Governo do Paraná pede perdão por torturas a Beatriz Abagge nos anos 1990

Ministério Público do Paraná continua não admitindo sevícias contra condenados do Caso Evandro, em “convênio” com a PM

'Marco histórico', diz Beatriz Abagge sobre carta do Governo do Paraná com pedido de perdão por 'torturas' — Foto: Reprodução

Beatriz Abagge considerou um “marco histórico” o pedido de desculpas oficial do Governo do Paraná pelo que o estado definiu como “sevícias indesculpáveis” sofridas por ela à época da investigação do caso. A condenada pela morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no litoral do Paraná, se pronunciou neste sábado (15). Ela também comentou a posição do Ministério Público que continua não admitindo a tortura.

“Eu considero esse pedido um marco histórico. Fez o Ministério Público estar esperneando e reclamando através de nota pública que não foi esse o entendimento do grupo de trabalho, mas foi, sim. O MP precisa parar de agir como acusador, ele tem que agir como defensor do povo, de nós, afinal de contas a prova da tortura está aí para todos verem”, disse ela, em entrevista ao g1.

“Eu não vou me calar, eu vou continuar lutando tanto em meu nome, como em nome de todos os outros acusados”, pontuou Beatriz, que alega inocência sua e dos demais condenados. O jornalista Ivan Mizanzuk publicou os áudios completos das confissões que mostram “pedidos de socorro dos então investigados e provas de coação e ameaças por parte de torturadores”.

A história envolve uma criança assassinada, sete acusados e um ritual macabro que ganhou notoriedade por todo o país. Há quase 30 anos, Evandro Ramos Caetano, na época com seis anos, desapareceu no trajeto entre a casa e a escola, em Guaratuba, no litoral do Paraná. Cinco dias depois, um corpo dilacerado e sem órgãos foi encontrado em um matagal. 

As condenadas, chamadas de “Bruxas de Guaratuba”, são esposa e filha do então prefeito da cidade, Aldo Abagge. O tio do garoto, ex-policial, era adversário político do prefeito e fez a acusação que levou à prisão da primeira dama.

Documentário e áudios reveladores

Os áudios completos, que mostram os acusados recebendo instruções para confessar os crimes, se tornaram públicos em 2020, durante o podcast Projeto Humanos, que contou a história do caso.

O documento é assinado pelo secretário estadual de Justiça, Trabalho e Família, Ney Leprevost, com data de 4 de janeiro.

“Expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de qualquer tipo violência, e neste caso em especial contra o ser humano para obtenção de confissões e diante disto, é que peço, em nome do Estado do Paraná, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a senhora”, cita trecho da carta.

Na carta, o secretário ainda afirma que após assistir o documentário Caso Evandro, da Rede Globo, e também ter acesso ao relatório do grupo de estudo criado pela Secretaria de Justiça para identificar falhas no processo e investigação, ele teve convicção pessoal de que Beatriz e “outros condenados no caso foram vítimas de torturas gravíssimas”.

Ele também diz que não pode inocentar ou anular o julgamento que condenou Beatriz Abagge, mas que uma cópia da carta de perdão e do relatório final do grupo de estudos será enviado ao Poder Judiciário.

Prova cabal

Após a publicação da carta, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) publicou uma nota afirmando que não foram identificados, no documento, elementos probatórios que evidenciassem a prática de qualquer ilicitude por parte dos integrantes da instituição que atuaram na “persecução penal” que conduziu à condenação de alguns dos réus indicados na denúncia criminal.

Para Beatriz, a nota do Ministério Público expressa pânico diante do pedido de perdão do estado. Sua defesa pediu revisão das condenações, ao que o MP diz que só pode ocorrer diante de prova cabal. O problema é que a admissão do governo de tortura e a análise do áudio podem invalidar as confissões, o que deve ser analisado pela Justiça.

Em relação a nota, Beatriz Abagge afirmou que é inadmissível o posicionamento do MP.

“Como o órgão mesmo disse, os fatos e a revisão criminal serão discutidos na Justiça, ele não tem que repudir em cima ou falar alguma coisa, porque diz respeito ao Estado. O MP na época em que fomos presas eles tinham um convênio com a PM, eles tinham um interesse em comum e, foi a partir desse convênio, que foi encaminhado o Grupo Águia. Então o MP está defendendo o que? O corporativismo? Acreditaram justamente em uma história macabra, maluca, para acusar sete pessoas inocentes”, disse ela.

Pedido de desculpas foi assinado por secretário estadual — Foto: Reprodução/Governo do Paraná
Pedido de desculpas foi assinado por secretário estadual — Foto: Reprodução/Governo do Paraná
Em documento, secretário cita "torturas gravíssimas" contra condenados — Foto: Reprodução/Governo do Paraná
Em documento, secretário cita “torturas gravíssimas” contra condenados — Foto: Reprodução/Governo do Paraná

Confira a nota do MP-PR na íntegra:

“A respeito das recentes manifestações públicas relacionadas ao relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho ‘Caso Evandro – Apontamentos para o Futuro’, o Ministério Público do Paraná esclarece que não foram identificados, no referido documento, elementos probatórios que evidenciassem a prática de qualquer ilicitude por parte dos integrantes da Instituição que atuaram na persecução penal que conduziu à condenação de alguns dos réus indicados na denúncia criminal.

A atuação dos agentes ministeriais ocorreu com estrita observância aos princípios do devido processo legal, da moralidade e da ampla defesa, sem que houvesse conhecimento ou compactuação com condutas que pudessem caracterizar violação aos direitos fundamentais dos acusados.

Ademais, salienta-se que o referido Grupo de Trabalho, a teor de seu relatório final, não concluiu que o Estado do Paraná devesse formalizar qualquer pedido de perdão aos acusados, como noticiado por alguns órgão de imprensa.

Como se sabe, houve judicialização de pedido de revisão criminal, procedimento já em trâmite no Tribunal de Justiça do Paraná, sendo este o ambiente adequado e competente para análise de todos os aspectos processuais e probatórios envolvidos, o que faz por recomendar a não especulação precipitada de versões ante o encaminhamento do caso a pronunciamento jurisdicional”.

Do G1

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