Zelensky: uma piada de muito mau gosto, por Angélica Torres

A reviravolta política que marcou a Ucrânia em 2013, estimulada pela raiva impulsionou Zelensky e empoderou a extrema-direita do país

Vamos combinar: o modus operandi de cooptar países servis aos interesses norte-americanos não é nenhuma novidade, na figura do ex-comediante Volodymyr Zelensky, o atual presidente da Ucrânia. Mas também não é nenhuma piada de salão que a série O servo do povo, por ele protagonizada em 2015, com enorme sucesso na TV ucraniana, foi o fato que o levou à presidência apenas quatro anos após, sem ter tido vivência no mundo político.

Na tal série, um professor do ensino médio se tornou o mandatário do país, depois de um seu discurso anticorrupção em sala de aula “viralizar” nas redes sociais. Mera coincidência? Ou pensou na série americana Black Mirror, vista na Ucrânia em 2013, em cujo roteiro a história de Zelensky se espelha? Bingo!

Zelensky criou seu partido “Servos do Povo” e, com discurso eleitoral de renovação da política da velha oligarquia ucraniana, fez campanha, pelo WhatsApp, defendendo a entrada da Ucrânia na União Europeia e na OTAN, a questão central do atual imbróglio com a Rússia.

A reviravolta política que marcou o país em 2013, estimulada pela raiva – essa fonte colossal de energia em plena atividade no mundo todo, via internet – impulsionou Zelensky e empoderou a extrema-direita do país, que vive hoje a situação caótica que se testemunha.

Zelensky usou a condição de ator para se projetar

Pois, e o ex-comediante não está sendo transformado em herói nacional pela mídia ocidental corporativa capitalista – óbvio que também pela brasileira –, em franca sujeição ao império dos Estados Unidos? Seria por uma dificuldade em fazer sinapses, ou por estranho desconhecimento de causa mesmo, que Europa e Brasil ainda não aprenderam a lição?

Revoluções coloridas e redes sociais

Recordemos que a estratégia das chamadas revoluções coloridas (criadas por Gene Sharp para abrandar a fachada do violento, sangrento imperialismo de seu país), somada às táticas dos marqueteiros de campanhas políticas como Steve Bannon e dos físicos de dados da internet, lançou um modelito que caiu muito bem em Volodymyr Zelensky. Mas não só nele.

Também se encaixaram perfeitamente no padrão os trolls, os bufões, com seus medíocres, escandalosos, perigosos reality shows diários: Trump, Bolsonaro, Orbán, Boris Johnson, Salvini e Beppe Grillo – este último, outro famoso comediante que, muito antes, no início dos anos 2000, foi usado como a experiência original, da qual surgiu inclusive o primeiro partido algoritmo da História, o Movimento 5 Estrelas, da Itália.

O que mais todos esses personagens têm em comum é nada menos que o apoio da extrema-direita, a se alastrar como ovos de serpentes mundo afora. E, também, a enorme ajuda dos usuários da internet, esse território ainda livre, inexplorado e selvagem, no qual a hegemonia do politicamente correto não teve tempo de se plantar, onde mentiras e conspiracionismo viraram chaves de interpretação da realidade.

Quem afirma isso não sou eu, mas o pesquisador do fenômeno das redes sociais, que transformou o mundo, o franco-italiano Giuliano da Empoli. Este cientista político afirma – e Steve Bannon endossa –, que a Itália fascista foi o berço, o epicentro, da revolta contra o establishment que hoje agita o hemisfério norte como um todo. Da Empoli se queixou que estudiosos e observadores subestimaram essa fato, registrado em seu importante livro Os Engenheiros do Caos, lançado há exatos dois anos.

O novo round

O agudo conflito estabelecido entre Ucrânia-EUA-OTAN e Rússia mostra-se agora como o novo polo irradiador de declarações polêmicas e agressivas, de palpites desinformados (ou intencionais) trocados entre usuários das redes sociais, como torcidas de times adversários de futebol, irradiando uma histeria coletiva e estabelecendo o caos, que aos autores e condutores das revoluções coloridas interessa enormemente tensionar em cadeia mundial. “O antissistema torna-se o sistema e por trás da máscara, os espertalhões estabelecem seu regime de ferro”, explica.

Não foi assim que ocorreu em todos os países que caíram como bagrinhos na rede de intrigas da direita extremada, que veicula qualquer conteúdo político a seu favor e a favor de seus soberanos? A História recente está desenhada à nossa frente, é só irem repetindo fácil-fácil o modelo, porque o poder de persuasão da internet é tão intenso e bem estruturado que hipnotiza e não se flagram as armadilhas. Até Putin e seu staff caíram na astúcia do governo Joe Biden, com a manipulação de informações correndo solta na mídia ocidental e endossada pelo vozerio colérico nas redes sociais, ajudando a levar o conflito a se estender mais que o esperado.

Não se trata de endeusar ou demonizar o mandatário russo, ou o outro. Mas, sim, de um pouco de esforço em conhecer melhor a história de seus reinos e a da Ucrânia, antro do nazifascismo de raiz, incrustado em ponto geoestratégico do planeta; trata-se de prestar atenção ao noticiário (de uma só versão!) e de compará-lo ao cenário que na mídia independente analistas/especialistas no ramo nos decifram, distanciada e friamente.

Tratam-se ainda de tentar, pelamor!, algumas sinapses, com a moda dos golpes ocorridos na última década, em tantos países que hoje lamentam sua tonta e má sorte – esperemos pra ver o que irá acontecer com os europeus, quando a conta do gás e da energia lhes bater à porta pelo governo americano, que apoiam fanaticamente –, tal qual nós aqui, ainda alheios a esse novo estilo de praticar política e, por isso mesmo, com a infeliz possibilidade de repetição da nossa tragédia, nas próximas eleições.

Alguém disse e tomo a liberdade de repetir: pobres de todos nós, marionetes virtuais da extrema-direita à mercê dos interesses econômicos das grandes potências!

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