Especialistas defendem quebra de patentes de remédios, vetada por Bolsonaro

Quebra de patentes de remédios representa importante passo para o acesso à saúde pública, na avaliação do médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, e do professor Calixto Salomão Filho.

O presidente Jair Bolsonaro vetou projeto que disciplina licenças compulsórias a imunizantes e medicamentos – Fotomontagem com imagens de Wikimedia Commons e Pixabay: Adrielly Kilryann/Jornal da USP

O projeto que disciplina licenças compulsórias a imunizantes e medicamentos durante a pandemia foi barrado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Com isso, o Congresso deve analisar o veto presidencial. Vamos entender quais as consequências desse veto para o País e principalmente para a população que depende da saúde pública.  

Calixto Salomão Filho – Foto: Reprodução/Facebook

Para começar, o termo “quebra de patente” está em desuso, pois o correto é “licença compulsória”. Toda a patente precisa ser registrada em um órgão que regulamenta a propriedade intelectual. No Brasil, a validade é de, no máximo, 20 anos, como explica o professor Calixto Salomão Filho, titular do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista em Propriedade Intelectual e Patentes. 

“A patente é um privilégio temporário concedido ao inventor, para que ele possa explorar comercialmente sua invenção. Um estímulo à invençã o que tem como pressuposto, também, o acesso do público à tecnologia”, explicou. Assim, as patentes podem ser quebradas, a depender do interesse público.

A quebra de patente é positiva porque faz com que a fórmula de um  remédio passe a ser de domínio público, permitindo que vários laboratórios possam fabricar e, com isso, baratear o custo. “O licenciamento compulsório permite que outros produtores, mediante pagamento de royalties, usem bens oriundos daquela invenção. É um sistema que permite o aumento da produção e a concorrência entre produtores”.

O professor Calixto lembrou que o primeiro caso de licença compulsória ou quebra de patente na América Latina ocorreu no Brasil em 2007, durante o governo do presidente Lula, com um medicamento para o tratamento da aids. O decreto presidencial licenciou o Efavirenz, que compunha o coquetel antiaids, que era importado da Índia e depois passou a ser produtivo em Farmanguinhos, e outros laboratorios privados.

Gonzalo Vecina Neto – Foto: Reprodução/FSP-USP

Licença compulsória

O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, do Departamento de Política e Gestão em Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, avalia que a licença compulsória significa um passo importante para o acesso à saúde pública.

“O licenciamento compulsório é um rompimento de uma regra jurídica, que, como toda regra tem suas exceções”, enfatiza. No caso da patente, a exceção é o acesso à saúde pública, que não pode ser prejudicado.

“Este projeto de lei, vetado pelo presidente Bolsonaro, facilitava e abria possibilidades para que pudéssemos fazer a quebra de patente e aumentar a probabilidade de construir acesso de medicamentos. Acho muito grave o presidente vetar o licenciamento compulsório de patentes, nesse novo dispositivo legal que estava sendo colocado para sua análise”, criticou.

Ele ressalta a importância de se ter uma política pública de quebra de patentes para que a população tenha acesso a remédios. Mais do que isso, é necessário que existam locais que possam produzir esses medicamentos para que, dessa forma, se possa sair definitivamente das importações de remédios. 

O sanitarista também explica que a quebra de patente não é tudo. Ela apenas aumenta a possibilidade de acesso. “Não é cem por cento das vezes que se quebra a patente e se pode sair produzindo. Quase nunca, o que está depositado no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) é suficiente para a produção”.

Gonzalo explica que, além das informações no INPI, é preciso um trabalho de engenharia reversa feita em laboratórios especializados, com muitos mestres e doutores, geralmente universitários, ou indústrias muito bem preparadas, para fazer cópias desses produtos muito diferenciados, como são os de biotecnologia.

A ausência de uma política pública na área faz com que o Brasil pague preços altíssimos por remédios que não temos acesso.

O grande problema do Brasil, em sua opinião, é não ter uma política pública, gastando entre R$ 8 e 10 bilhões com medicamentos comprados de multinacionais, boa parte protegidos com patentes. Segundo ele, há negociações que barateiam alguns medicamentos, mas há também medicamentos com preços impeditivos.

“Neste momento, estamos vivendo a questão da incorporação de medicamentos para tratamento de covid, o que deverá ser uma discussão muito grande”, lembra ele. Embora a questão tenha sido resolvida, em parte, pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz, ainda não temos uma vacina de mRNA mensageiro, que são propriedades da Pfizer e da Moderna e compõem o portfolio mais inovador de tecnologias de imunizantes.

O professor Calixto, por sua vez, explica que o licenciamento compulsório foi fundamental para o avanço da vacinação no Brasil. “Em momentos graves como esse, é possível até extrapolar a questão local e regional. Está se tentando declarar, em Genebra, as vacinas como bens comuns da humanidade. Enquanto esse consenso não ocorre, o licenciamento compulsório é um instrumento muito importante para a disseminação da produção e do acesso”.

Edição de entrevista à Rádio USP

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