Imprensa internacional aponta contradições da visita de Bolsonaro à Rússia

A tradicional neutralidade diplomática do Itamaraty foi pelo ralo, conforme o presidente brasileiro confrontou Washington para expressar sua solidariedade a Putin, em troca de uma fotografia oficial da visita.

Abordagem do Washington Post foi bem analítica e completa

Ninguém entende muito o sentido da visita de Jair Bolsonaro ao Kremlin, senão pelo desespero de mostrar uma agenda estrangeira para sua base de apoio, enquanto sua rejeição nas pesquisas torna totalmente inviável sua reeleição. Parece surreal que, diante da possível eclosão de um conflito armado na Europa, o presidente brasileiro queira estar confinado no centro do furacão. 

O tensionamento provocado pela Otan e os exércitos russo e ucraniano torna a situação um barril de pólvora esperando por um gesto errado ou um erro cometido por um recruta para explodir em morte e destruição. É nesse cenário que o brasileiro foi se enfiar com uma comitiva de acompanhantes que mal conseguem esconder o nervosismo.

A agenda confunde pelo alinhamento automático com os EUA, no início do seu governo, que tem no isolamento a Putin um ponto caro do governo Biden. Por outro lado, o apoio formal à soberania da Ucrânia se revela uma encenação brasileira, conforme o presidente se sujeita a todo tipo de exigência russa para garantir a fotografia com Putin.

O Washington Post traz na manchete que “Bolsonaro do Brasil” abraçou os EUA sob Trump, mas agora está em ‘solidariedade’ com a Rússia. O periódico americano considera o gesto diplomático “notável” e descreve a teimosia de Bolsonaro em dividir o mesmo espaço com Putin, apesar de todas as recomendações contrárias. Até o ex-chanceler de Bolsonaro, Ernesto Araújo, criticou a viagem, afirmando que não precisava esse risco diplomático para comprar fertilizantes, como relatou a Associated Press.

“Bolsonaro não especificou em que sentido o Brasil se solidarizou com a Rússia, mas seus comentários e visita a Putin certamente serão interpretados como apoio tácito à Rússia em um momento em que o Ocidente a chama de potência militar beligerante pronta para mergulhar a Europa na guerra”, diz o Post.

O jornal ainda aponta a volubilidade e personalismo de Bolsonaro ao abandonar a bandeira americana com a qual se abraçou em outros momentos, deixando de amar os Estados Unidos sob Biden. O repúdio que tinha ao socialismo e ao comunismo de estilo soviético como males globais também foi lembrado pela reportagem. O modo como o brasileiro ecoou as mentiras de Trump após a eleição, além de ser dos últimos mandatários a reconhecer a vitória de Biden também foi anotado no caderno de Washington.

“Além de uma chance de colocar o dedo no olho do presidente Biden, analistas dizem que a viagem de Bolsonaro à Rússia garante a Bolsonaro uma rara foto com um grande líder mundial antes das eleições de outubro no Brasil”, diz a Time, revelando o mal estar observado pela mídia americana. Juan Árias, do El País, também menciona a barganha pela foto que será usada no horário eleitoral da TV.

Periódico espanhol diz que Bolsonaro põe o Brasil de joelhos perante Putin

A Time não esqueceu de mencionar Bolsonaro vagando sozinho pelo G20, enquanto Lula foi recebido calorosamente por líderes europeus, pouco depois.  

Os receios de que Bolsonaro rompesse a tradicional neutralidade da diplomacia brasileira em conflitos bélicos, se confirmou, segundo o Post, conforme ele publicava notícias sobre a tensão na fronteira da Ucrânia. “Nesse ritmo, levará anos para o Brasil reparar os danos causados por sua atual diplomacia”, anota o El País. A hashtag BolsonaroEvitouAGuerra também foi mencionada no Post pelo ridículo da estratégia de bolsonaristas ao publicar capas falsas de revistas. 

A imprudência também é questionada pela diferença da balança comercial com a Rússia, que é de US$ 1,6 bi, enquanto com os EUA é de US$ 31 bi. Na revista Time, embora Bolsonaro fale apenas em discussões sobre comércio, o Kremlin dá a entender que a geopolítica também estará na mesa. Esta é considerada “a viagem mais perigosa da presidência de Bolsonaro”, citou a revista americana.

A reportagem do Post concluiu apontando os interesses de Bolsonaro em cibersegurança, um tema que os russos são bem equipados, como demonstram as investigações da suposta interferência eleitoral nos EUA.  

A Time também lembrou os elogios de Putin à gestão da pandemia por Bolsonaro, “o que soa como uma piada de mau gosto quando comparado aos fatos”, completa o El País. Eles conversaram próximos, joelho com joelho, enquanto o francês Macron ficou na ponta dos seis metros de uma mesa, supostamente, como medida sanitária, como observou texto da Associated Press. Apesar disso, a encenação de Bolsonaro e Putin não devem se refletir em votos concretos do Brasil com a Rússia em organismos internacionais.  O El País também salienta que Bolsonaro se encolhe “grotescamente”em questões de política externa, posando agora de estadista em meio às trincheiras russas.

A intensificação dos contatos de Putin com líderes latino-americanos é mencionado nas reportagens, como a do New York Times. Além de países como Venezuela e Cuba , que têm ligações com a Rússia desde a era soviética, Brasil e Argentina, que normalmente buscam laços mais estreitos com Washington e Europa, também têm sido assediados. Alberto Fernandez, da Argentina, teria prometido ao Kremlin reduzir sua dependência comercial dos EUA. 

O tom do La Nacion, o periódico argentino, foi de release do governo, somado às mesmas informações da Associated Press. Enfatizou em vários momentos o protocolo de proximidade entre os dois presidentes, para demonstrar intimidade.

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