Música para comemorar o bicentenário da independência do Brasil

A lista traz músicas que abordam a brasilidade: lugares, costumes, gêneros que se consagraram, temas políticos e sociais. A partir dela, temos um exemplo modesto da riqueza que há em nossa produção cultural

Foto: Reprodução

Para comemorar o bicentenário da independência do Brasil, o Centro de Memória Sindical preparou diversas publicações especiais que visam ressaltar a história e a identidade brasileira do ponto de vista do seu povo.

A ideia é homenagear o que há de melhor em nossa cultura e também levantar um debate sobre o país sob diversos ângulos.

Começamos o ano com uma playlist do bicentenário, com músicas que vão de Chiquinha Gonzaga aos Racionais MCs. A lista traz músicas que abordam a brasilidade: lugares, costumes, gêneros que se consagraram, temas políticos e sociais. A partir dela, temos um exemplo modesto da riqueza que há em nossa produção cultural.

A música brasileira prima pela sofisticação, pela harmonia e pela criatividade na assimilação e recriação de ritmos. Assim é com a nossa música clássica e o choro que ganha uma tonalidade mais popular. Com o samba que é a tradicional música do povo trabalhador e expressão da influência africana. Assim é com a nossa Bossa Nova, iniciada por João Gilberto e Tom Jobim, que, através de uma releitura de ritmos internacionais, construíram uma identidade forte, reconhecida em qualquer lugar do mundo e que é a cara de um certo Brasil, de uma certa época.

Uma das expressões que mais sintetizam essa capacidade de mistura é o tropicalismo e, em especial, o álbum “Tropicália”, lançado por Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé, além dos poetas Capinam e Torquato Neto, e do maestro Rogério Duprat. Ali ouvimos o rock moderno misturado a músicas mais regionais. Não à toa o álbum resgata o sentido do manifesto antropofágico de Oswald de Andrade, de 1928. O Tropicália gira em torno da ideia da transformação do Brasil de um país essencialmente rural para um país mais urbano e industrializado. Ele aborda as contradições da modernização brasileira, o choque cultural, o choque entre elite e povo e nossa raiz profundamente religiosa e colonizada.

Nossa MPB é, de fato, um gênero especial. Ela acompanha a evolução social e política do país desde a década de 1960. Foi um importante registro da resistência e do combate à ditadura militar. Versou também sobre a reabertura democrática dando forma a um entusiasmo que fervilhou sobre o país. E depois também sobre o desemprego e as dificuldades econômicas que se seguiram.

Muitas destas músicas foram lançadas nos Festivais de Música Popular Brasileira, como “Roda Viva”, de Chico Buarque, “Para não dizer que não falei das Flores”, de Geraldo Vandré, ambas de 1968, e “Alegria Alegria”, de Caetano Veloso, lançada em 1967. Mas também destacamos “Como Nossos Pais, de Belchior”, de 1976, e “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, de 1979, consagradas na voz de Elis Regina.

O período que vai do fim da ditadura ao processo de redemocratização foi marcado por um maior otimismo expresso em músicas como Pro Dia Nascer Feliz, de Barão Vermelho, de 1983, É hoje, Caetano Veloso, 1983, Vai passar, Chico Buarque, de 1984. Mas, concomitantemente, o neoliberalismo já se expandia, acirrando a pobreza e a desigualdade.

Foi neste contexto que explodiram bandas de rock que expressavam um país já totalmente industrial, urbanizado e em progressiva desigualdade, em músicas como: “Alagados”, de Paralamas do Sucesso, de 1986, “Tempo Perdido”, de Legião Urbana, de 1986, “Até quando esperar”, de Plebe Rude, de 1985 e “Homem Primata”, dos Titãs, de 1986.

A partir da década de 1990 surgiram bandas e músicos que deram uma nova cara às misturas de ritmos, regionais e universais. O manguebeat, popularizado por Chico Science e Nação Zumbi, foi uma das maiores expressões desta época, com um rock intensamente marcado pela cultura pernambucana. Na MPB também surgiram novidades como a carioca Zélia Duncan, o maranhense Zeca Baleiro, o pernambucano Lenine e o paraibano Chico Cesar. Eles conseguiram traduzir a MPB para o tempo atual, com canções altamente poéticas que revelam maior maturidade política e cultural no país.

Outro fenômeno que ganhou força já na virada do século foi o Rap brasileiro, impulsionado por bandas e músicos como Rappin’ Hood, Criolo, Emicida e, sobretudo, os Racionais MCs liderado pelo rapper Mano Brown. O gênero, fortemente marcado pelo realismo e por denúncias de pobreza e violência nas periferias das cidades brasileiras, ganhou uma grande dimensão através de plataformas como a MTV e as possibilidades abertas com a disseminação da internet, que permitiu que os jovens da periferia também ocupassem seu devido lugar na música e na cultura, antes restrito às classes mais abastadas.

A lista que apresentamos tem muito mais. Muitos outros músicos importantes, como Gonzaguinha, Nara Leão… E ela pode ter mais ainda. É um trabalho em evolução, que tem como eixo a expressão da brasilidade.

Esta linha evolutiva nos permite definir períodos da história através de gêneros musicais. Mas isso não significa que eles aconteçam distintamente. Eles permanecem e evoluem ao lado de outros, reafirmando o caráter criativo e antropofágico da cultura brasileira.

Fonte: Rádio Peão Brasil