Milícia digital de Bolsonaro atua em conluio com gabinete do ódio, conclui PF

A organização criminosa usa, segundo os investigadores, a estrutura do chamado “gabinete do ódio”, montado dentro do Planalto pelo filho “02” do presidente

Carlos Bolsonaro (Foto: Reprodução)

A Polícia Federal (PF) apresentou na quinta-feira (10) um relatório parcial ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com detalhes sobre a atuação da milícia digital de Bolsonaro.

A organização criminosa usa, segundo os investigadores, a estrutura do chamado “gabinete do ódio”, montado dentro do Palácio do Planalto pelo filho “02” (Carlos Bolsonaro) do presidente, para distribuir ataques às personalidades e instituições democráticas e para difundir mentiras e calúnias.

A delegada Denisse Ribeiro, responsável pela condução do inquérito das fake news e das milícias digitais, aberto em 2021, afirma que o bando atua de forma anônima e tem como alvos adversários políticos ministros do STF, integrantes do próprio governo e dissidentes, além da imprensa tradicional. Para a PF, a ação do grupo estimula a polarização e o acirramento do debate com os ataques à imprensa e aos adversários.

Não por acaso Bolsonaro deu a senha aos milicianos, nesta quinta-feira (10), no cercadinho, dizendo que “nos próximos dias vai acontecer algo que vai nos salvar no Brasil. Tenham certeza disso”, afirmou o chefe maior do esquema.

Denisse é a mesma delegada que, no processo que investiga o vazamento de dados sigilosos sobre ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), concluiu que Jair Bolsonaro (PL) teve “atuação direta, voluntária e consciente” na prática do crime de violação de sigilo funcional.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado por Bolsonaro com a incumbência de engavetar os processos envolvendo o governo, seus aliados e familiares, bem que tentou barrar a investigação ao pedir o arquivamento da investigação dos aliados de Bolsonaro envolvidos em atividades antidemocráticas. Moraes atendeu Aras, mas abriu um novo inquérito para investigar a atuação de milícias digitais. A delegada foi nomeada para comandar a investigação.

Ela identificou que o núcleo da organização criminosa estava em ligação direta com o “gabinete do ódio”. “Identifica-se a atuação de uma estrutura que opera especialmente por meio de um autodenominado ‘gabinete do ódio’: um grupo que produz conteúdos e/ou promove postagens em redes sociais atacando pessoas (alvos)”, descreveu a delegada.

A estrutura desbaratada pela Polícia Federal brasileira é muito semelhante à que foi montada nos EUA pelo bando de Steve Bennon, uma figura muito chegada aos filhos de Bolsonaro, e que levou Donald Trump ao governo (v. “Vem à tona o esquema criminoso que fraudou a democracia brasileira”). Atualmente Steve Bannon está respondendo a processo nos EUA.

O relatório da PF descreve que as vítimas da milícia de Bolsonaro eram definidas pela cúpula da organização criminosa. “Os ‘espantalhos’ escolhidos eram previamente eleitos pelos integrantes da organização. A partir daí, difunde-se as postagens de ataque por múltiplos canais de comunicação, em atuação similar à já descrita outrora pela Polícia Federal, consistente no amplo emprego de vários canais da rede mundial de computadores, especialmente as redes sociais”, escreveu a investigadora.

Falsa liberdade de expressão

O relatório avalia, ainda, que os milicianos agem de forma dissimulada para tentar confundir conduta criminosa com direito de manifestação de opinião. O próprio mandatário tenta sustentar que a punição a esses crimes é um cerceamento à liberdade de expressão.

Não é à toa que vários “auxiliares” e seguidores do governo foram em cana e outros estão foragidos, como o blogueiro Allan dos Santos, nos EUA.

A delegada argumenta que a estratégia do grupo tem sido explorar os limites entre crimes contra a honra e a liberdade de expressão. Com isso, segundo ela, é criada uma falsa ideia de que a Constituição permite a publicação de qualquer conteúdo sem que o autor seja responsabilizado.

Para Denisse, eles trabalham a diferença entre manifestação de opinião e a conduta criminosa. “É o nítido propósito de manipular a audiência distorcendo dados, levando o público a erro e induzindo-o a aceitar como verdade aquilo que não possui lastro na realidade”, argumenta.

“Sob essa ótica, tem sido rotineiro questionar os limites entre a prática dos chamados delitos de opinião (especialmente calúnia e difamação) e a amplitude da liberdade de expressão, gerando uma ideia de que a Constituição Federal criou uma zona franca para a produção e divulgação de qualquer conteúdo sem risco de responsabilização. Não é o que ocorre com qualquer Estado Democrático de Direito”, afirmou a policial.

“É justamente para proteger o discurso livre e aberto que se torna necessário estabelecer a ‘nota de corte’ a partir da qual se encerra a liberdade de expressão e se inicia a prática ilícita”, prosseguiu Denisse.

“O cruzamento de dados adquiridos mediante quebra de sigilo legal, as oitivas e os documentos obtidos permitem identificar a estrutura montada, os papéis de seus membros e os objetivos buscados, os quais são até aqui indicadores de uma atuação orquestrada, que pratica os fatos descritos com o propósito de difundir os ataques e/ou desinformação, criando ou deturpando os dados para obter vantagens para o próprio grupo ideológico e auferir lucros diretos ou indiretos por canais diversos”, destacou a delegada.

Escolha do alvo

O relatório da PF detalha alguns passos que são dados pela organização criminosa com vistas a atingir seus objetivos. Primeiro, há a eleição de uma pessoa que será o alvo. Depois, vem a elaboração de um conteúdo ofensivo e a separação de tarefas entre os envolvidos. Logo e seguida, começa o ataque em si: ou seja, a publicação sistemática de informações ofensivas, inverídicas ou deturpadas, por várias fontes e canais. São usadas múltiplas plataformas para reproduzir o material. A PF identificou, ainda, o uso de robôs para potencializar as mensagens difundidas.

“A análise em curso aponta também para existência de eventos que, embora não caracterizem por si tipos penais específicos, demonstram a preparação e a articulação que antecedem a criação e a repercussão de notícias não lastreadas ou conhecidamente falsas a respeito de pessoas ou temas de interesse”, relatou a delegada, referindo-se à atividade do entorno de Bolsonaro.

“Como exemplo, entre outros, pode-se citar a questão do tratamento precoce contra a COVID-19 com emprego de hidroxicloroquina/cloroquina e azitromicina, bem como a menção à elaboração de dossiês contra antagonistas e dissidentes, inclusive com insinuação de utilização da estrutura de Estado para atuar ‘investigando todos’”, prosseguiu.

A responsável pelo inquérito, que está se afastando do caso por problemas pessoais, avalia que as investigações devem ter continuidade diante dos vários elementos reunidos que indicam a prática de vários crimes. Denisse defendeu que novas diligências devem ser realizadas, além de depoimentos, cruzamentos de dados, entre outras medidas. Ela sugeriu, também, que as vítimas identificadas sejam comunicadas para que possam eventualmente acionar a Justiça.

A delegada disse, ainda, que, como a investigação envolve a suposta atuação de organização criminosa, também estão em análise dados relacionados a outras investigações que atingem o presidente Jair Bolsonaro, como a live com informações falsas sobre as urnas eletrônicas e o vazamento de dados sigilosos. “Como dito, todos esses eventos possuem correlação e revelam semelhança no modo de agir, bem como aderência ao escopo descrito na hipótese criminal”, concluiu a investigadora.

Fonte: Hora do Povo