1922: Partido Comunista deu ao país novo instrumento político

Centro de Documentação e Memória da Unesp entrevista Luciana Santos, vice-governadora de PE e presidente do PCdoB

Em 25 de março deste 2022 o Partido Comunista do Brasil comemora 100 anos de jornada em prol da democracia, da igualdade de direitos sociais, de gênero, racial entre outras lutas. Em comemoração a esta efeméride história, o Centro de Documentação e Memória (Cedem), da Unesp, que custodia o acervo do Partido, realiza uma série de entrevistas com estudiosos do tema e políticos.

A fundaçao do Partido Comunista do Brasil ocorreu em um congresso em Niterói (RJ). Comemorar cem anos é sem dúvida um momento histórico pelo que representa a fundação dessa agremiação para os trabalhadores e a política nacionais. O Partido nasceu a partir de iniciativa de militantes anarquistas atentos ao movimento internacional, como a Revolução Soviética, em 1917. Ganhou relevância e logo passou a ser perseguido e, em diversas ocasiões, posto na ilegalidade.

O PCB atuava basicamente em sindicatos operários. Os ideais comunistas eram divulgados por meio da revista mensal Movimento Comunista, fundada em janeiro de 1922, posteriormente transformada no jornal A Classe Operária, órgão de comunicação do partido.

Três meses após sua fundação o PCB foi fechado, ainda pelo governo de Epitácio Pessoa, passando a atuar na ilegalidade. Vários de seus membros foram presos, entre eles, Abílio de Nequete, que, após sua prisão em julho de 1922, renunciou ao cargo de secretário-geral e regressou ao Sul, sendo substituído por Astrojildo Pereira.

Participaram do encontro de Niterói Abílio de Nequete, representante do grupo de Porto Alegre, da Agência de Propaganda para a América do Sul da III Internacional e do Partido Comunista do Uruguai; Astrojildo Pereira, representante do grupo do Rio de Janeiro; Cristiano Cordeiro, contador de Recife; Hermogênio Silva, eletricista e ferroviário de Cruzeiro (SP); João da Costa Pimenta, gráfico de São Paulo; Joaquim Barbosa, alfaiate do Rio de Janeiro; José Elias da Silva, sapateiro do Rio de Janeiro; Luís Peres, vassoureiro do Rio de Janeiro; e Manuel Cendón, alfaiate espanhol. 

Nestes cem anos o PCB construiu uma história que tem como protagonista a classe trabalhadora, atravessou a crise do socialismo soviético, continua sua luta e vem conseguindo crescer. Para contar esta trajetória, neste mês de março, o Centro de Documentação e Memória (CEDEM), da Unesp, realiza uma série de entrevistas com estudiosos e políticos envolvidos com a sigla, com o objetivo de mostrar sua importância no cenário nacional. (leia aqui)

Na segunda entrevista da série, o CEDEM conversa com Luciana Barbosa de Oliveira Santos. Ela é vice-governadora do Estado de Pernambuco (2019 – 2022) e presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Antes foi deputada federal, de cujo mandato renunciou para assumir sua cadeira no governo pernambucano.

Os dois partidos – PCB e PCdoB – tiveram a mesma origem no congresso realizado em Niterói (RJ). Em razão disso, os dois partidos reivindicam ser a agremiação fundada em 1922 e o mesmo símbolo – a foice e o martelo.

Até 1962 cerca de 50 mil militantes se organizavam politicamente em torno do PCB. Quando da fundação, a legenda chamava-se Partido Comunista do Brasil (PCdoB). No início dos anos 1960, no entanto, para enfatizar o caráter nacional da agremiação e facilitar a legalização, a militância aprovou a mudança de nome para Partido Comunista Brasileiro.

Mas em 1962, em função de divergências internas, um grupo de cem comunistas, liderados por Mauricio Grabois, João Amazonas e Pedro Pomar, rompeu com o PCB e resgatou a antiga sigla Partido Comunista do Brasil (PCdoB) para o então partido que se formava. Desde aquela data, PCB e PCdoB lutam pela conquista da democracia plena, embora mantenham suas diferenças táticas, estratégicas e de conceito de atuação.

Leia entrevista a seguir:

Qual o significado do Partido Comunista para a democracia brasileira?

Luciana – Por significar a expressão política e ideológica de um projeto de emancipação do trabalho, seu papel na dinâmica econômica e social é essencialmente de luta pela democracia. Nessa condição, representa a continuidade dos processos de combate ao escravismo e dos primeiros saltos progressistas – a Independência, a Abolição e a República -, agora com a teoria da transformação nas estruturas de poder, tendo como o horizonte a emancipação de toda a sociedade. Ao mesmo tempo, travar a luta para a constituição de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, caminho para a materialização das grandes potencialidades do país em benefício de nossa gente. O PCdoB é uma força indispensável para a democracia brasileira, assim como, a democracia, é imprescindível para o Brasil.

Qual a relevância dos comunistas para a história política nacional?

Luciana – Desde que surgiu, em 1922, o Partido Comunista do Brasil é partícipe de quase todos os principais acontecimentos do país. Já no final da década de 1920, representava importante força política, embora não tenha participado da Revolução de 1930. Mas se agigantou no Levante de 1935 para combater o nazifascismo, que mostrava as garras no Brasil, pagando o preço do enfrentamento à ditadura do Estado Novo. 

Coroando essa luta, liderou a campanha pela Constituinte, aliado a outras forças – principalmente o movimento do então presidente da República, Getúlio Vargas, conhecido como “queremismo” –, que resultou na redemocratização do país, com a Constituição de 1946. Perseguido pelo governo do general Eurico Gaspar Dutra, com a cassação do registro e dos parlamentares, em 1947 e 1948, respectivamente, uma vez mais se ergueu para combater o arbítrio. 

Na década de 1950, atuando na semilegalidade, teve papel relevante na eleição presidencial de Juscelino Kubitscheck, em 1955. Quando o país caiu mais uma vez nas mãos de ditadores, com o golpe militar de 1964, de novo se apresentou para defender a democracia e a pátria, num movimento que teve como ponto de maior destaque a Guerrilha do Araguaia (liderada pelo PCdoB). Na segunda redemocratização, suas bandeiras tremularam nas ruas e praças, mostrando sua força política nas campanhas por eleições diretas e pela candidatura de Tancredo Neves, que enterrou a ditadura. 

Teve participação ativa na Constituinte de 1987-1988 e na campanha da Frente Brasil Popular (PT, PCdoB e PSB), liderada por Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989, e no combate ao projeto neoliberal, na década de 1990. Integrou os governos Lula e Dilma Rousseff, atuando na linha de frente contra o golpe de 2016. Atualmente é uma das principais forças políticas que lutam para resgatar o país das garras da extrema direita, representada pelo presidente da República Jair Bolsonaro (2019 – 2022).

A criação do PCB contribuiu com avanços para a sociedade brasileira. A senhora poderia falar sobre a influência do partido em questões que hoje parecem normais, mas que foram postas em prática por causa do PCB, como por exemplo os benefícios trabalhistas?

Luciana – Com a criação do Partido, os trabalhadores tiveram pela primeira vez um instrumento para realizar a luta política no Brasil. As conquistas democráticas e sociais do povo têm a influência dos comunistas. Já na década de 1920, o Partido liderou greves e organizou os trabalhadores. Ao prosseguir no caminho dos seus antecedentes, os anarquistas – e mesmo os que combateram o escravismo –, os comunistas podem ser considerados protagonistas de avanços civilizatórios de grandes proporções. Em toda essa trajetória, ao lado do trabalhismo, os comunistas contribuíram para a formação de uma legislação social e trabalhista com muitos avanços – além de outras questões democráticas para o povo, como a liberdade religiosa, assegurada na Constituição de 1946 por iniciativa da bancada comunista, e defesa da soberania nacional –, síntese dos ideais e lutas de sua trajetória de combate ao autoritarismo. 

Qual a força política do partido (PCdoB) na contemporaneidade?

Luciana – A trajetória marcada pela convicção estratégica de luta por uma nova sociabilidade socialista, a coragem e o amor ao Brasil e ao povo, confere ao Partido autoridade e força para prosseguir em sua jornada e missão históricas. Presente em diferentes frentes de lutas – trabalhadores, estudantes, antirracismo, movimentos sociais, mulheres e cultura –, destaca-se também no parlamento e nas articulações políticas para defender a democracia, o país e os direitos do povo.  

O partido é uma força que se destaca e é respeitada entre todas as correntes políticas, por sua visão estratégica sobre o país e sua condução tática. Procura contribuir, construindo saídas, abrindo veredas para a grave crise em que o Brasil se encontra. Neste sentido é que defende uma Frente Ampla para derrotar as forças que extrema direita que conduzem o país na atualidade. 

Qual o significado da preservação da memória para os comunistas?

Luciana – Significa preservar a memória do povo brasileiro. Lembrar que os alicerces do que o país avançou em termos democrático, social, econômico e soberano tem a ação, o suor e o sangue dos comunistas. É uma história de heroísmo, abnegação e elevado compromisso humanista, civilizatório. A memória dos comunistas é uma mola propulsora de um projeto de desenvolvimento nacional, com democracia e ampla participação popular.

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