Jornal espanhol prevê “duelo eleitoral de alta tensão” no Brasil

Ao analisar o cenário da disputa presidencial, a correspondente do El Pais considera que mais provável para as eleições de outubro é um confronto direto entre Lula e a Bolsonaro, após uma feroz campanha focada na economia.

(Foto: Reprodução)

Na passagem de ano de 2022 para 2023 no Brasil milhares de pessoas se reunirão sob um sol inclemente em Brasília para assistir, exceto se ocorrer uma grande surpresa, a posse do próximo presidente do Brasil. Há pouca pouca possibilidade de não ser um homem. Tampouco é arriscado prever que quem chega em Rolls Royce e sobe a rampa de acesso à plataforma do palácio envidraçado projetado por Oscar Niemeyer será um velho conhecido, provavelmente um veterano na chefia de Estado. Um dos maiores países do mundo, o mais rico da América Latina, se prepara para um duelo eleitoral de alta tensão cujo desfecho terá efeitos muito além de suas fronteiras.

De um lado do ringue, o esquerdista Lula, carismático e renascido para a política quando poucos esperavam. Aos 76 anos, ele busca a terceira eleição após prisão e anulação de suas sentenças. É o grande favorito. Do outro lado, Jair Messias Bolsonaro, 66, de extrema direita, um homem de modos rudes que há três anos soube cavalgar a onda de retrocesso que varreu o mundo, capitalizar o descontentamento, otimizar o poder das redes sociais e alcançar o poder quando, apenas alguns meses antes, até mesmo formular essa ideia teria sido uma ilusão. Tentará um segundo mandato.

Até agora, nenhum dos dois oficializou sua candidatura. Não importa. Ninguém duvida que ambos têm vontade firme de finalmente lutar nas urnas eletrônicas. À frente, uma campanha que se espera extremamente polarizada. Dez meses de intenso drama garantido. Brasileiros com mais de 16 anos vão eleger presidente, governadores, deputados e senadores.

O duelo Bolsonaro-Lula teria cheiro de vingança por aquele que não pode disputar a eleição em 2018. Da mesma forma que um tribunal anulou a candidatura de esquerda por ser condenado por acusação de corrupção, outro deu essa segunda oportunidade ao anular a sentença e reabilitá-lo.

Nenhum outro candidato os está ofuscando, especialmente Lula, que lidera as pesquisas com uma liderança sólida, à medida que a inflação e a pandemia continuam a minar o apoio ao presidente Bolsonaro. O líder do PT venceria no segundo turno com 59% contra 30% do atual presidente, segundo a última pesquisa Datafolha, de meados de dezembro.

O ultradireitista mantém, em todo o caso, uma base fiel, a não desprezível maquinaria do Estado e um Parlamento controlado por uma galáxia de partidos sob o controle do Centrão, que por agora permanecem ao seu lado . “É difícil para um líder que comparece às eleições não chegar ao segundo turno”, destacou esta semana no Estadão o representante da consultoria Eurásia para a América, Christopher Garman. Ele acrescentou que, em sua opinião, os temores sobre os possíveis riscos da vitória de um e de outro são exagerados.

Segmentos empresariais e aqueles que consideram Bolsonaro e Lula extremistas têm promovido inúmeras tentativas de fazer surgir um candidato alternativo, mas nenhuma teve sucesso. O único que se aproxima um pouco a dupla que está à frente das pesquisas é o ex-juiz Sérgio Moro, maior símbolo da operação Lava Jato, que determinou a prisão de Lula e foi ministro do Bolsonaro. O Datafolha dá 9% a Moro no primeiro turno. Depois dele, outros candidatos, como o governador João Doria, o ex-ministro Ciro Gomes ou a senadora Simone Tebet, única mulher entre os candidatos.

O cenário mais provável, segundo analistas e pesquisas, neste momento é que Lula e Bolsonaro disputarão o segundo turno e com maiores possibilidades de vitória do primeiro. Mas as projeções indicam que, se no lugar do atual presidente, o adversário de Lula no segundo turno for um direitista mais moderado, então o ex-presidente teria muito mais dificuldade. A campanha de 2018 já mostrou que surpresas não devem ser descartadas.

Há consenso de que a economia em crise será o grande tema da campanha. Depois de uma década que combinou uma recessão de dois anos com um crescimento anêmico, as perspectivas são pessimistas. E depois há o impacto devastador da pandemia. Quase 20 milhões de brasileiros passam fome , ou seja, cerca de 9% da população.

O momento atuais é de trabalhar na construções de alianças essenciais para a disputa. Um esforço de diabólica complexidade em um país tão diverso como o Brasil. Além da aritmética eleitoral, é preciso levar em conta as sensibilidades territoriais e que o jogo é disputado em duas etapas. Especulações sobre possíveis vice-presidentes são constantes. Há semanas se falou que Lula tentava convencer a empresária Luiza Trajano que, além de muito rica, é muito ativa contra o machismo e o racismo. Ela insiste que não tem intenção de se candidatar.

Lula embarcou em uma aposta arriscada para tentar um feito que só Fernando Henrique Cardoso conquistou nos anos 1990: vencer no primeiro turno. O ex-sindicalista governou o Brasil entre 2003 e 2009, quando deixou o cargo, sua popularidade disparou, mas depois vieram a operação Lava Jato, as condenações, a prisão … e seu retorno à linha de frente da política.

A pessoa que Lula escolher como seu vice-presidente será uma pista importante. Agora está cortejando um ex-adversário para o cargo: Geraldo Alckmin, a quem derrotou nas eleições presidenciais de 2006. Ex-governador de São Paulo, Alckmin é um veterano do PSDB que, segundo observadores, serveria para moderar o perfil de Lula. Isso atrairia votos de centro-direita e enfraqueceria a resistência que persiste em relação ao ex-sindicalista. Alckim acaba de sair de sua longa militância tucana para ingressar em novo partido, ainda a ser definido de acordo com o projeto eleitoral que resolver participar.

O período de festas de fim de ano foi o último momento para os candidatos, suas equipes, os segmentos políticos e o judiciário recarregarem suas baterias diante dos meses intensos que se avizinham. A evolução da pandemia pode influenciar o formato dos eventos de campanha, mas ninguém duvida que as redes sociais e a desinformação terão um papel de destaque como em 2018 .

Se quem toma posse no dia 1º de janeiro é Lula, isso significaria culminar em grande estilo a virada da América Latina para a esquerda. Se fosse o Bolsonaro, seria um notável impulso ao projeto global de extrema direita nacional-populista, prejudicado pela derrota eleitoral de Donald Trump.

Fonte: El Pais