Hoje é feriado, dia de quê mesmo?

“Vejam as próximas eleições e observem quantas lideranças populares teremos numa elite política que enxerga o pobre como uma peça no motor da máquina social, mas não como a direção”, escreve o doutor em Educação, professor e poeta Nogueira Netto.

Tiradentes

A data é 21 de abril, feriado nacional, Dia de Tiradentes. Mas quem foi Tiradentes?

Perífrase de Joaquim José da Silva Xavier, consagrado nos livros de história mais e menos recentes, como o mártir da conjuração mineira, líder revolucionário ou até mesmo uma versão colonial de Jesus Cristo cívico; algo explicável pelo fato de no século XIX, após a independência política do Brasil, o recente império estar carente de uma história.

O Brasil era uma colônia e não havia preocupações com a produção de uma historiografia brasileira, o que explica desenterrarem nomes hoje canonizados em nossa história e literatura como Gregório de Matos, Tomás Antônio Gonzaga, José de Anchieta, Tiradentes, entre outros.

O fato histórico que o imortalizou se refere ao episódio chamado de A derrama, no qual a cobrança de impostos atrasados foi exercida juntamente com a soma de outros impostos, posto que a extração do ouro, supostamente, estava diminuindo. Portugal tinha o direito de extrair nosso ouro, se é que algum dia esse ouro foi nosso. Com isso, a elite da época se revoltou e uma parte dela reuniu-se contra o império português. Era um grupo formado por intelectuais, autoridades militares e religiosas, além de pessoas sem grande status, como era o caso de Tiradentes.

Essa informação é confirmada por Eduardo Bueno na obra Brasil: uma história, na qual o fragmento de uma carta da coroa portuguesa indaga sobre quem é Joaquim José da Silva Xavier e o juiz responsável pelo processo responde que é uma figura sem destaque nem valimento.

Contudo, a forma como ele enfrentou a condenação o destacou no movimento. Resta a dúvida se a imortalização foi devido a isso ou por ter sido um bode expiatório esquartejado; portanto, um candidato a mártir em um grupo onde os líderes, membros da elite da época, sofreram condenações, mas não a morte.

O retrato de sua figura, semelhante à de Cristo em gravuras (Cristo também representado no imaginário através das gravuras) pode ser explicada pela necessidade de um mártir. Tiradentes era Alferes e como militar não usava barba; no máximo, um discreto bigode. A primeira pintura oficial de Tiradentes data de 1890, comparando-o a Jesus, bem depois de sua morte, após três anos preso.

Esse contexto nos mostra que a figura de Tiradentes é uma construção historiográfica, apesar da história demonstrar ele ter sido alguém de coragem. A Conjuração Mineira foi uma revolta da elite da colônia contra a elite portuguesa, não uma indignação contra a exploração sofrida pelos mais pobres. Essa visão foi reafirmada em 9 de dezembro de 1965, quando o ditador Castelo Branco transformou a data de seu enforcamento, 21 de abril, em feriado nacional, por meio da Lei N. 4.897.

Que tipo de tradição educacional nós temos no contexto focado em decorar e imortalizar nomes sem questionar suas atuações na história do país? Um país que tem causado vexames internacionais e esvaziado o sentido de democracia. Assim, o que seria mais democrático? Caminhar para conhecer de maneira crítica a história do Brasil ou celebrar um aglomerado de nomes e momentos históricos sem dissertar sobre sua importância ou falta dela?

A história passa por revisões, não é um texto a ser decorado, é uma interpretação com intencionalidades, claras ou não. Qual democracia deseja produzir heróis em alguns contextos e invisibilizar em outros, como é o caso do líder quilombola Zumbi dos Palmares, da princesa Dandara, do líder das ligas camponesas Gregório Bezerra, do líder da revolta de mulatos e escravos de engenhos em Recife, Emiliano Mandurucu, do líder de Canudos, Antônio Conselheiro, entre tantos outros.

Vejam as próximas eleições e observem quantas lideranças populares teremos numa elite política que enxerga o pobre como uma peça no motor da máquina social, mas não como a direção. Por que com Tiradentes seria diferente? Vamos refletir?

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