Para vencer uma batalha, Doria perdeu a guerra

Anticandidatura presidencial de Eduardo Leite é mostra de que Doria será ainda mais cristianizado pelo PSDB

Fotomontagem feita com fotos de: Reprodução

João Doria é do partido do “eu sozinho”, ainda que faça declarações em sentido oposto. Traiu seu padrinho na política, Geraldo Alckmin, tentando primeiro tomar-lhe a candidatura presidencial em 2018 e, depois, assumindo a inesquecível persona do BolsoDoria nas eleições estaduais daquele ano. O brevíssimo prefeito da cidade de São Paulo, que traiu o compromisso firmado por escrito de permanecer até o final do mandato no cargo, atuou diligentemente para cristianizar a candidatura presidencial tucana daquele que o guindou à condição de ator político relevante.

Também tentou se impor ao PSDB nacionalmente como líder inconteste, armando sua pretensa consagração num jantar surrealista no Palácio dos Bandeirantes em princípios de 2021. Na ocasião, informou a outros dirigentes partidários que seria ele o novo presidente da agremiação e que Aécio Neves deveria ser afastado do partido. Não deu certo: Bruno Araújo foi reconduzido à presidência do PSDB na mesma semana, Aécio saiu fortalecido e surgiu a pré-candidatura rival de Eduardo Leite. Deu ruim.

Finalmente, venceu as prévias tucanas para ser o candidato presidencial, numa disputa que conflagrou o partido como nunca – até pelo estilo de rolo-compressor adotado na disputa interna pelo então governador paulista. Essa foi sua primeira vitória de Pirro: foi ungido candidato do PSDB, porém sem amealhar o apoio das principais lideranças da agremiação no país.

Por isso mesmo, diante da indigência Doriana nas intenções de voto, a insatisfação de seus companheiros de legenda só fez aumentar. Como mostrou a pesquisa Quaest, no estado que governava Dória atingia, no melhor dos cenários, mirrados 5%. Isso se devia, certamente, à ciclópica rejeição ao governador em sua terra natal: majoritariamente rejeitado por todos os segmentos sociais, 70% diziam que não votariam nele caso desistisse de disputar o Planalto para tentar permanecer no Bandeirantes por mais um quadriênio.

Pois foi quase essa a ameaça feita por ele caso não cessasse sua cristianização a céu aberto. Diante do crescente risco de ter sua candidatura presidencial, vitoriosa nas prévias, derrubada na convenção partidária, ele anunciou que desistira da campanha presidencial e permaneceria até o final de seu mandato à frente do governo estadual.

Com isso, desagradou primeiramente seu então vice, Rodrigo Garcia, recém ingresso no ninho tucano com o único propósito de disputar sua sucessão sentado na cadeira de governador. Com Dória ocupando o lugar, decerto a força eleitoral de Garcia diminuiria significativamente, além de sua candidatura estar sob o risco de uma nova traição Doriana. Ora, João poderia decidir não só cumprir um mandato até o final, mas também disputar a reeleição estadual. Não à toa, os aliados do vice-governador o ameaçaram com a ingovernabilidade na Assembleia Legislativa paulista, se mantivesse o anunciado intento – na verdade, um blefe.

Armou-se então a quizumba no ninho. Além de pautar toda a imprensa durante o dia e angariar cobertura em tempo real de seu discurso triunfante [sic] no final da tarde, Dória logrou arrancar do presidente tucano, Bruno Araújo, uma carta que não só reconhecia a ele como o legítimo vencedor das prévias, mas assegurava que seria ele o candidato do partido à Presidência da República. O próprio governador reconheceu, sem meias palavras, que era esse seu objetivo.

“Eu sentia a necessidade de ter um apoio explícito do meu partido, que foi dado pelo Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB. Uma carta incontestável. Agora não dá para nenhum outro imaginar que pode surrupiar ou pode copiar as prévias do PSDB. Prévias significam democracia e partidos devem seguir a democracia. Agora estou tranquilo.”

Decerto essa carta vale tanto quanto aquela que assinou o João Trabalhador – aquele que não é político, mas gestor –, asseverando que cumpriria seu mandato como prefeito paulistano.

Tanto é assim que já na manhã desta sexta-feira seguinte ao imbróglio tucano, um ex-presidente do partido, José Aníbal, assegurava em entrevista à Rádio CBN que tudo permanecia como dantes no ninho tucano. E mais: Eduardo Leite iniciaria um périplo pelo país mostrando-se ao povo e discutindo um futuro mais alentador do que o oferecido pelas atuais opções políticas – Doria incluso.

Diz muito sobre a situação o semblante constrangido de Bruno Araújo ao lado do demissionário governador paulista, quando este lhe segurou a mão e a levantou, num gesto de celebração vitoriosa. Doria já vinha sendo cristianizado pelo partido; agora, será ainda mais. Não só terá de fazer a campanha sem apoio de seus correligionários [sic], mas será sabotado por eles. A anticandidatura presidencial de Eduardo Leite é uma mostra disso. Assim como já havia sido, pouco antes, a permanência do ex-governador gaúcho nas fileiras partidárias.

Em resumo, para vencer uma batalha, Dória perdeu a guerra. Não que ele tivesse antes alguma chance de vencer, mas a derrota agora será ainda mais vexaminosa. E nada impede que, na convenção do PSDB, o partido opte por outro caminho – como, por exemplo, apoiar a candidatura de Simone Tebet, quem sabe com Eduardo Leite a compor a chapa. Aí, Dória ficará sobrando.

Quem é do partido do “eu sozinho” tende a ficar sozinho mesmo.

Publicado originalmente na CartaCapital