A ameaça de Bolsonaro às instituições

Dizer que as “instituições funcionam” pode apenas ser uma ficção da realidade ou, quem sabe, o nosso pânico diante do perigo da realidade da ficção.

Foto: Jose Cruz /Agencia Brasil

Constitucionalismo quer dizer “fazer democracia no direito e pelo direito”. O ponto central é a institucionalidade. Democracias consolidadas funcionam assim. Ou alguém viu, na Espanha ou em Portugal, alguém dizendo “essa Constituição atrapalha o país” ou “queremos Franco ou Salazar de volta”?

O constitucionalismo —essa invenção democrática— criou mecanismos para evitar que maiorias eventuais destruam a democracia. Autopreservação, eis a chave. Se eu moro com outras pessoas e tenho um contrato pelo qual as decisões são tomadas por votação, isso não garante que alterem o contrato e me joguem pela janela. Como me garanto? Colocando uma cláusula pela qual podem alterar o contrato por votação, menos a cláusula que diz que minha vida e dignidade devem ser preservadas acima de tudo.

As cláusulas pétreas e as garantias institucionais (por exemplo, a divisão de Poderes) representam uma espécie de “quarto de pânico da democracia”. Para que serve esse “quarto”? Simples. Quando os bárbaros ameaçam as instituições, protegemo-nos. Simbolicamente, é ali que nos abrigamos.

Porém, não se trata, simplesmente, de possuirmos um “quarto do pânico”. O ponto é possuir instituições robustas. A institucionalidade é tão complexa que, por vezes, nem o “quarto do pânico” resolve.

Explico. Instituições têm uma função. Metaforicamente, são como limpadores de para-brisas. São inúteis se não estiverem do lado de fora do carro, se me permitem essa plus platitude. Todavia, essa aparente obviedade é necessária por que estamos em um país em que o presidente da República defende abertamente a ditadura, manda o Supremo Tribunal Federal calar a boca e pede que o povo se arme em desconfiança com as urnas eletrônicas.

Portanto, dizer que as “instituições funcionam” pode apenas ser uma ficção da realidade ou, quem sabe, o nosso pânico diante do perigo da realidade da ficção.

Daí a pergunta: o direito pode salvar a democracia? No Brasil, o STF já deu mostras de que, até aqui, com muito custo político-institucional, isso não foi apenas possível como necessário se pensarmos nas decisões sobre a pandemia, o inquérito em autodefesa contra os ataques à corte e os episódios do 7 de Setembro de 2021.

O problema é a constante “corda esticada”, que pode provocar fadiga de metais. Esse “cabo de guerra”, se de um lado tem permanentemente o presidente da República, não pode ter, do outro, apenas o STF. Isto porque o Congresso Nacional deveria dar respostas mais incisivas aos ataques à democracia. Será que Jair Bolsonaro (PL), ao defender a ditadura (que fechou o Parlamento) e mandar a Suprema Corte calar a boca, não ultrapassou o Rubicão? A pergunta é retórica.

Por isso, há meses falo em “pânico institucional”. O que é isto? É quando temos o “quarto do pânico” todo arrumadinho, tudo formalmente funcionando e podemos até nos abrigar. O problema é que talvez a chave não esteja (mais) conosco. Está com o invasor.

Por isso, quando vejo um senador propondo o impeachment do ministro Alexandre de Morais por ter agido corretamente em relação a um deputado que ameaçou o Supremo, a integridade de ministros e defendeu o AI5; quando ouvimos o ministro da Defesa dizer que o golpe de 1964 foi evolução política; quando ouvimos os gritos do presidente insuflando as pessoas a se armarem e dizendo que tem náuseas em cumprir a Constituição, só posso ficar em “pânico institucional”.

Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo

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