depende não apenas da consciência de classe – mas também da reindustrialização da economia.

A Pauta da Classe Trabalhadora, aprovada pelo movimento sindical em 7 de abril, na Conclat 2022, deixa clara a urgência dessa alternativa. Segundo o documento, a agenda neoliberal avançou no Brasil durante os governos Temer e Bolsonaro, aprofundando “a opção por um Brasil exportador de matéria-prima e importador de bens industrializados”. Enquanto esse “processo de desindustrialização e reprimarização” for a regra no País, a classe operária brasileira estará cada vez mais longe do paraíso.

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