Ucrânia: As dores do mundo vendem jornais

Além da óbvia indústria do armamento, quem beneficia com a guerra, com a violência, o medo? Os jornais e as televisões, em estado de alerta permanente, 24 horas por dia.

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Em agonia há largos anos, os orgãos de comunicação social, no mundo ocidental, gozam hoje de audiências, vendas e visualizações sem precedentes. Um recrudescimento que já tinha acendido uma pequena chama na primeira fase da pandemia (no que toca a sites e canais televisivos) e que, com o atenuar da situação sanitária, havia esmorecido.

A guerra na Ucrânia deu aos orgãos de comunicação um novo, importante, alento. Mais audiências, mais espectadores, mais leitores, mais anunciantes, mais lucro.

As tragédias fazem vender jornais. Foi assim no 11 de Setembro, na Guerra do Iraque, nos atentados de Londres, Madrid, Paris. Volta a acontecer agora com a violenta situação ucraniana. Não admira, pois, que todos os canais ocupem as suas grades de programação transmissões ao vivo de enviados especiais, a todo o instante, mesmo sem haver acontecimentos dignos de atualização ou confirmação dos fatos.

Na madrugada de sexta-feira (4), a TV portuguesa SIC Notícias garantia, com um certo alarde e durante largas horas, que o incêndio na central nuclear ucraniana de Zaporíjia deflagrava junto a combustível radioativo, perto de um reator. E que a explosão seria “dez vezes pior que Chernobyl”, acrescentando que a radioatividade no local já se fazia sentir.

Nem uma coisa, nem outra: o histerismo midiático foi sendo desmentido. O incêndio aconteceu num edifício à parte, construído para treinos, e nunca esteve em risco (em consequência da explosão) um acidente nuclear e os níveis de radiação não se alteraram em algum momento. Ao anoitecer, foi-nos prometido um cataclismo de proporções épicas, ao amanhecer, a terrível normalidade da guerra, e um incêndio  apagado pelos bombeiros.

Um sem número de debates, especiais dedicados ao conflito no leste, entrevistas com políticos, especialistas (ou supostos especialistas) preenche a atualidade televisiva, poucas vezes para informar.

Com a excepção da CMTV, a RTP3, a SIC e a CNN Portugal apresentaram subidas de share significativas desde o início do conflito, a 24 de Fevereiro. Com destaque para a CNN, na liderança desta outra guerra das audiências, tendo atingido os maiores valores de sempre: 7% de share, um máximo histórico desde a sua inauguração a 22 de Novembro, numa parceria com o grupo Media Capital, que também detém a TVI.

A tendência é global, semelhante nos órgãos de comunicação social ocidentais: Em França, por exemplo, mais de 21 milhões de pessoas assistiram ao discurso do presidente francês (Emmanuel Macron) na quarta-feira. Ou seja, o correspondente a uma quota de audiência de 82,6%. Nos EUA, o número de espectadores em horário nobre dos três principais canais de notícias por cabo aumentou 49,9% (4,1% para os três noticiários noturnos) na sequência da invasão russa da Ucrânia.

Fonte: AbrilAbril